sábado, 31 de dezembro de 2016

SAIU PARA DANÇAR

O dia último de um ciclo,
pó que se deposita,
tempo vivido,
passagem.

Amanhã é outra história,
não mais este faminto canto
de entranhas insaciáveis.

Assim,
em plena tarde de um dia comum
peguei minha bagagem e viajei!

Saiu para dançar!
─ responda a quem perguntar.



│Autor: Webston Moura│
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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Arcanos Grávidos II


Ainda que discreto,
fulgia um âmbar,
cor bonita de sonhar-se.




Sou até onde não vejo,
que a vastidão é do humano.
Meu olho, infante diante das eras,
sabe-me um pouco, não o todo.
Mas, ainda assim,
por um pulso que me toma,
lápis-lazúli incendiado,
percorrem-me visões emergentes.

Filho do Universo,
trago a semente a estalar
o sempre-querer que me habita
e que me quer crescente.

Sou o claro, o escuro,
o que a palavra não desdobra,
o sinal-sigilo na pedra,
a orla, a ilha, a água,
o rugido, o balido, a contrição,
esse mar de estrelas esperando olhares.


│Autor: Webston Moura
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sábado, 24 de dezembro de 2016

CONTRA O RELÓGIO

Vem o poeta e suas flores demoradas.
De dentro desta máquina de dias,
lembra-nos da moça sem nome.
Coloca esta moça no meio do nosso equilíbrio.
Aí, já nos nascem cais e tons de sépia,
a justeza das calçadas observadas em abril,
o reflexo na vidraça: o copo,
                                        frágil,
                                        no ar,
                                     caindo.

Vem o poeta e nos propõe irmos à praia,
ao que lhe respondemos estamos muito ocupados
com as junturas que a sobrevivência nos impõe fazer.

               É que somos o livro inutilizado pelo gosto da rotina
               e também não sabemos habitar flores demoradas.
               Nosso tempo é dado em dinheiro, que compra a vida.
               O reflexo na vidraça, o copo, frágil, no ar, caindo, não!
               E nenhuma moça nos embala nesta máquina de dias.


│Autor: Webston Moura
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ASA E VOO

Fala-se de amor.
A canção popular se gasta nisso.

A custo,
léguas depois,
oceanos de cegueiras depois,
já na clareira conseguida,
começamos a amar.

É que já abrimos a mão
e a fizemos asa.

É lá, oculto céu,
o lugar onde o amor não sabe o medo.
Por isso, asa e voo, o amor;
                             medo, não.

(É o que diz a canção)



Fiquei mudo ao lhe conhecer
O que vi foi demais, vazou
Por toda selva do meu ser
Nada ficou intacto
─ Djavan, “Boa Noite”



│Autor: Webston Moura
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SOBRE NOSSAS INABALÁVEIS CONVICÇÕES

Amanhã, bem amanhã,
ainda estando aqui,
perguntaremos sobre hoje.

Nossos olhos,
que o tempo terá temperado,
o que nos dirão senão de um profundo arrefecimento?

O presente,
por doer-nos tão enorme,
parece inacabável e sólido,
                          quando não:
     matéria perecível que é,
é-nos fruto derretendo-se ao calor da fome.
          Mas que seja fome para uma refeição,
                                        não para um engano.

Não carecemos do amanhã já pronto,
para sabermos, em olhos claros, o dia que se opera agora.



│Autor: Webston Moura
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domingo, 18 de dezembro de 2016

Rua do Entardecer

Se não bastasse
chamar-se o bairro O Mucuripe
─ nome de peixe? Nome de vento?,
nome bonito

tem lá um beco
que não tem nome,
tem apelido
que está no título...

Ruas assim
não é para ter ordem
nenhuma placa,
não ter nem CEP,

só uns velhinhos
umas moças sonsas
e alguns moleques.




│Autor: Carlos Nóbrega
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Poema constante de “Canto Aceso” (Lua Azul Edições, 2016)

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DIANTE DA CLARIDADE

O mais assustador é a luz, não o escuro.
Como uma flor, a luz nasce; o olhar, não.




Carrego a velha pessoa que sou,
lembrança e peso, passado.
Tal à maioria, creio, carrego
ossos imprestáveis, óbices
cultivados (por hábito e inércia).

O tempo me cobra oxigênio
ao corpo, nova respiração,
uma fagulha que se possa acender
num instante e em todos.
O tempo me cobra ver, querer ver,
                         sem delongas, agora.
O tempo me quer à mão uma candeia
diligente, um gesto de abrir janela e porta,
                                           mas não para trás.

Carrego os olhos de imagens
já mastigadas, maceradas
e recuperadas em outros fantasmas.
Não as quero!

Carrego a consciência disso:
a violência do revés sempre revisitado.

Sou um homem, a carga de saber e ignorância
ajustada ao gatilho de arrepender-se ou continuar.

Sou um personagem:
o poeta, parteira e parturiente
esforçando-se para fazer a criança chorar
─ à luz do sol mais incandescente.


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

PARA UM CORAÇÃO DE OLHOS ABERTOS

Diz-se que o homem,
mesmo em multidão,                    
é criatura só e de destino trágico.
Pela Terra, vagando, ilusões o acompanham
desde os remotos aos atuais dias.     
E ele sofre, danado em sua cabeça,
enlouquecido em seu corpo.

Chegaram então os dias de hoje
com essas máquinas de juntar olhares,
para que pudessem sofrer juntos,
                         sem solução a vista.

Chegou o tempo do desespero ampliado.

E vieram igrejinhas e capitalizações,
nova ordem, venenos antigos repaginados,
entretenimentos, miragens
e a fera (sempre) refeita em cada um,
para que se operasse o milagre da autodestruição
                                                                      coletiva.

Não seria o caso, ainda que com pouca ênfase,
de se dar uma chance de estarmos errados
quanto aos vaticínios de  fim de mundo?
Não seria o caso de vermos nosso olho mesmo
como a máquina modeladora do que, em nós, sangra,                                                                                           dói-se e agoniza?

Por um instante, só por um instante,
se luminoso for tal instante,
abrindo o horizonte,
pode o indivíduo não salvar a embarcação,
mas, com efeito, aumentar a luz aos olhos
                             dos que ainda querem ver
                                                              e seguir.

Causa e consequência,
o coração é a terra a ser domada,
                                             sempre.




O Eu é o Senhor do eu;
poderia haver um senhor mais elevado?
Quando o homem domina bem o seu eu,
ele encontra um Senhor que é muito difícil de encontrar.
─ O Dhammapada


│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

POEMAS DE PEDRO DU BOIS

1 O exemplo determinado
ao fato ─ inaudito ─ repele
a mão do feitor. A liberdade
temporária na indefensável
manobra de arrependimento: não
se pertence. Obreiro determinado
              no que não lhe ocorre
escorre pelo corpo o suor.


2 Desde criança
sabe do atrevimento no abordar
o motorista e o carro. Estender
                             a mão e entregar
                             ao pai à mãe
                             ao padrastro
                             ao irmão
                             ao chefe
                             o saber acumulado
                             em pouco dinheiro.

A dor não repartida em fome
de noites mal dormidas
na subserviência e medo.


3 Brinca inocências. Joga ao alto
a bola ultrapassada.
Dribla e arremessa.
Rebate e bate.

Apanha na luta
durante o recreio. Chora
                                    mesmices.

O objetivo da revanche
no primeiro estágio da revolta.

                       Trabalho
                       recém-começado.


│Autor: Pedro Du Bois
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Acima os três poemas iniciais do tomo “Iniciação ao Trabalho” do livro “Poemas” (Projeto Passo Fundo, 2016). Sobre o autor, visite seu blog: http://pedrodubois.blogspot.com.br/.

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UM POEMA DE LÍLIA TAVARES

Que fazer do álamo do teu sorriso
Se perdi a voz das
Folhas do teu rosto?

Que ouvir do eco da tua voz
Se o portão pesado da
Memória nos devolve
Apenas os ramos nus
Das tardes sem sentido?

Quem vou beijar quando a pele
Do meu desejo
Frágil e líquida se evapora entre os dedos?



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Poema que abre o tomo “Desaguar do Desejo” do livro “Evocação das Águas" (Seda Publicações, 2015). O livro, em capa dura, tem ainda ilustrações de Carmo Pólvora e apresentação de Carlos Eduardo Leal.

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# LEIA TAMBÉM:


# Contatos com autora podem ser feitos através de seu perfil no Facebook [https://www.facebook.com/lilia.tavares.3] ou na página Quem Lê Sophia de Mello Breyner Andresen [https://www.facebook.com/QLSMBA]

# Lília Tavares consta da segunda edição de Kaya [revista de atitudes literárias]:
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É UM POETA ANDANDO DE BICICLETA

Tudo é política!
─ brada o apaixonado.

E o que é todo esse espaço
adensado de sem-nome?

É um poeta andando de bicicleta!
─ responde a moça ruiva da janela azul.


│Autor: Webston Moura
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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

FILME DE AÇÃO

Depois de muitas explosões,
carros e prédios incendiados,    
tiros com todo tipo de arma,
a cidade não está salva,
mas destruída.

Nossos heróis não mais existem.
Restaram essas sobras de hospício
que têm pesadelos e gostam de esfolar.

Amor, justiça e generosidade
são coisas do passado.
Importa o impacto,
a linguagem de videoclipe
e muitos corpos espalhados.

Parece até a vida real.

E aquele cavaleiro,
taciturno e correto,
capaz de amar a uma donzela,
já não caminha mais contra o por de sol
(cena derradeira, quando o letreiro subia).
O que dele se sabe é que ama a uma lâmina
                                                    e não tem mãe.

Parece até a vida real.



│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

AS MÃOS

Olhar as mãos: sabê-las; cuidá-las.
Destinos são. As duas, poder imenso.




Herdamos os que nossas mãos seguram:
o abraço; a dor; a vontade ressuscitada, sempre.

O homem é frágil, o homem é forte.
O homem é a escolha, diariamente.

O que cabe num coração?
De melhor, o que cabe?

Aqueles dias são hoje,
vidas como águas que se misturam
no tempo. E o tempo é aquático.

Aqueles dias são para as horas esticadas,
as horas em que pudermos apenas estar.
E tudo isso é uma onda infinita de eternos.

Herdamos o que nos damos.
Sejam, pois, navegações.


│Autor: Webston Moura
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SOB A LUZ

Vi um lírio martagão na encosta do monte.
Novamente fui menino e pude sonhar.





Aqui deponho as rosas ásperas
com que os homens se ferem.
É a curva necessária, antes de partir.
Há os que ficam; seus trabalhos tardam.
Há os que comigo partem, silentes.    
Nosso destino é incerto, mas necessário.
Abre-se o mundo, devagar, para o dia
da nova palavra e do novo gesto.

Aqui deponho o que me dás,
as mesmas rosas, por anos a fio
(o cálcio a prender o sempre-mesmo
de ossos mortos, vida repetida
que não mais me cabe).

Olho a estrela-guia no céu tranquilo,
bússola dos sonhadores de todos os tempos.
Ergo velas, preparo suprimentos, e me vou.

Desejo a humana, humaníssima terra,
larga, funda e próspera, promessa que me faço.
Nela, os deuses anelados ao meu coração.

(E um raio de luz ilumina um lírio,
um filho extremo de uma família eterna)



│Autor: Webston Moura
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