sexta-feira, 30 de outubro de 2020

RELÂMPAGO









Rompe-se a escuridão quando ao olhar
para uma face o mundo se ilumina
com uma claridade repentina
capaz de, só por si, fazer brilhar
.
a substância tão irregular
de tudo o que se acende na retina
e através da luz se dissemina
por entre imagens vãs, até formar
.
um fluido movimento, uma paisagem
a que estes olhos quase não reagem
salvo se nesse instante o rosto for
.
transfigurado pela fantasia.
E às vezes é só isso que anuncia
aquilo a que chamamos o amor.



│FERNANDO PINTO DO AMARAL (Relógio D'Água, 1997)
│Ilustração de © Sonja Wimmer

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

VARIA HISTÓRIA, uma revista




ex-voto, 1770/Museu Regional de São João del Rei https://www.facebook.com/variahistoria/




Como dito na abertura de seu website:

Varia Historia é uma publicação da Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, versão impressa ISSN 0104-8775, versão on line ISSN
1982-4343.

A seguir, um post de sua página (Facebook) com um link para um texto que se encontra na plataforma Scielo:

Relembre hoje o artigo “Os pretos devotos do Rosário no espaço público da paróquia, Vila Rica, nas Minas Gerais”, publicado em 2016 (vol. 32, no. 59) na Revista Varia Historia e escrito por Francisco Eduardo de Andrade, professor da Universidade Federal de Ouro Preto.

No artigo, Andrade analisa o significado do espaço público para a representação social negra a partir da “dimensão pessoal da devoção”, das “situações aflitivas do cotidiano” e da “corporação coletiva de classificação dos pretos da irmandade de Nossa Senhora do Rosário” enquanto aborda a “a espacialização das devoções negras e escravas, no enquadramento territorial das paróquias fronteiriças do termo de Vila Rica”.  Este artigo é de acesso aberto, assim como todo o conteúdo de Varia Historia, e pode ser acessado em https://bit.ly/3ivaFip

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

voto de pobreza - a mala.



Raimundo era padre, vivia em Minas.
Todos os anos vinha nos visitar.
Minha avó, sua cunhada, cozinhava doce de ameixa.
Comíamos com banana batida a garfo.
Ele me ensinou a ler e escrever cartas.
E a olhar as estrelas depois do jantar.
Era o único em que ele e o irmão, meu avô, coincidiam.
Os dois olhavam estrelas após a janta.
Todos os anos Raimundo trazia uma velha mala.
Voltava sempre com uma nova, presente familiar.
No outro ano regressava com uma mala ainda mais velha.
Raimundo morreu atropelado.
E até hoje espero religiosamente suas cartas.



│Poema de Nuno Gonçalves.
│Do blog Insensata Nau: http://insensatanau.blogspot.com/

SORTILEXIO DE TORQUES









A ti, meu amigo

que así é como te percibo.
A ti, que me pretendes
con versos bensentidos,
con rosas de namorar,
con sortilexio de torques
e viaxe de agarimo.
A ti, meu amigo,
que non me faltes, solo pido.
Que este NON que eu pronuncio
non te manque.
Que de meu lado non te afaste.
Que sexa perenne teu latido
nunca lonxe do meu camino.
A ti, benquerido,
druída,
poeta,
branco e tinto,
que apareces de improviso
e pretendes un SÍ o unísono,
cando menos eu o preciso.
Non quixera dotarte de corazón malferido.
Non quixera soterrarte no carreiro do olvido.
Minas ás, xa grandes, non precisan cautivo
se non ar libre no que voar ao meu ritmo.
Amigo, preciso.
Amante, lonxe e esquivo.
 

│PEPA ÁLVAREZ GÓMEZ , in POETAS DO REENCONTRO, Colleta de Poesía Galaico-Lusa 2019 (Punto Rojo, 2019)
│Fotografia: Looking Outside, de Kinga Cichewicz
 

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Visão Historiográfica da Etnomatemática como empreendimento humanista - Ubiratan D´Ambrosio





Do canal Matemática Humanista

ENQUANTO CHOVE



Drops of Rain (1903) - Clarence White





De onde olho a chuva,
a uma distância de quase me molhar,
escutando a natureza inteira derramar-se,
paz.

Desce, devagar, o tempo,
e eu nem o percebo,
como também não percebo
a força enorme e inteira
de cada planta crescendo.

Aí esteja, penso, a vida,
inteira vida,
sem esses remendos brutos
que fazemos.



│Autor: Webston Moura│

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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"No início o resquício" - excerto de poema de Pedro Du Bois



[...]


No início o resquício
surpreende quem se aproxima
trazido pelo imponderável.

amanhã a repetição
contempla: calores
abrasam a finitude
          até as cinzas
            se fazerem
          pedras logo
                adiante.

A possibilidade torna
indevido o esforço.

          Desacompanhados
          olhos perduram
          sobre a presa:

conheço nos hábitos
a certeza do propósito.

Com as luzes
         apagadas o predador
         sente cansaço: a presa mede
                                      distâncias
                                      com olhos
                                    diagramados.

Em cada decisão o erro
se confunde: onde os olhos
se desinteressam?

Em toda pergunta
remanesce a dúvida
pelo incomparável.

           Assim o destempero
se reapresenta em murmúrios
                            e palavras
                            e gritos
                            e atos.

[...]


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Excerto de O Homem Despegado de Olhos e Outros Poemas, Projeto Passo Fundo, 2019, de Pedro Du Bois, pags. 14, 15 e 16.


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Leia também:

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Pedro Du Bois – Poeta e contista. Passo Fundo, RS, 1947. Residente em Balneário Camboriú, SC. Vencedor do 4º Prêmio Literário Livraria Asabeça, Poesia, com o livro Os Objetos e as Coisas, editado pela Scortecci Editora, SP. Participante do Projeto Passo Fundo. Blog: http://pedrodubois.blogspot.com/.

DESCONSOLO



Senhor,
sei que bem não nos vemos,
apesar do trajeto comum,
esta rua nossa descalça de pavimento,
este nosso conviver cego, silencioso,
diria mesmo alienado
– eu do senhor e o senhor de mim
e nós, suponho a vós também, do mais
que poderíamos ser nesta vida.

A dureza nos toma, sabemos,
a sina de pagar por tudo
a outros senhores que nos querem
apenas braços, votos, disciplina
e docilidade escrava, coisas amansadas
que somos, vozes amiudadas.

Senhor,
Rogo-vos nada mais
que a escuta a este lamento!
E se tiverdes um, também o escutarei.
Quem sabe, canção se faça entre nós,
ao menos para não nos doermos sós,
tão sós, ensimesmados de medo.

Repara no cão,
abandonado bicho!
Cata aqui e ali.
Algures consegue água,
um pouco de comida
e até a atenção dalguma alma caridosa.
Aquele cão repleto de ausências,
quem é senão nós?


 │Autor: Webston Moura│

Poesia



Muitos homens

nunca lerão um poema.

São homens
que bebem café,
tomam banho de rio,
têm filhos e um cachorro.

Poucos homens
conhecerão meus versos.

E o que direi a esses homens
nos meus versos?

Que também bebo café?
Que tenho saudade de casa?
Que há noites em que fico sem dormir?

Quem sabe, em vez de poemas,
talvez melhor seja
telefonar a cada um desses homens.

Há algo na poesia
que não se pode contar?

Aguardo respostas
para ajudar a rimar.

 

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Sérgio Queiroz de Medeiros – Mossoroense-RN, 1981. Autor de “Um lugar azul” (2009), “Para ler na chuva” (2012). O poema acima faz parte do livro “Guardados”, publicado pela Sarau das Letras, em 2019. Um blog: umlugarazul.

ESPAÇOS EM BRANCO, de Tânia Du Bois


http://projetopassofundo.com.br/



Espaços em branco, de Tânia Du Bois, 2019. Livro ousado e bem cuidado, elegante, como os outros tantos trabalhos da autora. Belamente ilustrado pelo poeta e contista Pedro Du Bois.

Por ler a palavra “microcontos” na abertura, imaginei o já visto noutros autores, uma história de umas cinco, seis linhas, breve, condensada, como o “micro” sugere. Porém, Tânia radicalizou ainda mais a ideia, o que me surpreendeu. Cada conto, ainda mais micro, dá-se com um título e uma frase, cabendo ao leitor/leitora permitir-se seguir o dito, imaginar e, até se quiser, reunir tudo na cabeça, como se as sentenças fossem pássaros voejando, lá e cá, mostrando, em cada ida ou vinda, a paisagem que se abre quando olhamos e mudamos a direção, o foco, o interesse. Lembrou-me, pois, os pedaços de prosa e versos agudos que selecionamos de contos, romances e poemas, além, obviamente, de letras de música, sugestões da internet, quotes, ditados fixados em muros e outros espaços. As ilustração do Pedro Du Bois completam o trabalho.

Para um observador menos atento, o projeto, a talvez insinuar pressa, dada a brevidade de um micro tão micro (uma frase por vez), talvez soe a alguns como sendo isso mesmo, o que não condiz com a verdade, ao menos a verdade que enxergo. A frase, cada uma, nos intervala, causa-nos ainda mais silêncio (reflexão), pausa. E nós, ali, olhando aquelas paisagens, aquelas sentenças, o que pensamos? Em como nos toca, como se nos puséssemos num exercício de observar em redor do dito, além, obviamente da entranha escondida, um segredo, uma sutileza.

Três exemplos:

AMAR
De tanto amar se deixou abismar.
SORTE
Vestiu saia branca e curta; a música dizia "vesti azul".
Sua sorte não mudou.
LIVRO
 Leu os versos em dez prestações.

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SERVIÇO:
Espaços em branco: microncontos
Tânia Du Bois
Projeto Passo Fundo (2019)

Tania Du Bois – Residente em Balneário Camboriu, SC. Pedagoga, articulista e cronista. Autora de: O Exercício das Vozes"; Amantes nas entrelinhas; O eco dos objetos; Comércio de ilusões; Autópsia do invisível; Vidas desamarradas; Arte em movimento; Entrelaços; A linguagem da diferença, etc. Onde encontra-la: Recanto das Letras [tâniadubois], Letras et cetera [nanquin]; Projeto Passo Fundo [projetopassofundo]