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quinta-feira, 14 de março de 2024

O Futuro de Tudo (3)




A linguagem empobrecida, empobreceu o pensamento que com ela adquire e exprime significação, e por entre este vazio nasceu e cresceu o pasmo dos deslumbrados.

A linguagem sofreu mutações e a capacidade da sua apropriação por parte dos seres já dominados inibe que dessa metamorfoseada realidade se possam dar conta.

Há um novo tempo e há um novo espaço de plurissignificações que em si muito contém a mercadoria do mundo ilusório.

A barbárie do simulacro antecedeu tanta inverdade que os seres confundidos e anestesiados se têm mostrado incapazes do exercício do questionar.

As migalhas que se foram aceitando do poder e da intectualidade que com ele privaram e privam, constituíram a primeira prova da mansuetude cerebral dos múltiplos inquilinos dominados neste sistema.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

MOÇA BONITA



Auto-retrato na penteadeira - Zinaida Evgenievna Serebriakova


É uma simplicidade quieta, discreta muito, esta da moça, só, no quarto, em quase-silêncio, a se experimentar de imagens diante da penteadeira. Talvez isso me seja apenas lembrar de algo que o tempo já não mostre mais deste modo, dado que as de hoje, as moças, devem ter aperfeiçoado seus rituais de beleza e se demorem ali por outros motivos, não os de outrora. Porém, à vista disso, lembro-me desta cena (ou a invento a partir de retalhos tantos de memórias de meu arcabouço pessoal).

Vai nem uma tarde inteira nisto, mas bastante. E o tempo não se conta desta forma para quem se “lambe” ao espelho, ri-se de uma ou outra coisa, faz-se e se refaz, troca de lábios, de olhos e cabelo. É a moça diante da penteadeira. Extrai mais beleza, conforta-se com o achado? Não deve ser bem isso. É mais como passear, jogo de meninas, não de meninos. É um saborear a si. E é grátis, não custa dinheiros caros.

Outra a verá, de janela aberta, sair porta afora e exibir sua conquista suficiente. Os homens é que não perceberão, posto que são cegos para tanto. Mas a outra moça, mãos aflitas, na janela, há de ver e pensar tratar-se de um namorado. "Ah, se a beleza trata de se esmerar, só pode ser isso, um namoro". Ou a intenção de. A beleza, se de outrem, arma que é, incomoda. Mas a moça, a de vestido branco e longos cabelos, não se importa. Cumpre-lhe apenas ser, na idade em que isto explode em todas as direções, ainda que discreta, simples e elegantemente.


|Autor: Webston Moura|





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sábado, 11 de abril de 2020

UM PASSEIO DE CANOA





O que havia do outro lado do rio? As chuvas engordavam de águas aquilo tudo, o rio fazia-se majestoso, feroz, escuro, vinha de longe e para mais longe se ia. E do outro lado, que casas eram aquelas e quem ali vivia? Não era de todo que não sabia, claro, já que alheamento completo era impossível. Mas, ali, casas distantes, mas a vista, com gente que ia a vinha, já não era a cidade, era outra coisa, o desconhecido.

Por vezes, ficava eu à beira do rio, em segurança, claro. Observava as canoas e seus condutores, os quais usavam, a princípio, enormes varas para navegar. Eles tocavam o fundo e tomavam impulso. Depois, com o rio muito cheio, já não alcançavam o fundura do leito, lá embaixo e, então, trocavam as varas por remos. As canoas levavam gente e mercadorias, algum animal menor, cães, carneiros, algo assim. Os remadores davam contra a corrente, formando quase um meio círculo nas águas, evitando a força maior do rio. Chegavam ao outro lado, cansados, e ali deixavam as pessoas e seus pertences. Em tempos de muita chuva, quando o rio transbordava para o lado de lá, os baixios sucumbiam mais cedo e parte das casas ficava com água quase no telhado. Para onde iam as famílias?

ALFABETIZAÇÃO





Os nomes das coisas, a possibilidade de classificá-las, distinguindo-as a partir de suas características próprias, e, de alguma forma, colecioná-las, dispô-las em conjunto, delas apossar-se, tê-las, guardá-las. Os nomes de tudo, mas não apenas de se saber falar, sonorizar, mas de se assentar num papel, num caderno, retendo, riqueza que se possui, embora não se possa trocar por comida ou outro bem, nem oferecer, tal pedaço de bolo, a um amigo ou irmão. Buscar a parte que nos cabe no mundo, alfabetizar-se, adentrar os domínios da língua e da linguagem e, deste modo, subir, crescer, evoluir, tornar-se alguém.

A cartilha era a ferramenta que dispunha da seguinte estratégia: para cada letra, a associação a um bicho. “A” de abelha, uma abelha cuja figura era de uma só asa, curiosa e mágica. E as outras letras, os outros bichos, mais de vinte. Para uma criança, uma imensidão de novidades dada como brincadeira. A professora, de nome agora injustamente esquecido, era a condutora da aventura. Jovem, enérgica, mas terna, sabia que éramos crianças, não meros ignorantes. E nos ensinava com o melhor que podia.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

ESTRANHAMENTO



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por: Tânia Du Bois

Dia após dia sinto-me estranha. Não enxergo o horizonte, nem escuto os pássaros. Escuto as vozes em tom baixo e sem força. Meu dia é longo, curta a noite. As cortinas estão fechadas. Estaria passando pela minha intransparente solidão? Nas palavras de Álvaro Pacheco, “...Na minha vida que passa / eu passo do reencontro / dos tempos que me matei: / não cumpro as missões jacentes / dos fatos de alegrar-me: / minha sina é entristecer-me...”.

Escuto na insônia o lamento da vida, quando minhas outras vozes meditam no escuro do quarto. Traço linhas; escrevo sobre o silêncio que espreita a minha vida entre tentativas infrutíferas de bem estar.

Estranho é o mistério quando sigo minhas ruínas até o tempo remontar meu pequeno sonho: seguir as luzes para poder distinguir nas sombras a hora da verdade. Ainda em Álvaro Pacheco, “...Apenas a solidão / se comunica conosco: / é sofrer nas almas / esse meio e fim / (e sobreviver, ah, sobreviver)”.

É necessário resistir à estranheza temporal que diz que fui conquistada: minhas forças estão fracas. A vida me leva em altos e baixos nas várias cores da solidão. Ás vezes, penso em não mais ficar sem quem me convença a procurar parâmetros que multipliquem meus sentidos, para marcar o tempo e determinar as causas do estranhamento nos meus dias. Estaria nas pequenas coisas a grandeza da vida? Ou, como Álvaro Pacheco reflete, “...a vida nos desgasta / nessas repetições cruas / não não / nos habituamos jamais”.


│Crônica constante de Na Sombra dos Sentidos (Projeto Passo Fundo, 2019), de Tânia Du Bois.

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Leia também:
- JOGO EMOCIONAL (I)
- TRAÇOS INSTIGANTES
- AUTÓPSIA DO INVISÍVEL
- O REFLEXO COMPLEXO EM SI...
- A LUMINOSIDADE DO ESCURO
- MOSAICO DE RUÍNAS
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TRAÇOS INSTIGANTES



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por: Tânia Du Bois

Tomo como exemplo a fotografia das crianças sentadas de frente para o mar. Elas estão totalmente integradas à paisagem. A sensação que essa imagem produz, é a de serem “engolidas” pela paisagem, de tão pequenas que se tornam diante do mar; verdadeiros traços instigantes.

A mesma imagem permite outra revelação, a de que a paisagem é tão ampla que a minha imaginação se apresenta num tempo onde há o jogo entre o sentimentalismo e a hora do clik, permitindo admirar no espaço a bela imagem do ser diante da paisagem, enquanto arte, e a perceber a diminuição do ser, enquanto traços instigantes.

Momento artístico, descrito através da imagem como movimento, também encontrado na literatura nos traços instigantes da poesia. Alguns poetas descrevem a paisagem e homenageiam a grandiosidade do momento, como Douglas Mansur: “...fotografo com os olhos / revelo no pensamento / Amplio no coração / Distribuo com os lábios e com as mãos / Eternizando os momentos da história”.

A hora do clik registra traços instigantes em que considero o tempo como o melhor momento, porque, sem amarras, junta o passado ao presente na expectativa de que o futuro seja construído com suas verdades.

Busco nos traços instigantes respostas, em diferentes campos e, assim, emocional e culturalmente me fortaleço ao nutrir equilíbrio entre a paisagem e a reflexão da imagem, como relevância e suporte à mente e ao valor que a arte tem na posteridade; não como doação e sim pela qualidade que desempenha em minha vida. Douglas Mansur revela: “Fotografo no claro / Revelo no escuro / Amplio na luz vermelha / Na luz do passado vejo a história”.

Interessante como as pessoas interpretam de maneira diferente uma mesma paisagem. Enquadram a imagem com o objetivo mobilizador do pensamento, dando o toque pessoal à fotografia.

Atualmente, quando vista em paisagem considerada interessante, a imagem é registrada através do aparelho celular e, imediatamente, colocada nas redes sociais. Essa é uma das variantes do mundo moderno. No entanto, há a tendência de que o uso do celular para fotografar e divulgar traços instigantes estigmatiza comportamentos ditos despojados, não sendo algo culturalmente relacionado à arte, o que seria comprovado apenas pela sensibilidade de cada um.

Traços instigantes: imagem versus paisagem, ganha como o aliado o aparelho celular nos possibilitar desvelar com habitualidade o momento da contemplação. É impacto que põe em xeque a motivação versus arte, emoção versus momento. Que, sem rotulações abre portas para a imaginação em leque de possibilidades para atribuir significados aos traços diferentes, esculpidos através da vivência, com o poder transformador das artes, como escreveu Margarida Reimão. “Uma realidade marcada na moldura de um quadro...”

│Crônica constante de Arte em movimento (Projeto Passo Fundo, 2016), de Tânia Du Bois.

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Leia também:
- Jogo Emocional (I)
- Chamas
- Poemas de Pedro Du Bois
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JOGO EMOCIONAL (I)



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por: Tânia Du Bois

A música é suspiro efêmero, mágica elevada aos céus e ao inferno: relembra momentos e embala meu corpo no ritmo no prazer e da dor da saudade. Como em Geraldo Vandré, no Festival da Canção de 1968, “caminhando e cantando e seguindo a canção / Somos todos iguais braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas, campos, construções...”.

A vida é feita de opostos que se completam: tendo a lembrança, como esquecê-la? Na música encontro o reconforto pelo que passou e restou apenas na sonoridade sentida como recordação. Por isso, reinvento o viver, musicalmente, para sentir o presente. Assim, na música Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, “Caminhando contra o vento / Sem lenço e sem documento...// Eu tomo uma Coca-Cola / Ela pensa em casamento / E uma canção me consola / Eu vou // Sem lenço e sem documento / Nada no bolso ou nas mãos / Eu quero seguir vivendo o amor...”; marco do movimento tropicalista ao ser apresentada, em 1968, no Festival da TV Record.

Quando escuto músicas, sou tomada pelo jogo emocional em cenas de luzes, cheiros e sabores, onde meu pensamento se alia ao tempo que se amplia, fosse mar de sentimentos.

Os músicos constroem “arquiteturas” exuberantes, pois, conseguem retratar meu “clima envolvente” em cada canção, refletindo a alegria e a tristeza como momentos únicos, onde interiormente grito minhas saudades.

São inúmeras as vezes em que a música me ilumina em tons, que me permitem “fingir" que estou revivendo o jogo emocional; assim, o show de Bossa Nova, em 1960, intitulado A Noite do Amor Do Sorriso e Da Flor, apresentado nas dependências da UFRJ, com a participação de João Gilberto; Ronaldo Bôscoli anunciou que “Esta é a noite do amor, do sorriso e da flor. E este é realmente o primeiro festival de bossa nova mesmo. Não se espantem...”.

Sei o valor da música na vida; nela navego nos braços dos sentimentos; vejo o por do sol se refletir nas águas do mar, deixando claro esta vida de sombras. Então, sinto a importância da música, porque ela dá a sensação de poder envolver o passado nas lembranças presentes; como acontece quando escuto Elizeth Cardoso, na comemoração dos 50 anos de Bossa Nova, em Chega de Saudade: // “Chega de saudade / Vai minha tristeza e diz a ele / Que sem ele não pode ser...”.

Momentos em que, ao resgatar detalhes do meu viver, sinto vontade de estar novamente dançando pelo tempo e ouvindo a alegria do coração, como proposta para capturar as “imagens” como jogo emocional. Evinha bem refaz, cantando // Eu vou voltar aos velhos tempos de mim / Vestir de novo meu casaco marrom / Tomar a mão da alegria...


│Crônica constante de A Linguagem da Diferença (Projeto Passo Fundo, 2019), de Tânia Du Bois.
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Leia também:
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domingo, 27 de setembro de 2015

A rã da fachada



“una de las cuatro luces que alumbran al mundo”
Papa Alexandre IV, em 1254,
sobre a Universidade de Salamanca


Situada às margens do rio Tormes, a espanhola Salamanca é cognominada de “pequena Roma” pelo rico patrimônio histórico que ostenta. São emblemáticos os seus edifícios, monumentos, praças e igrejas. A Universidade, com quase oitocentos anos de existência, também figura nesse rol, com galhardia.

Em 1218, o rei Afonso IX fundou a Universidade de Salamanca. Poucos anos depois, o Papa Alexandre IV declarava que a instituição era uma das quatro luzes que iluminavam o mundo, junto com as universidades de Oxford, Paris e Bolonha.

Há registro que, em 1584, por exemplo, nada menos que 6.778 alunos assistiam às disciplinas ministradas em suas salas. Todos almejando conquistar seus títulos de licenciados ou doutores. E eram estudantes de todas as partes do mundo, demonstrando que a influência de Salamanca já não se limitava ao continente europeu. Comumente vemos citados nomes ilustres que passaram por seus bancos.

É plausível que nos seus longevos corredores, ou nas ruas da cidade, escutemos histórias que o tempo trata em transformá-las em lendas, fábulas, folclore ou, por vezes, terminam incorporadas à cultura organizacional. Conto-lhes duas.

Naquele afã dos primeiros dias em conhecer a urbe e seus encantos, todos somos levados a contemplar a fachada do prédio antigo da universidade. É cena comum, a qualquer hora do dia, encontrarmos um grupo de turistas, ou de estudantes, admirando o belo frontispício Plateresco (estilo típico do Renascimento espanhol), cuja edificação foi concluída no início do século XVI.

Não sendo especialista, fica até difícil traduzir em plenitude a beleza da obra. Mas, mesmo com visão leiga, arrisco passar-lhes algumas poucas informações. Bem, imaginem a frontaria de um edifício, com altura compatível a mais ou menos cinco andares, como se fora um tapiz de pedra, dividido por colunas e frisos e com uma enorme quantidade de detalhes esculpidos. Pois é a impressão que temos ao olhá-la. Existe até uma recomendação de que devemos ficar posicionados há uns seis metros de distância, para melhor visualização.

Além do alumbramento com a formosura arquitetônica, a conversa predominante quando das visitas à ‘fachada’ é a localização da rã. Isso mesmo. Existe certa disputa para ver quem localiza esta, em meio a tantos quiméricos objetos que ornamentam aquela. A explicação para a presença da lendária rã remete a questões simbólicas e religiosas da época da construção do sodalício, mas não iremos adentrar a tal alçada, para não tornar-se enfadonho.

Porém, a fábula gira em torno das ‘alternativas’ do que ocorrerá com quem encontre, ou não, a rã: uns dizem que o estudante que não encontrá-la, logo na primeira visita, não se dará bem no curso. Outros brincam com os turistas, dizendo que se os mesmos não lograrem êxito na busca, não terão sorte na viagem.

Outra interessante história envolvendo a Universidade, de cunho menos mítico, diz respeito ao ‘Victor’ (do latim victor, vencedor) — símbolo de vitória —, que é facultado ao estudante pintá-lo, junto a seu nome, em uma das paredes da instituição, ao concluir o doutoramento.

Atualmente a pintura é feita com requinte, técnica e, claro, tinta apropriada. Mas nem sempre foi assim. Nos primórdios, era costume que o concluinte brindasse sua conquista com uma festa, sacrificando um touro para a referida comemoração; e o sangue (misturado a alguma substância, creio) desse animal servia para ele e seus companheiros escreverem o ‘Victor’.

Ainda hoje é possível, em algumas das seculares paredes, observarmos decifráveis manchas das pinturas de antanho, que teimam em resistir ao tempo. Contemplando, tanto os símbolos antigos como os novos, particularmente, é inevitável não lembrar-me do grande Machado de Assis – Bruxo do Cosme Velho –: “Esta a glória que fica, eleva, honra e consola”.

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# Crônica constante de "Cartas de Salamanca" (clique "aqui"), de David de Medeiros Leite.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

As traças de Fortaleza


Que são traças? Segundo os dicionários, são insetos que corroem lã, tapetes, livros, papéis, dentre outras coisas. É óbvio que destas queremos distância. Jamais desejaríamos sua proliferação, não é verdade? Principalmente nós que conseguimos reunir algumas dúzias, ou até mesmo dezenas de livros – e deles cuidamos com extremado zelo – fugimos dessas como o demo da cruz.

Mas, existem outras traças... Na bela capital cearense, um Clube de Leitura possui o sugestivo nome de “As Traças”. Não contrataram marqueteiro, mas acertaram na mosca, pois para batizar uma reunião de devoradoras de livros, nada mais apropriado do que o nome sugerido. Como funciona? É simples: em encontros mensais, elas comentam suas leituras e trocam impressões com os demais membros do grupo. Que beleza, hein?

Tudo começou há dez anos, com a brilhante idéia das amigas Anete Gomes e Lúcia Lustosa Martins que, levadas pelo desejo desta última em partilhar sua biblioteca particular, resolveram promover reuniões com outras tantas amigas, de maneira que pudessem, juntas, viajar, sonhar, viver e crescer através da leitura. E vejam que belo resultado!

Atualmente, o Clube é constituído de quarenta sócias que se reúnem numa determinada segunda-feira do mês. A confraria está dividida em equipes que receberam os nomes de escritores/poetas famosos. Mensalmente, um desses grupos é responsável pela reunião, promovendo a apresentação de temas ligados, preferencialmente, à literatura, através de palestrantes convidados ou de exposição feita pelo próprio grupo.

Após as reuniões, é servido um pequeno lanche e, em clima de descontração, as “traças” se confraternizam. Elas também compartilham datas significativas, como os festejos juninos e as festas natalinas, contando com a presença de familiares e amigos pertencentes a outros movimentos literários.

O Clube dispõe de uma biblioteca instalada em sua sede, que conta com considerável acervo. São livros doados, em sua grande maioria, pela sócia fundadora Lúcia Lustosa e, também, por doações de outras sócias e de amigos ou, ainda, adquiridos pelo próprio Clube. Afinal de contas, para sobreviver, traças precisam sempre de livros por perto.

Não se faz necessário que sejam escritoras para admissão como sócias. Todavia, como todas são boas leitoras e, pelo fato de gostarem de ler, isso logo suscita, inexoravelmente, o prazer da escrita. Dessa forma, não é de difícil dedução que, vamos encontrar entre elas, poetas e prosadoras, cujos títulos já desfilam pelas melhores estantes do Ceará e alhures. Podemos citar, como exemplo, o poético livro intitulado Meus Amores, de autoria de Lúcia Maria do Monte Frota de Moura – mossoroense radicada em Fortaleza – e o Poltrona Azul, de Dulce Cavalcante, recentemente lançado.

Quando soube da existência das “traças”, e de sua movimentação, fiquei pensando como seria bom se cada um de nós tivesse a oportunidade de participar de um “grupo de leitura”, ou de algo similar. E melhor seria que essas iniciativas proliferassem pelas cidades com a mesma força e pujança de tantas idéias maléficas e de tantos grupos iníquos que, infelizmente, surgem. Certamente se isso ocorresse, alavancaríamos a literatura para alturas inesperadas... Talvez ainda exista um ou outro questionamento, principalmente em relação ao tempo pessoal, para participar de uma atividade assim. Mas, recordo-me de um ensinamento religioso: tempo é questão de preferência.

Vivam as Traças!!! E que se multiplique a sua benfazeja faina devoradora!!!



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David de Medeiros Leite (Mossoró-RN, 1966) é doutor em Direito Administrativo pela Universidade de Salamanca (Espanha), membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP), da Academia Maçõnica de Letras do Rio Grande do Norte (AMLERN) e da Academia Mossoroense de Letras (AMOL). Dentre outros, é autor de: Companheiro Góis – Dez Anos de Saudade (2001); Ombudsman Mossoroense (2003); Incerto Caminhar (2009); Cartas de Salamanca (2011) e A Casa das Lâmpadas . A presente crônica foi extraída de Cartas de Salamanca.

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terça-feira, 30 de setembro de 2014

As Mãos



Sabe o que está escrito na sua mão? Orides Fontela responde: “Leio / minha mão / único livro”.

Os poetas dentro do processo criativo contextualizam “as mãos” como desafio, desenvolvendo um olhar afetuoso e captando a essência atemporal da palavra, com a finalidade de desvendar esse poder absoluto que as mãos exercem sobre nós. Nas palavras de Jorge Tufic, “Para / Fernando Pessoa / os símbolos / não são você / nem ninguém. / São a noite interna / a dormir acordado. / Símbolos. / As mãos, por exemplo: / Quem são elas?”

As mãos constituem a individualidade no sentido da existência e, ao as vivenciarmos, encontramos os gestos declarados: mãos que guardam o tempo, mãos frias e quentes, mãos estendidas e recolhidas, mãos que arremessam  e acenam, mãos que ajudam, mãos para trás negando o contato e renegando o gesto, mãos carinhosas e amigas, as mãos do carrasco, mãos lidas pelas ciganas, mãos calejadas, mãos trêmulas e a Mão Única, de Orides Fontela: “é proibido / voltar atrás / e chorar.”

As mãos revelam o gesto e descrevem os diferentes processos que vão da aprendizagem à liderança e da tristeza à alegria. Elas, ainda, representam a confiança nas relações pessoais, promovendo a emoção, como em Carmem Presotto, “Há mãos / que ao contar poemam /escrevem no tempo / libertam amarras / reúnem amizades / e dão às letras liberdade...” Também são retratadas no homem que sofre, quando lança mão de um amor, como o livro As Mãos em Cena de Pedro Du Bois: “De você / tive a mão / na condução / da vida // ávida como são as diferenças / troquei sua mão / pela minha / e me fiz / sozinho // tenho minha mão interrompida / no momento em que larguei a sua...”


Ao andar por esse caminho, me instiga pensar o que significam para os poetas, nos dias de hoje, as mãos que os tocam; seriam elas que dão a beleza e a força? Benedito Cesar Silva nos mostra que “Desço as mãos sobre seu corpo, / Incorporando-o ao meu. / Na dualidade das partículas em atrito / fazemo-nos um”.

Percebo que a influência das mãos é manifestada através de expressões que estão presentes no nosso dia a dia, como dar com um mão e retirar com a outra, passar de mão em mão, estar de mãos atadas, ganhar de mão beijada, pedir a sua mão, não abrir mão de, “... Não abrirei mão de arrancar as estacas, / de ampliar horizontes e o que se faça, / para enraizar e frutificar sonhos!”, nas palavras de Benedito Cesar Silva. O interessante é que o homem em sua essência continua o mesmo, o que muda são as circunstâncias que na linguagem poética têm a liberdade de buscar novos e simbólicos temas, que o poeta escreve com pluralidade de significados, deixando a linguagem viva, como em Armindo Trevisan, “Antes que a romã / escancare as portas / do dia /  beijo-te as mãos”.

Essa liberdade que pensamos ser verdadeira e alcançada pelos poetas, talvez seja apenas mais um dos segredos da motivação com que eles apontam uma nova maneira de produção. Ao desvendar esse poder é preciso manter como tema o sonho da conquista; buscar no pensamento as impressões baseadas nas razões e nos sentidos, como percurso de comunicação. Na visão de Carmem Presotto, “Há mãos que ao contar / amam no tempo em que vivem / e por isso, trabalham, dobram espaços, / lutam e transformam horizontes...”


│Autor: Tânia Du Bois
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# Crônica constante de Amantes nas entrelinhas: crônicas (Projeto Passo Fundo, 2013)

# Leia também:


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* Tânia Du Bois, natural de Sarandi, RS, residente em Balneário Camboriú, SC. Pedagoga. Articulista, cronista e resenhista. Colunista literária do Jornal Correio do Município, Itapema, SC e da A Revista SC. Colaboradora do Projeto Passo Fundo.
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