segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

DOIS POEMAS DE NATÉRCIA ROCHA

raízes

Dispenso palavras escritas
Enquanto dissipo verbos entorpecidos.
Vejo cabelos negros, longos, lisos
E, no céu, uma gaivota livre voa ao longe.
Machucada alma, rarefeito corpo
Bebo mais um copo.
Raro é o efeito do silêncio.


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ave

Sinto no amanhecer
O cheiro da chuva
E ainda escuro, ao teu lado,
Escuto triste a partilha do medo.
Saúdo, serena, o transporte do Tempo
Libertando palavras relevadas no sonho.
Reveladas.
Graves lembranças de suspiros agudos
Na ausente superfície da alma insana.







Natércia Rocha nasceu em 1971, em Fortaleza, foi criada em Juazeiro do Norte, mas suas raízes estão na região Norte do Ceará. Fez parte da segunda turma da Escola de Dramaturgia do Museu da Imagem e do Som (MIS), na década de 90, sob direção do cineasta Orlando Senna, e é formada em jornalismo pela Universidade de Taubaté, Vale do Paraíba, em São Paulo. É autora de Contos de ir embora (Edições Demócrito Rocha). Os poemas acima fazem parte de Rumo Norte, um belíssimo livro em que poemas e fotografias se abraçam.

OBSERVAÇÃO ACERCA DA PESCA

Minha tristeza é das ramas
Que despencam ao chão
Mesmo que pouco espancadas
Pelo tempo

Meu silêncio é do canto marítimo.
Do movimento do pescador
Que reproduz a velha cena:
Atirar as redes para buscar
Quem sabe a vida.

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│Autor: Leonam Cunha
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Leonam Cunha nasceu em Areia Branca/RN e, atualmente, reside em Natal/RN. É graduado em Direito pela UFRN e publicou, em 2012, pela Sarau das Letras, seu primeiro livro de poesias, Gênese. O presente poema consta de Dissonante (Sarau das Letras, 2014)

sábado, 16 de janeiro de 2016

VOCÊ NEM ME CONHECE [Webston Moura]



A ilha é uma forma de cúpula, uma língua cujo sabor se oculta. É um mar donde só mar se vê. E seu caminho é circular, um sempre. Meu quarto, silêncio infindo: a mobília de cor aborrecida; o espelho, meu rosto, os anos. Atrás de mim, réstias, a luz que, irregular, me chega. São 8h. Talvez, quem sabe, um pouco mais. Detalhes. E espero o tiro de partida, uma mão, recomeços. Nada. Agora, o nada será lei, eu sei. Santa Luzia, pequena estátua colocada à altura de meus olhos, percebe-me. Com o tempo, foi que me dei a pensar que só essas coisas é que me percebiam. O tempo é assim mesmo. O tempo nos amortece aos olhos alheios. Os outros se acostumam à nossa desaparição. Até se diz que isso é normal, que nosso nome vai sendo demolido em hábito dentro da boca dos outros e que, quando nos olham nos olhos, isso não tem mais nada de domingo, nem de estalo.

Pode me chamar pelo segundo nome, Teresa. É assim que me chamam. Mesmo que o incômodo deste momento pese, não se deixe abater. Caso queira, o banheiro fica à esquerda, no corredor. E há café fresco, espero. Vá à cozinha. E, também, caso possa, leve aquele pássaro. Está na área de serviço. É uma burguesa e não é de cantar, sisuda que só. Mas é amiga. Espero que sejam amigos.

Ah, sim! Haveria um bilhete e até coisas desarrumadas, fotos espalhadas, um segredo agora revelado. Mas é que sempre fui tanto organizada quando discreta. Sim, também sou tímida. Por isso, nada de palavra aí nesta outra gaveta. Nem nesta cômoda. Não precisa olhar. E evite abrir a janela, por favor! Não quero espetáculo. Apenas me pegue e me entregue a um lugar mais cômodo. Pode ser esta cama, é minha. Quanto a esta marca no pescoço, isso é o de menos. Por marcas bem piores, é que meus olhos de pedra agora sugam os teus de espanto. E não chore. A vida é assim mesmo. Você nem me conhece.

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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

MÃE, MULHER, TEMPO



Meu nome, esquece-o,
que já é tarde debaixo de meu xale!
E eu, de silêncio e discrição,
descreio de teu amor, piedade que é.
Sou doutro tempo e não deste,
expulsa que o sou, a cada dia,
pela pressa alheia e alheada.
Fossilizam-me numa palavra: velha.
Todavia, se posso, digo:
com sorte, estes que vicejam
hão de achegar-se até as artrites.
Aí, talvez, saberão que ainda há estrelas
que se pousam, aladas e viscerais,
nos corações de todas as idades,
o que inclui as minhas.

Autor: Webston Moura


SEUS CABELOS BRANCOS, SUA FALA - É invisível sua presença. Alongada em tempo, ainda assim o é. Esposa, mãe, avó, dona de casa, ordem numérica no pegue-e-pague das feiras e mercados, carrega seu currículo de funções e trabalhos. E não sonha desde remotos tempos. Agora, cabelos brancos, aguando plantas fincadas em vasos de barro e latas reaproveitadas, é invisível. Pelos olhos-não do mundo passa sua figura. De si, sabe de seu pouco tempo e de que a vida, zás-trás, pode, agora, ser ainda menos. Mas já se acalmou com isso. Espera sem esperar. Estende o tempo de modo simples: esquece-o, absorvida que se deixa em orações e preces, enquanto domestica o já imensamente domesticado, a rotina de afazeres de sua casa caiada em luz e memória. Os filhos, na cidade grande ou em não-sei-ondes de um país medonho. Os amigos, lembranças aos idos, distâncias aos ficados. E lhe sorriem esmolas traduzidas em sentimentos de impotência e desconhecimento, como se lhe dessem água, se sede fosse a sua necessidade. E lhe sorriem cordiais formalidades que educadamente se dão ao trabalho para com os velhos. E lhe sorriem com adeuses, que toda delicadeza lhe prestada já não lhe vê vigor, mas, em noir, um rosto indiviso na fumaça de uma estação de trens de um país fictício, o seu, mundo perdido em outroraS e calendários amarelecidos.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Ruminar

O alimento é pretexto
para triturarmos aflições
maturarmos pensamentos
mastigarmos ilusões.

A digestão é escusa
para remoermos
atávicas lembranças
em longa maceração
cujo ritual
impregna de jejuns
outros desejos.


│Autor: David de Medeiros Leite



David de Medeiros Leite (Mossoró-RN, 1966) é professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Doutor pela Universidade de Salamanca – USAL – Espanha. Sócio efetivo do Instituo Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHG-RN)  e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP); sócio-correspondente da Academia Apodiense de Letras (AAPOL), além de pertencer à Academia Mossoroense de Letras (AMOL). Publicou os seguintes livros: Companheiro Góis – Dez Anos de Saudades (Coleção Mossoroense, 2001); Os Carmelitas em Mossoró (em coautoria com Gildson Souza Bezerra e José Lima Dias Júnior) [Coleção Mossoroense, 2002]; Ombudsman Mossoroense (Sebo Vermelho, 2003); Duarte Filho: Exemplo de Dignidade na Vida e na Política (em coautoria co Lupércio Luiz de Azevedo) [Sarau das Letras, 2005]; Incerto Caminhar (Premiado no II Concurso de Poesia em Língua Portuguesa, promovido pela Universidade de Salamanca – USAL e pela Escola Oficial de Idiomas de Salamanca – Espanha) [Sarau das Letras, 2009]; Cartas de Salamanca [Sarau das Letras, 2011]; Presupuesto participativo em municípios brasileños: aspectos jurídicos y administrativos [Editorial Académico Española, 2012]; Casa das Lâmpadas [Sarau das Letras, 2013]; Mossoró e Tibau em Versos (em coautoria com Edilson Segundo) [Sarau das Letras, 2014]. O presente poema consta de Ruminar [Sarau das Letras & Salamanca: Trilce Edições, 2015].

SOBRE UVAS

Esbagaço a uva
      esmago o grão
      devolvo a casca ao solo.

            Agradeço o sumo
            e me despeço
            em cálices de adivinhações.

Deixo amadurecer o grão
fermentado. Ensolarado
adocica o sentido
contraditório da urgência.

       Esbagaço o corpo e dedico
       o tempo a retirar
       o espaço entre os grãos.


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│Autor: Pedro Du Bois
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Pedro Du Bois, poeta e contista. Passo Fundo, RS, 1947. Residente em Balneário Camboriú, SC. Vencedor do 4º Prêmio Literário Livraria Asabeça, Poesia, com o livro Os Objetos e as Coisas, editado pela Scortecci Editora, SP. Tem publicado pela Corpos Editora, Portugal, A Criação Estética; Pela Sarau das Letras, Mossoró, RN, Seres; Pelo Projeto Passo Fundo, Brevidades, Via Rápida, Iguais e Em Contos; Pela Editora Penalux, O Senhor das Estátuas. Blog [http://pedrodubois.blogspot.com.br/]. O presente poema consta de O Livro Infindável (Sarau das Letras, 2015).
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Árido

O meu verso ─ pouquíssimo importa,
A vida sim importa.
As carnaubeiras dão asteriscos verdes
           ao ar ido,
sem nunca me terem lido.
Árido não será isto:
           a solidão de uma planta
numa paisagem rude.
Áridos serão meus versos
             que nunca produzem palmas.
Todos vivem.
Poetas resumem
E é só isso o que eles fazem.



│Autor: Carlos Nóbrega


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Carlos Nóbrega é natural de Fortaleza-CE. Poeta dotado de imensa sensibilidade e bom humor, além de muita sutileza, é autor de: A Sono Solto; Outros Poemas (I Prêmio Osmundo Pontes/Academia Cearense de Letras); Breviário (Prêmio Estado de Minas de Cultura); Árvore de Manivelas; A grande peleja eletrônica (com Orlando Queiroz); O quanto sou; 8Verbetes (I Prêmio Nacional Gerardo de Melo Mourão/Ideal Clube – Menção Honrosa); Lápis Branco. O presente poema consta de Canto Aceso. Nóbrega faz d’Os Poetas de Quinta [http://poetasdequinta.blogspot.com.br/].
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O QUE SEI DE COR

Sou do sertão, mas cresci na cidade.
Fui me sabendo por carnaúbas,
mas também por Olho Vivo e Faro Fino.
Sou a fronteira que atravessou os rios do tempo
e que, depois de todos os reveses,
deseja apenas paz.
E sei que paz não é um apenas.

Não tenho vergonha de ser nostálgico.
Não me incomodam os “críticos”
(Vestidos de latim ou de molotov,
não sabem sentir à altura de nenhuma alma).

Sou do sertão, mas cresci na cidade
(Cidade do interior).
Lembro-me dos parques de diversão.
Nas radiadoras, ouvia-se:
“Esta é a última canção que eu faço pra você”.
E as mocinhas paqueravam, leves e risonhas.
E os rapazes, igualmente vestidos de simplicidade
                                                                      e inocência.

(Eu era feliz e não sabia)

Sou de um mundo que morreu,
quer dizer, minha alma mais criança
o sabe, o sente e o vive, só ela.

E, se tudo for ilusão,
quero as mais bonitas, sempre!

Ao meu redor, dizem que progredimos.
Mas desconfio da propaganda.
Aprendi isso com Olho Vivo e Faro Fino.

O que melhor sei, sei de cor,
ou seja, de coração.

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│Autor: Webston Moura│
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A MOÇA DE MANNHEIM

Tarde.
Acácias pra lá e pra cá.
No terreno ao lado
patos e galinhas.

O carteiro, de repente,
um pequeno envelope.
Dentro, um cartão
(um recorte urbano,
uma moça e seu sorriso).
E a mensagem dizia:
Não moro no Rio,
sou viajante do mundo.
Felicidades!

Acostumado a cheirar papéis,
tomei o envelope mais o cartão
e os cheirei.

Assim, procuramos pelas pessoas,
pelas suas trilhas.
Ainda animais, embora enternecidos,
farejamos.

E ninguém reduza o cheiro dos papéis
a alguma coisa numa cadeia de carbono.
A moça de Mannheim não merece esse tratamento.



OUTROSSIM - Ao longo do tempo e o que as cervejas empossam. As travessias feitas e outras por chegar. O dia que está nascendo na cidade talvez. As palavras que nunca mais gostaria de ver nos sentidos viciados em que estão empregadas pelos gentios ─ esquecê-las. E, quem sabe, mais tarde há de chover. Olhos fechados, um cais com uma moça de branco acenando um lenço, onde se lê o tempo é uma oferta sem devolução. Elishebha, sua raiz. Beija-me, agora!


│Autor: Webston Moura
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