domingo, 14 de maio de 2017

COMO CAVALOS FATIGADOS ABRINDO UM MAR


por: W.J. Solha

Embora DÉRCIO BRAÚNA pegue a imagem de outro poeta, seu título me remete aos CAVALOS BRANCOS DE NETUNO do art nouveau WALTER CRANER, como se vê abaixo. Esse SEU NOVO LIVRO, da editora Radiadora, 2017, revela enorme salto de qualidade em relação a suas obras anteriores. Assumindo um tom bíblico – ancorado no Gênesis, Salmos, Eclesiastes e Cantares de Salomão – alcança muitos momentos de grande beleza. Sublinhando, sempre, o que apanha de outros criadores, faz uma “costura de vozes e desassossegos”, “na voragem doutros gritos, na escuta doutros silêncios”. 

Diz , logo no primeiro poema, o MANUFATURA:
-
Talvez seja mesmo isso:
desde o caos de tudo
( princípio que há de ter sido ) 
que andamos nesta penosa manufatura:
criar um mundo
“pra saber se há deus”
-
Esquisito, Mas o que é a poesia, para ele?
. (...) uma exploração ao redor, / e é um latejo/ ardendo de dentro /do veio, / é essa “viagem / da mão a seu duelo, / é palavra que encosta/ “o amor e a pedra”. ]
-
OU SEJA: BRAÚNA NÃO SE INIBE EM PÔR NO CLIMAX DE SUAS POESIAS O MELHOR DO MELHOR DE OUTROS POETAS., POIS O QUE LHE IMPORTA É CHEGAR ONDE QUER. Em DA CHAMA DO MEU DESESPERO,por exemplo, diz:
- Meu desespero/é este nunca saber/ se na carne irascível e verbal do poema/ se acendeu/ “o intenso fogo devorador das coisas
-
SUPONHO QUE ISSO SEJA ALGO NOVO. 
 Ele diz, em DO MAR ROXO DE JERUSALÉM, 
- Nomes e mais nomes, / mortos e mais mortos:/ e quem os pronuncia/ relincha,/ não se cala/ ( não se pode calar), / como “cavalos fatigados que cruzam um mar roxo.”
-
SOBRE AS TRADUÇÕES, DIZ, NO GENIAL “POR SOBRE AS CERCAS”:
- “O Poema se ofende quando o traduzem” / Mas que fazer? / Por mais que tenhamos tentado, / ainda não soubemos habitar uma Babel feliz, / por isso essas ofensas bonitas, / que se vão atirando contras as cercas do mundo. 
-
DÉRCIO BRAÚNA É FANTÁSTICO QUANDO DIZ ( atentem para isto):
- Escrevo porque estou aqui, diante do desastre.

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SERVIÇO:
Como cavalos fatigados abrindo um mar
Dércio Braúna
Editora Radiadora (Fortaleza-CE)
e-mail: radiadora@gmail.com
fone: 999442220
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quarta-feira, 26 de abril de 2017

AO SOM DE UMA SALSA



Quase não suporta a bolsa;
falta-lhe a respiração.
Pouco antes de virar a esquina,
o taxi some, surge um letreiro.
Que importa. Vamos a pé mesmo.
O filme é interrompido neste ponto.
Avisam, lá de fora, que a luz caiu na cidade inteira.
Você não gostaria de tomar uns drinques?
Amanhã tenho que ir à cidade vizinha.
Mas quem resiste a tão comovente convite.
A luz voltou. A loja de miudezas parece uma feira.

Pipocas, bolas, negros meninos sorridentes nas calçadas.
Um carro dos anos 50 ─ Estamos em Havana?
Recomeça a cantarolar a salsa, dança na calçada.
Um policial observa e sorri, distrai-se.

Sua pele parece algodão.
Já está quase na hora de ir para casa.
Me gusta mucho Mongo Santamaría.
No entendí.
Sorrimos.
Começa a neblinar, suavemente.


│Poema da Série “Incidentes” – Autor: Webston Moura│

O CÃO

Sempre, a partir das três, este cão me aparece.
Olha pela porta de vidro, faz sinal, ladra.
Dou-lhe alguma comida e água.
Ele come, bebe, demora-se um pouco e some.
Nunca soube para onde vai quando vira a esquina.
Do que me acontece, o fato sem rumo é apenas este,
o cão cujo nome ou origem não sei, nunca soube.

Dou de imaginar uma casa de onde ele foge
e vem desordenar, ao menos um pouco, minha rotina.
Este cão é a interrogação a que me obrigo pensar,
a pedra no sapato de meu pequeno reino de ordem e paz.
É o que me desestrutura e me põe no meio do inesperado,
como se uma pluma me tomasse as rédeas da razão e saísse ao vento.

Virá o dia em que ele desparecerá da minha vida.
Aí, que farei da hora vazia diante da porta?


│Poema da Série “Incidentes” – Autor: Webston Moura│

O RELÓGIO



Guardo o relógio desde que aqui vim morar.
Curioso tê-lo encontrado dentro de uma das paredes.
A caixa de madeira, um entalhe com as iniciais ST na tampa.
Objeto antigo, mas nem tanto, ainda funciona.
Não quis tentar devolvê-lo, reconheço.
Talvez, acredito, para ter um mistério e não um roubo.
Depois de doze anos, continuo a perguntar sobre.
Inventei, para meu próprio gozo, possibilidades.
Mas nunca fui mais adiante em qualquer investigação.

Este relógio é o meu segredo obscuro,
aquela dose de fantasia a que imaginativas pessoas se dedicam.
Fora de toda previsibilidade, é a circunstância que não dirijo.
Caso casual, apesar dos doze anos, marca as horas em que aconteço fora do mundo.
E eu sempre hei de viajar.


│Poema da Série “Incidentes” – Autor: Webston Moura│

segunda-feira, 24 de abril de 2017

IMAGEM SOBRE O ESCURO

Este homem sorridente da foto está vivo,
mas apenas nisto, imagem e canção.
Por nossa lembrança, que o sol amarela,
sobrevive este homem, cantado em nossa voz
e conversado em nossas horas, história que se estende.

Parece ser que o maior das existências seja isto,
imaginar e sentir mais que tudo,
memória e força que o coração tange.

E assim diz-se passar a vida,
mais ainda, vive-la mesmo,
imagem sobre um escuro que desconhecemos.


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│

UMA CONCHA NAS MÃOS

Vais à praia?
Encontrarás um objeto calcificado cheirando a ontem.
Toma-o, pois, à mão e compreende que estás nele e ele em ti,
emaranhados os dois de tempo na matéria que se transforma.

Não penses muito, rapaz, que não és velho.
Deixa que os anos além emprenhem a demora necessária.
Corre na areia, segue, busca o sol e olha a beleza.
Descansa tua cabeça de tanta história e lembra-te do momento.
Nunca mais verás o dia, este, tão erguido como agora.
E a isto, o dia real e único, é que deves chamar de milagre.


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│

DE BRANCO E AZUL

Há um barco vazio na praia,
com um vestido branco e azul dentro.
Nenhum objeto mais ou indício de haver gente viva se acha.

Dão-se os homens em investigações,
suposições, palpites e até invenções.
Querem a verdade do que teria havido,
mas nada de oficial sobre sumiços e naufrágios se noticia.

Correrão dias e dias, lendas surgirão de cada canto.
Deseja-se dar sentido a um vestido branco e azul,
peça que algum dia, deduz-se, vestiu a moça sem nome.

Envelhecerão todos sempre a lembrar
de como incomoda este dia, este barco
e o vestido vazio, tempo descolado da linha.

Inquieta a vida correndo invisível e obscura no tempo,
o rosto e a história da moça sem nome vestida de branco e azul.


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│

terça-feira, 28 de março de 2017

PALAVRA

Não tenho outras palavras,
exceto estas,  gastas, que trago no costume.
Sei, entretanto, poder renová-las desde seu cerne,
como dizer calçada e ver o caminhar dos transeuntes,
os sentimentos todos atravessando as horas.

Palavra é meio, transito, panela onde se coze,
cadeira onde se senta, até a interjeição no cartaz que pede Silêncio!
na emergência de um hospital, lugar onde as palavras doem,
ainda que envolvidas em penicilina, gaze e procedimentos singulares.

A palavra jardim não dá flores, diz-me o passante
(ironizando uma minha possível inocência).
Ao que direi ver dela despencarem cheiros e lembranças,
rostos e possibilidades, flores que a imaginação fabrica.


│Poema da Série “Palavra” – Autor: Webston Moura│

PALAVRAS SECAS

Havia sonhado um poema.
Iria construí-lo água jorrando.
Perdeu-se debaixo de uma pá carregadeira,
entre as notícias nervosas do jornal primeiro
e o vozerio dos gentios ante o incerto.

Aqui, momento bem depois,
cá estou a deslizar o lápis no branco da angústia,
catando palavras que digam andiroba e catuaba,
palavras que possam domar touros e ventanias.

E tudo o que me toma é ausência e sono.
Como são fortes as palavras secas.


│Poema da Série “Palavra” – Autor: Webston Moura│

LI POESIA

Pão é uma palavra cheia.
Amor, idem, ainda que em falso.
Agora, pressa que acossa a ênfase imperativa.

Deseja-se paz, mas a lavoura é de cupins.
Aqui e acolá, tua boca pela minha, pronúncia grávida de desnexos.
Dai-me, Pollok, uma linha para ler tuas tintas!
Concede-me, Pessoa, a honra desta dança contra
                                                                         as coisas
                                                                           que nos
                                                                          caem do
                                                                          coração!

Abre-te, Sésamo, que acabo de cometer ócio explícito
na engenharia ardente das tarefas inoperantes do cotidiano:

li poesia & desejei ser.


│Poema da Série “Palavra” – Autor: Webston Moura│

domingo, 26 de março de 2017

COISA SUSSURRANTE






Morasse próximo ao mar,
perder-me-ia muitas vezes a olhá-lo.
Para mim, o mar é ócio, demora imensa junto ao vento.

Talvez, esta seja uma das senhas para o amor:
deixá-lo ser a coisa sussurrante que nos toma o corpo,
uma miríade de finas mãos costurando conchas.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

ENQUANTO TE OUÇO NAS MARÉS

Teus olhos azuis, espelhos d’água sereníssimos.
Tua pele dourada, memórias de sal a sol.

És o sargaço furioso e eterno renascido sempre.
És a sombra de navios que não existem mais,
exceto suas carcaças, hoje moradas de líquens
e de senhorinhas que se afogaram em tardes esquecidas.

Por isso, estás aí nos meus sonhos
e cantas a monotonia agradável das marés
enquanto adormeço gaivotas em meu corpo.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

TUA PRESENÇA

Morasse próximo ao mar,
ver-te-ia, mesmo que não pudesse.

Não é desejo de alucinação;
apenas invenção do ócio em mim engastado,
prática de quem aprendeu o mar e nunca mais o deixou.

Carrego este búzio ao ouvido,
som primordial que engravida belezas.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

sábado, 25 de março de 2017

UM CÃO DENTRO DE UM QUARTO



Este homem é um cão dentro de um quarto.
Só de solidão insuportável, grita e definha.
Não está só de outros, que há muitos em redor.
Está só de não encontrar mão e chão adiante.

Há um gesto de abandono nos corações.
Há um terror normalizado nas convivências.
Há uma falta, muitas faltas, todas as faltas.
Há uma vontade de fugir de todos os olhos.

Este cão, que é o homem, não mais sabe a flor,
a suavidade das auroras, a música do vento nas cortinas.
Sabe, a bem do mal que lhe corrói, receber notícias
e não faz ideia do destino a dar a tão más companhias.

Em círculos, sofre pensamentos,
reverbera-se doentiamente.


│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

COM SEU INOFENSIVO OLHAR



Agora, se muito, olha esta janela, vê a paisagem,
mas não pode dar coisa alguma ao mundo.

Este cão, homem natural,
recebe a luz, sabe seu ouro, conhece a vida,
mas não pode reestruturar nenhum destino.
Está resumido a não ter força
e a olhar um jardim saturado de lágrimas.



│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

UM VULTO AO VENTO



Ninguém lhe sabe a moradia, sequer se há.
Sabem-lhe um apelido e o olhar silencioso.

Ele sempre atravessa a rua, talvez todas,
como se esse fosse o destino único, andejar.

É o cão sem dono, andrajo, sem eira nem beira.
E não é feliz, deduz-se da falta de vida que carrega.

Não penetra o coração de ninguém,
mas talvez não seja sua culpa.
É que foi feito para isso, dizem.

Há destes homens, lápis que não riscam;
homens sem assinatura de existência.

(Quem vem lá?
Um vulto ao vento.)


│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 8 de março de 2017

É UMA PESSOA



Na condução fria dos ofícios,
a estatística assentada aos documentos.

A perícia estuda,
a polícia investiga,
a justiça fecha a conta,
a imprensa repassa,
o cidadão não sente.

Mas, não!
Não é um número.
É uma pessoa.
Sim, é uma pessoa!
Por dentro da imagem dependurada à corda,
uma mulher, 36 anos, dois filhos, um barraco,
tudo o que a estatística não captura na condução fria de seu ofício.

(O silêncio de uma pessoa,
quem o escuta?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

O ANJO



Atrás daquele sorriso,
quem diria o agudo e oculto siso?
Quem conceberia a noite profunda naqueles olhos?
Onde se escondia a insídia, se cada gesto era pássaro?

Bem por isso,
por não se imaginar jamais a queda ali instalada,
acharam de ver um anjo estendido no banheiro.
Dezesseis anos, pulsos cortados, um menino.

(Onde não nos vemos,
quem nos habita?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

UM HOMEM PACATO



O apartamento em pânico.
Como depois de uma batalha,
a terra pisoteada por mil cavalos,
móveis e miudezas espalhados.
Cinzas e guimbas de cigarro,
garrafas vazias aqui e ali,
os rastros de um homem,
sua história espatifada.

A janela, o vento entrando,
o vidro recém-quebrado,
o corpo amassado, lá embaixo,
gente em redor, uma viatura aproximando-se.

O porteiro, simples homem comovido,
repete a pergunta:  mas por que?!

Nos destroços deixados,
onde a senha mais certa para saber-se a dor?


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

domingo, 5 de março de 2017

UM DOMINGO CINZA


Não há muito que se ver, a mobília é enxuta.
Um vaso, flores, tudo arrumado e simples.
Uma Bíblia na cabeceira, um crucifixo na parede.
Entra-se, com calma; com calma, sai-se.
Há uma despedida em cada visita.
Cada objeto já se pronuncia ausência.

Aqui não mais jaz uma vida à espera de mais vida:
quarto de um avô, doença adentro, contagem regressiva.

Em seus últimos suspiros,
um domingo cinza.


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│

UM DISTINTO SENHOR



Um ladrilho dos anos quarenta.
Quero pisar isto, faz-me bem.
De resto, nem muito moderno,
exceto por traquitanas tecnológicas de hoje.
Uma ampla janela de vidro dá para a rua.
Fica ali, lê e escreve, não vê TV.     
No escuro, gosta de olhar pela janela.
Espera, sem força, uma surpresa.
Que nada! Nunca acontece nada demais na rua.
O bairro é bom, a vizinhança é normal.
Aqui é o terceiro andar de um prédio meio antigo.

Da janela, gosta de pensar ser Raymond Reddington,
mas falta-lhe o charme e a folha corrida.
Nem por isso é menos bandido com a vizinha,
uma advogada recém-solteira, sem filhos, bastante alegre.


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│