quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

CÁ ENTRE NÓS



Somos vaidades sofridas,
sob o olhar de Deus;
fundura de sonhos
que os dias permitem
                    (ou negam).

Insistimos contra a fumaça,
o embotamento, os insultos,
a incompreensão.

Uns, extrovertidos;
outros, caramujos.

E nunca diga conhecer alguém.
O outro é sempre um desafio
livre-perdido do eu que,
de fora, o vê e se abisma.


│Autor: Webston Moura


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O HOMEM CALADO DA RUA DISCRETA



Sob a luz da TV, letargia.
A casa, ainda mais escassa,
recendia a incômodos acumulados.
Lá fora, o mundo se multiplicava
                                   em entropias.

Desde ontem, o gato não voltou.
Seu canto, vazio; sua comida, intacta.

Calado, o homem fritava ovos
enquanto continuava a receber
estranhos sinais de Honshu.
Por ainda mais estranho,
sonhava, noite a noite,
com o um bosque perto de Oele.

Da sala, soava:
Si arrastré por este mundo
La verguenza de haber sido
El dolor de ya no ser
Bajo el ala del sombrero.
Cuántas veces, embozada,
Una lágrima asomada yo no pude contener*.

São 17h.
E há uma brisa suave.


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NOTA: * Trecho de "Cuesta abajo", mais rconhecida na voz de Carlos Gardel, mas aqui cantada por Pasión Vega: https://youtu.be/



│Autor: Webston Moura


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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MENSAGEM



Por minha mão,
o movimento:
friccionar o fósforo.
E ver sua breve explosão,
um átimo de vida,
o qual fisgo e,
em seguida,
perco.

Resta-me o resíduo.

E do mais que a vida oferece
─ nascer, forçar, fender,
abrir-se à luz, amar e execrar,
descobrir e cegar ─,
o que assim não é senão
fósforo estalado contra o ar,
prodígio e trivial juntos?

Vão-se os dias e os calendários:
o espelho, áspera delicadeza, informa.

Com as mãos, seguro a areia,
que foge; com os olhos, a luz,
que me entontece; com os objetos,
todos os passados, que ninguém lembrará.
E os significados de uma vida assim se bastam.

(Numa foto, um pé de zimbro
e um lugar onde nunca estive).


|Autor: Webston Moura|


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

IDÍLIO

No jardim
─ ar níveo, aquoso e leve ─,
depois do alpendre de madeira,
onde floresciam lembranças,
amabilidades tranquilas,
vergéis cor de lua,
havia-se consigo e só
(seu olhar e seu pulso)
no sentir dos enquantos:
amava o próprio amor,
os olhos de Annie Lennox.

Relia a carta escrita à tarde;
ressentia, suave, o papel,
sua cor e textura,
a mágica que lhe definia
para aquela função:
palavras que eram todas adição.

(Fecha os olhos:
nuances te pronunciam
─ raridade íntegra ─,
como o que vês
assim no doce escuro
que se adensa por teu corpo)

Sabia-se consigo e só
(seu cheiro por si percebido)
e toda a sua pessoa era idílio.

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Poema escrito sob inspiração de, entre outras, "Why", música de Annie Lenox, a qual você escuta aqui: https://youtu.be/.


│Autor: Webston Moura

EU QUERIA FUGIR PARA ANTJE TRAUE



É fim de ano: o zodíaco
          aponta o indistinto,
  a caminhada à margem,
      oscilações nos mapas,
       malmequeres bravos.

Fechar-se-á um ciclo
e os dias serão tão inéditos
                           quanto não:
amanhã, como sói,
estaremos cansados
e sumários
em nossas rotinas,
depois de tudo.

Ainda assim, que nos custa
reabrir os cadernos e dar sinal
a Pegasus e a Cygnus?

Sim, sou otimista,
mas estou cansado:
é muita fala no meio da rua.
Eu queria fugir para Antje Traue.


│Autor: Webston Moura

domingo, 27 de dezembro de 2015

ISABELLE

Num talvez de um instante,
um peixe sobre um incerto,
calhaus na margem de um rio,
ocres em grãos de quartzo,
ariscos apriscos brumosos,
outonos engenhados.

Giro do tempo,
teus olhos,
brisa,
borboleta,
mãos que,
movendo o ar,
orvalham-se.

Cabelos,
ondas,
doiros,
lábios que,
movendo-se,
permitem-se
desenhar
flautas
(seus sons).

Foto.

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│Autor: Webston Moura
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sábado, 19 de dezembro de 2015

UM HOMEM NO ESCURO

Plano aberto:
pontos de luz pela cidade.
Um beco.
Um homem caminha só.

Não se sabe seu nome
ou se desposou uma Evelyn
numa quarta-feira de verão.
Sabe-se que ele segue,
passos apressados,
sumindo-se com seu corpo
e seus sonhos,
se ainda os tem,
se é que algum dia os teve.

Solidão.

Uma folha de jornal,
presa à ferragem de uma usina,
estampa o que já é ontem.

E é natal.


│Autor: Webston Moura

ALDEBARÃ VISTA PELA PRIMEIRA VEZ


Sabem-me pássaros
no trânsito desta varanda.
Sei-lhes a travessia que,
mesmo em seu todo secreta,
está-me paraíso de signos.
E o denso é a emoção que sinto:
rio suave ante um tanger de cabras
nalgum entardecer de uma aldeia
cujo nome supõe raras gemas
e ócios de um tempo sem relógios.

Pronunciam-me âmbar de entalhe feminino,
tal ao que (voz a mais acima) diria afável:
Paco de Lucía em todo frescor.

Não quero o mundo, este do perde-ganha.
Quero o trigo no estalo mais certo sob o sol.

E direi vezes tantas meus olhos fechados,
que minha boca, um sim a pico, agora sorri.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015



Havia sempre o velho,
a partir das cinco da tarde,
à calçada, cadeira posta,
cabelos encanecidos,
olhar de sem-espanto,
como a contar apenas
a passagem daquela hora
em que seu pouco de senhorio
se assenhorava de apenas estar.

Até o dia de nunca mais,
onde se passou a contar
o tempo provido somente
do cachorro que antes havia
em redor do velho,
silente bicho de olhos
agora ainda mais aguados
(ou seriam secos?)

Na pequena sala,
a imagem do Sagrado Coração de Jesus
e um encontro de pequenos sons
vindos de onde não mais havia um velho,
mas só seu nome
(que era mínimo como a vila
que ajudara a construir): Zé.

│Autor: Webston Moura

MAIS ALÉM DO ALTAR DOS CORDEIROS



Não nascemos para o massacre.

Não é aí que reside a centelha forte.
O livro dos livros
destes senhores que erguem estas torres
                                (pedra imensa alteada)
não pode ser lido sob esse (signo) deserto.
O chão antigo dos dias sob o sol,
mais além do altar dos cordeiros
e dos primogênitos
é habitação das heras e dos sândalos,
do trigo e da erva-sem-nome ─
essa a que o homem dará cultivo:
com elas ervará os ares
odorados do sangue incendiado
que sobe ao deus
                       (decrépito signo deserto)
dos senhores que erguem torres
contra os céus das manhãs.


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# Poema constante de "Aridez lavrada pela carne disto" (Confraria do Vento, 2015)

│Autor: Dércio Braúna

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

NAU, SINAL E CHIAROSCURO



Percorro os escuros da língua
em que me falo, articulações
que consigo, embora fugidias
                                   me sejam:
pérolas de ar.

Escondo-me da língua solta,
                 mundo-sem-devir,
                soslaio indesejado,
queda.

Percorro o corpo da mulher
que há de sempre,
e bemvindamente,
apagar-me
dentro da sua
gravidade.

(De olhos fechados, pronuncie delícia!)

Palavra: aparecer-desaparecer;
o pé descrevendo um arco na areia;
risco rente a hermoso, com
I do not know por sempre.


│Autor: Webston Moura

A ILHA



A ilha oportuniza
águas. A força vulcaniza
e destroça terras abaladas.

   No recomeço de pássaros
   e parasitas. Depósito de ventos.

        A doença trazida em barcos
       no surdo rumor de motores
       desligados. Floresce a ilha
       em terras cobiçadas:

          homens peixes insetos
          pássaros disputam convivências.

Toda ilha comporta ninhos entrelaçados.



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# Poema constante de "O livro infindável e outros poemas" (Sarau das Letras, 2015)

# Pedro Du Bois consta de outros posts deste blog (vide arquivo na barra lateral) e mantém um blog próprio [http://pedrodubois.blogspot.com.br/].

LIRIAI O CAMPO DOS OLHOS


Que você falte às aulas e eu me falte
por não tê-la na fila ao lado e a sala
se transforme num oco ou numa vala
e o profe num coveiro ─ que me salte
corpo afora a alma e o corpo idem se exalte
e trate de voar ligeiro-bala
por sabê-la febril e ao visitá-la
ache-a mais linda sem pintura esmalte ─
que eu me enraíze à beira do colchão
em que a vejo acordar maravilhado ─
que me engasgue e não posa dizer quão
quão “quão doente você tem estado?”

─ tais atropelos não serão senão
          Declarações de Amor-Não-Declarado


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# Poema constante de "Miravilha - Liriai o campo dos olhos" (Confraria do Vento, 2015), de Alves de Aquino.

# Alves de Aquino (O Poeta de Meia-Tigela) mantém um blog [http://opoetademeiatigela.blogspot.com.br/] e consta da segunda edição de Kaya [revista de atitudes literárias].

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

LÍLIA TAVARES, in "EVOCAÇÃO DAS ÁGUAS"



Num sopro,
num esquecimento,
numa lágrima,
na incompletude...
desejava que o inverno trouxesse
a primavera aos meus dias.
Uma tarde trouxe maio no seu seio
e a promessa de entardeceres
inquietamente tranquilos.
O olhar tornou-se líquido
desembaciou a vidraça empoeirada
das manhãs.
Ainda que me faltem glicínias em agosto,
uma onda no limiar da praia,
um remo no meu barco,
uma vela no meu moinho,
uma fonte de cristal quando estou sedenta,
um metro no meu caminho,
os dedos das minhas mãos,
um corpo nu numa noite em que ardo,
agasalho quente no meu ninho,
uma palavra para findar o meu poema,
uma canção para embalar a saudade,
um traço no teu retrato a carvão.
Ainda assim,
mesmo no quarto vazio da solidão,
embrulhada no colo da tua memória presente,
contigo, meu amor, nada me falta...


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# Poema constante de "EVOCAÇÃO DAS ÁGUAS" (Seda Publ., 2015)
# Contatos com autora podem ser feitos através de seu perfil no Facebook [https://www.facebook.com/lilia.tavares.3] ou na página Quem Lê Sophia de Mello Breyner Andresen [https://www.facebook.com/QLSMBA]
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