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segunda-feira, 9 de novembro de 2020

"Pai contra mãe e outros contos", de Machado de Assis







"A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. (...) Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras."


"Pai contra mãe e outros contos" é uma compilação de 33 narrativas breves de Machado de Assis. A história que intitula o volume fala das fissuras históricas da modernização tropical — as contradições de um Brasil que tenta se modernizar, mas carrega seus arcaísmos herdados da colonização, como a escravidão e a política elitizada. Com prosa brilhante e ironia fina, Machado expõe as relações sociais da sociedade brasileira de seu tempo, da qual ainda carregamos hoje muitas heranças.

Sua reedição combina contos clássicos como "A cartomante", "A causa secreta", "Adão e Eva" e "Missa do galo" com escolhas menos comuns e nem por isso menos brilhantes, como "Conto de escol"a e "Anedota do cabriolet": uma leitura deliciosa e testamento ao gênio de Machado de Assis.

Projeto Machado de Assis Real.


│Fonte: fanpage da Editora Hedra

terça-feira, 3 de novembro de 2020

O FANTASMA DE LICÂNIA (PARTE XXV)



 Clauder Arcanjo


             
            — Você não devia ter largado tudo. Tal busca, como qualquer busca humana, era aquilo que o mantinha vivo, útil. Sem ela, você ficará no vazio, ou, no máximo, no húmus do nada. Nada este, acredite, colhido na cova da terra dura, numa noite fria e longa. Onde o medo e a dor serão eles os únicos, e desleais, companheiros. Repare agora na sofreguidão dos seus passos, na tibieza de sua voz, nessa face lívida e carregada de dobras de receios. Não, não conseguirá subir ao cume de...
            — Eu nunca quis, nem quero, chegar ao topo! A planície sempre me bastou. Nela, o que há de concreto e permanente me basta; bem como o seu cabedal de dúvidas é o bastante para pesar-me nas costas. Somos humanos, e a junção desses dois bocados não pode transbordar do pote da nossa carne, há um limite no volume do espírito que os contém e retém...
            — Você, Acácio, vai acabar afundado no pântano das filosofices que você mesmo fustiga! Há fantasmas demais no real, para ainda espicaçarmos o desconhecido, o ininteligível. Munido com suas teorias racionais, como se essas bastassem para abrir e entender o que jaz em esfera outra; você, feito um louco, claudica e se espanta, sem compreender, sem decifrar. E, desta forma, o horror ainda mais o entontece e, vira e volta, o faz cair, sedento e faminto, na terra oca das ilações, das suposições. Suposições que, ao tentar parti-las em pedaços menores, a fim de estudá-las, elas se reproduzem infindamente, sem mencionar que se travestem de outras formas, como se paridas por outros tipos.
          — E o que nós somos, se não um investigador do indecifrável, do inenarrável?... As palavras são a semente do inaudito, e o inaudito provoca o verbo jamais dito. Como se decifrar e traduzir fossem o moto contínuo de viver.
          — Pare e se volte para o sol. O dia nasce, apesar de seu desespero, Acácio. Os pássaros louvam o dia, enquanto você o recebe no altar das suas aflições...


segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

BRINCAR COM ARMAS



http://www.topbooks.com.br/



Este livro de contos do escritor cearense Pedro Salgueiro, apresentado pela acadêmica Rachel de Queiroz e e pelo jornalista e escritor José Louzeiro, ganhou vários prêmios nacionais e internacionais. Louzeiro elogia a novidade temática e a construção formal dos contos do autor. E a respeitadíssima Rachel afirma que sua expressão lingüística é original e inteligente. [Editora Topbooks: http://www.topbooks.com.br/sinopses1.asp?chave=16&topico=Brincar+com+armas]


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Acesse:

DOS VALORES DO INIMIGO

http://editora.ufc.br/




O conto tem suas peculiaridades. Nem todo escritor consegue a concisão necessária e o mistério indispensável capaz de levar o leitor do primeiro ao último parágrafo. Pedro Salgueiro consegue.

Começando seus contos sem deixar margem ao leitor de saber como será o final, o autor de O peso do morto, 1995, e O espantalho, 1996, é um contista genial. Basta abrir este livro, Dos valores do inimigo, para comprovar o que está sendo dito sobre ele. E ainda é pouco.

Dados do Livro

AUTOR: Pedro Salgueiro
COLEÇÃO LITERATURA NO VESTIBULAR - Nº 5
PÁGINAS: 114
ISBN: 85-7282-169-4
ANO: 2005


Também acessível na Estante Virtual:

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sábado, 16 de janeiro de 2016

VOCÊ NEM ME CONHECE [Webston Moura]



A ilha é uma forma de cúpula, uma língua cujo sabor se oculta. É um mar donde só mar se vê. E seu caminho é circular, um sempre. Meu quarto, silêncio infindo: a mobília de cor aborrecida; o espelho, meu rosto, os anos. Atrás de mim, réstias, a luz que, irregular, me chega. São 8h. Talvez, quem sabe, um pouco mais. Detalhes. E espero o tiro de partida, uma mão, recomeços. Nada. Agora, o nada será lei, eu sei. Santa Luzia, pequena estátua colocada à altura de meus olhos, percebe-me. Com o tempo, foi que me dei a pensar que só essas coisas é que me percebiam. O tempo é assim mesmo. O tempo nos amortece aos olhos alheios. Os outros se acostumam à nossa desaparição. Até se diz que isso é normal, que nosso nome vai sendo demolido em hábito dentro da boca dos outros e que, quando nos olham nos olhos, isso não tem mais nada de domingo, nem de estalo.

Pode me chamar pelo segundo nome, Teresa. É assim que me chamam. Mesmo que o incômodo deste momento pese, não se deixe abater. Caso queira, o banheiro fica à esquerda, no corredor. E há café fresco, espero. Vá à cozinha. E, também, caso possa, leve aquele pássaro. Está na área de serviço. É uma burguesa e não é de cantar, sisuda que só. Mas é amiga. Espero que sejam amigos.

Ah, sim! Haveria um bilhete e até coisas desarrumadas, fotos espalhadas, um segredo agora revelado. Mas é que sempre fui tanto organizada quando discreta. Sim, também sou tímida. Por isso, nada de palavra aí nesta outra gaveta. Nem nesta cômoda. Não precisa olhar. E evite abrir a janela, por favor! Não quero espetáculo. Apenas me pegue e me entregue a um lugar mais cômodo. Pode ser esta cama, é minha. Quanto a esta marca no pescoço, isso é o de menos. Por marcas bem piores, é que meus olhos de pedra agora sugam os teus de espanto. E não chore. A vida é assim mesmo. Você nem me conhece.

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