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sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Violeta



Barcas no Loing, efeito matinal (1904)
- Francisco Picabia



Agora que o deserto ficou maior,
                   o sol a tudo come:
as distâncias se repetem,
tudo é vasto e espaçoso.

Há um grande ócio na luz
e uma espera chorada no vento.

Nenhum nome, nenhuma palavra,
nenhuma qualquer neblina.

Uma garça, só, de azul raro,
voa de longe e desce, elegantemente, à beira do lago,
aonde nada evolui movimento, espelho suave de água quieta.

Antes, porém, uma música,
música que por muito tempo se ouviu ecoar
vinda de algum remoto lugar, mas inteira, clara e completa:
                                                                    Iolanda.




|Autor: Webston Moura|

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

MAS QUE IMPORTA







Outono. A luz doirada enobrecendo
a terra. O grito da última ave na meiga
quietude do ocaso. As amarelecidas
folhas em permanente aceno. O adeus.
O gesto passageiro do vento em nossas
frontes. Breve carícia. Breve afago.
Breve embalo. O arrepio. A primeira
árvore calcinada. A anunciação da neve.
O crepúsculo espraiando sombras e reflexos.
Cintilações. Melancolias. O ar povoado
de presságios. Um halo de mistério a
envolver as coisas. A chuva a ressoar
entre os canaviais. Vagas de serenidade.
Suave cadência em nossas almas.
Suave melodia. Diáfana. Perene.
O moinho abandonado coberto de heras.
E de musgo. Verde. Verde. Além uma
fogueira a crepitar sozinha na paisagem
desolada. As cinzas pelo chão dispersas.
Derramadas. O rio entardecendo.
O sopro da brisa aveludando as águas.
As águas fluindo num doce tumulto de
folhagem murmurada. O balancear incerto
das agulhas dos pinheiros. A respiração
inquieta dos juncos. A frescura sonora
dos álamos. Altos. Altos. O vale de
choupos olmos amieiros e eucaliptos.
Os penedos enegrecidos. As giestas.
As estevas. Os líquenes. O húmus.
Os soutos de castanheiros meio despidos.
Os regatos. Os caminhos sinuosos
dos montes. O tilintar dolente dos chocalhos
do rebanho. O chamamento cansado do pastor.
O latido dos cães ao fundo da estrada
poeirenta. A poeira levantada pela ventania.
O sino a repicar ao longe como um vasto
lamento. A aldeia. As casas de xisto. As ruas
ermas. O húmido sussurrar da velha fonte.
A igreja imersa em preces e orações.
O adro deserto. O coreto derruído. A praça
sossegada. O eco dos passos de um par
de namorados a perderem-se na distância.
Um vago rumor de vozes vindo do interior
de umas águas furtadas. Os acordes de um piano
agonizando na lonjura. O velho solar
oculto pelo arvoredo. O pátio empedrado.
O brilho dos azulejos. O relógio da sala
a bater as longas horas de antigamente.
O romance de Camilo aberto sobre a cadeira
de veludo. O odor do café acabado de moer.
A brancura da toalha de linho sobre a mesa.
A cor rubra das romãs sobre a salva de prata.
O odor limpo do pão recém-saído do forno.
A lareira. A lenha ainda humedecida. O gato
friorento aninhado na alfombra. O lume.
O estalar das pinhas. A labareda. O odor de
brasas a encher a casa. O fumo das castanhas
assadas. As histórias de família contadas
junto ao fogo. A paz dessa criança dormindo.
A comoção. O encantamento.
O frescor da cama acabada de ser feita.
O luzir vagaroso do candeeiro de petróleo.
O jardim silencioso. O lago quedo.
Os buxos. Os ciprestes ancestrais. A voz
monótona da água a jorrar no tanque.
O cheiro a terra molhada. O anjo de pedra.
O livro de salmos esquecido no banco de
madeira. O chiar do baloiço vazio. O repuxo
parado. Pelos canteiros, asas de borboletas mortas,
as pétalas desfeitas das rosas que ficaram.
As derradeiras. O plátano entristecido.
O estremecer repentino das ramagens.
O ninho vazio tombado sobre a lágea.
O poço a verdejar de lodo. Fundo. Fundo.
Os ladrilhos limosos. As trepadeiras
dos muros em degredo. O campo à volta aos
socalcos de erva atapetado. O assobio
do comboio trazido pelo vento. E lá longe
o areal. A lisura do areal longamente exausta a
invocar todos os infinitos que sonhamos.
A névoa a invadir a praia. A torre do farol
desmoronada. O mar matizado de raros tons.
Os rochedos. O alvoroço das gaivotas
por entre as nuvens fugazes. O som rouco da
rebentação. O perfil magoado das falésias.
As ondas fugidias. O horizonte sem termo. A imensidade.
Mas que importa, meu amor, que digam haver
nisto beleza se não a vejo com os teus olhos?

*
Música de Maurice Ravel (sugerida)
https://www.youtube.com/watch?v=sYNlYMvFA5U
*

Óleo s/ tela, de Marc Chagall

|Autoria: GONÇALO SALVADO, in EMBRIAGUEZ (Sirgo, 2001)




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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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quinta-feira, 2 de outubro de 2025

A Estrada Sem Nome Aonde Cruzamos O Silêncio



Untitled - Lin Fengmian



Paro e vejo.
Respiro enquanto olho.
Absorvo, dou tempo
e mergulho.

                 Atravesso o cansaço,
                 a dor e o desânimo.

Prossigo,
dia a dia.

Encontro três pássaros pousados,
imagem que me abduz
na harmonia do traço e da cor.

São o antônimo da mão fechada
e são de graça, como as três garças
e a estrada sem nome aonde cruzamos o silêncio.


|Autor: Webston Moura|

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Na Contracorrente



Pôr do sol no inverno. Uma costa do mar (1890)
- Arkhyp Kuindzhi




Longe de todo torpor,
o deserto, que é de muitas formas.
Como este sol se pondo,
o mar abaixo, nalgum lugar possível
e mágico, se assim se pode.

Escuto, a contragosto, o mundo em redor,
a cidade alegre e cega, máquina que se recria,
incessantemente, da qual me retirei o quanto pude.

Vejo o labirinto dos desejos
que muito se cultiva.
E penso que não há muitas palavras novas
para dizer do excesso de tudo.

Longe de todo torpor,
olho este sol se pondo,
e, ainda que digam não,


|Autor: Webston Moura|

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