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terça-feira, 27 de outubro de 2020

ESPAÇOS EM BRANCO, de Tânia Du Bois


http://projetopassofundo.com.br/



Espaços em branco, de Tânia Du Bois, 2019. Livro ousado e bem cuidado, elegante, como os outros tantos trabalhos da autora. Belamente ilustrado pelo poeta e contista Pedro Du Bois.

Por ler a palavra “microcontos” na abertura, imaginei o já visto noutros autores, uma história de umas cinco, seis linhas, breve, condensada, como o “micro” sugere. Porém, Tânia radicalizou ainda mais a ideia, o que me surpreendeu. Cada conto, ainda mais micro, dá-se com um título e uma frase, cabendo ao leitor/leitora permitir-se seguir o dito, imaginar e, até se quiser, reunir tudo na cabeça, como se as sentenças fossem pássaros voejando, lá e cá, mostrando, em cada ida ou vinda, a paisagem que se abre quando olhamos e mudamos a direção, o foco, o interesse. Lembrou-me, pois, os pedaços de prosa e versos agudos que selecionamos de contos, romances e poemas, além, obviamente, de letras de música, sugestões da internet, quotes, ditados fixados em muros e outros espaços. As ilustração do Pedro Du Bois completam o trabalho.

Para um observador menos atento, o projeto, a talvez insinuar pressa, dada a brevidade de um micro tão micro (uma frase por vez), talvez soe a alguns como sendo isso mesmo, o que não condiz com a verdade, ao menos a verdade que enxergo. A frase, cada uma, nos intervala, causa-nos ainda mais silêncio (reflexão), pausa. E nós, ali, olhando aquelas paisagens, aquelas sentenças, o que pensamos? Em como nos toca, como se nos puséssemos num exercício de observar em redor do dito, além, obviamente da entranha escondida, um segredo, uma sutileza.

Três exemplos:

AMAR
De tanto amar se deixou abismar.
SORTE
Vestiu saia branca e curta; a música dizia "vesti azul".
Sua sorte não mudou.
LIVRO
 Leu os versos em dez prestações.

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SERVIÇO:
Espaços em branco: microncontos
Tânia Du Bois
Projeto Passo Fundo (2019)

Tania Du Bois – Residente em Balneário Camboriu, SC. Pedagoga, articulista e cronista. Autora de: O Exercício das Vozes"; Amantes nas entrelinhas; O eco dos objetos; Comércio de ilusões; Autópsia do invisível; Vidas desamarradas; Arte em movimento; Entrelaços; A linguagem da diferença, etc. Onde encontra-la: Recanto das Letras [tâniadubois], Letras et cetera [nanquin]; Projeto Passo Fundo [projetopassofundo]

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

ESTRANHAMENTO



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por: Tânia Du Bois

Dia após dia sinto-me estranha. Não enxergo o horizonte, nem escuto os pássaros. Escuto as vozes em tom baixo e sem força. Meu dia é longo, curta a noite. As cortinas estão fechadas. Estaria passando pela minha intransparente solidão? Nas palavras de Álvaro Pacheco, “...Na minha vida que passa / eu passo do reencontro / dos tempos que me matei: / não cumpro as missões jacentes / dos fatos de alegrar-me: / minha sina é entristecer-me...”.

Escuto na insônia o lamento da vida, quando minhas outras vozes meditam no escuro do quarto. Traço linhas; escrevo sobre o silêncio que espreita a minha vida entre tentativas infrutíferas de bem estar.

Estranho é o mistério quando sigo minhas ruínas até o tempo remontar meu pequeno sonho: seguir as luzes para poder distinguir nas sombras a hora da verdade. Ainda em Álvaro Pacheco, “...Apenas a solidão / se comunica conosco: / é sofrer nas almas / esse meio e fim / (e sobreviver, ah, sobreviver)”.

É necessário resistir à estranheza temporal que diz que fui conquistada: minhas forças estão fracas. A vida me leva em altos e baixos nas várias cores da solidão. Ás vezes, penso em não mais ficar sem quem me convença a procurar parâmetros que multipliquem meus sentidos, para marcar o tempo e determinar as causas do estranhamento nos meus dias. Estaria nas pequenas coisas a grandeza da vida? Ou, como Álvaro Pacheco reflete, “...a vida nos desgasta / nessas repetições cruas / não não / nos habituamos jamais”.


│Crônica constante de Na Sombra dos Sentidos (Projeto Passo Fundo, 2019), de Tânia Du Bois.

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Leia também:
- JOGO EMOCIONAL (I)
- TRAÇOS INSTIGANTES
- AUTÓPSIA DO INVISÍVEL
- O REFLEXO COMPLEXO EM SI...
- A LUMINOSIDADE DO ESCURO
- MOSAICO DE RUÍNAS
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TRAÇOS INSTIGANTES



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por: Tânia Du Bois

Tomo como exemplo a fotografia das crianças sentadas de frente para o mar. Elas estão totalmente integradas à paisagem. A sensação que essa imagem produz, é a de serem “engolidas” pela paisagem, de tão pequenas que se tornam diante do mar; verdadeiros traços instigantes.

A mesma imagem permite outra revelação, a de que a paisagem é tão ampla que a minha imaginação se apresenta num tempo onde há o jogo entre o sentimentalismo e a hora do clik, permitindo admirar no espaço a bela imagem do ser diante da paisagem, enquanto arte, e a perceber a diminuição do ser, enquanto traços instigantes.

Momento artístico, descrito através da imagem como movimento, também encontrado na literatura nos traços instigantes da poesia. Alguns poetas descrevem a paisagem e homenageiam a grandiosidade do momento, como Douglas Mansur: “...fotografo com os olhos / revelo no pensamento / Amplio no coração / Distribuo com os lábios e com as mãos / Eternizando os momentos da história”.

A hora do clik registra traços instigantes em que considero o tempo como o melhor momento, porque, sem amarras, junta o passado ao presente na expectativa de que o futuro seja construído com suas verdades.

Busco nos traços instigantes respostas, em diferentes campos e, assim, emocional e culturalmente me fortaleço ao nutrir equilíbrio entre a paisagem e a reflexão da imagem, como relevância e suporte à mente e ao valor que a arte tem na posteridade; não como doação e sim pela qualidade que desempenha em minha vida. Douglas Mansur revela: “Fotografo no claro / Revelo no escuro / Amplio na luz vermelha / Na luz do passado vejo a história”.

Interessante como as pessoas interpretam de maneira diferente uma mesma paisagem. Enquadram a imagem com o objetivo mobilizador do pensamento, dando o toque pessoal à fotografia.

Atualmente, quando vista em paisagem considerada interessante, a imagem é registrada através do aparelho celular e, imediatamente, colocada nas redes sociais. Essa é uma das variantes do mundo moderno. No entanto, há a tendência de que o uso do celular para fotografar e divulgar traços instigantes estigmatiza comportamentos ditos despojados, não sendo algo culturalmente relacionado à arte, o que seria comprovado apenas pela sensibilidade de cada um.

Traços instigantes: imagem versus paisagem, ganha como o aliado o aparelho celular nos possibilitar desvelar com habitualidade o momento da contemplação. É impacto que põe em xeque a motivação versus arte, emoção versus momento. Que, sem rotulações abre portas para a imaginação em leque de possibilidades para atribuir significados aos traços diferentes, esculpidos através da vivência, com o poder transformador das artes, como escreveu Margarida Reimão. “Uma realidade marcada na moldura de um quadro...”

│Crônica constante de Arte em movimento (Projeto Passo Fundo, 2016), de Tânia Du Bois.

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Leia também:
- Jogo Emocional (I)
- Chamas
- Poemas de Pedro Du Bois
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JOGO EMOCIONAL (I)



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por: Tânia Du Bois

A música é suspiro efêmero, mágica elevada aos céus e ao inferno: relembra momentos e embala meu corpo no ritmo no prazer e da dor da saudade. Como em Geraldo Vandré, no Festival da Canção de 1968, “caminhando e cantando e seguindo a canção / Somos todos iguais braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas, campos, construções...”.

A vida é feita de opostos que se completam: tendo a lembrança, como esquecê-la? Na música encontro o reconforto pelo que passou e restou apenas na sonoridade sentida como recordação. Por isso, reinvento o viver, musicalmente, para sentir o presente. Assim, na música Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, “Caminhando contra o vento / Sem lenço e sem documento...// Eu tomo uma Coca-Cola / Ela pensa em casamento / E uma canção me consola / Eu vou // Sem lenço e sem documento / Nada no bolso ou nas mãos / Eu quero seguir vivendo o amor...”; marco do movimento tropicalista ao ser apresentada, em 1968, no Festival da TV Record.

Quando escuto músicas, sou tomada pelo jogo emocional em cenas de luzes, cheiros e sabores, onde meu pensamento se alia ao tempo que se amplia, fosse mar de sentimentos.

Os músicos constroem “arquiteturas” exuberantes, pois, conseguem retratar meu “clima envolvente” em cada canção, refletindo a alegria e a tristeza como momentos únicos, onde interiormente grito minhas saudades.

São inúmeras as vezes em que a música me ilumina em tons, que me permitem “fingir" que estou revivendo o jogo emocional; assim, o show de Bossa Nova, em 1960, intitulado A Noite do Amor Do Sorriso e Da Flor, apresentado nas dependências da UFRJ, com a participação de João Gilberto; Ronaldo Bôscoli anunciou que “Esta é a noite do amor, do sorriso e da flor. E este é realmente o primeiro festival de bossa nova mesmo. Não se espantem...”.

Sei o valor da música na vida; nela navego nos braços dos sentimentos; vejo o por do sol se refletir nas águas do mar, deixando claro esta vida de sombras. Então, sinto a importância da música, porque ela dá a sensação de poder envolver o passado nas lembranças presentes; como acontece quando escuto Elizeth Cardoso, na comemoração dos 50 anos de Bossa Nova, em Chega de Saudade: // “Chega de saudade / Vai minha tristeza e diz a ele / Que sem ele não pode ser...”.

Momentos em que, ao resgatar detalhes do meu viver, sinto vontade de estar novamente dançando pelo tempo e ouvindo a alegria do coração, como proposta para capturar as “imagens” como jogo emocional. Evinha bem refaz, cantando // Eu vou voltar aos velhos tempos de mim / Vestir de novo meu casaco marrom / Tomar a mão da alegria...


│Crônica constante de A Linguagem da Diferença (Projeto Passo Fundo, 2019), de Tânia Du Bois.
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Leia também:
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quarta-feira, 7 de novembro de 2018

ENTRELAÇOS – CRÔNICAS EPISTOLARES, de Tânia Du Bois



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Buscar papel, ausentar-se do mundo, trancar-se num quarto, escrever uma carta, mas não de uma vez só. No decorrer de dias, escrevê-la, percorrendo lembranças, intimidades, emoções, palavras mais em conta, alguma surpresa (ou novidade) a ser posta no papel. Envelopar, ir aos Correios, tomar a fila, esperar, concluir o ritual de quem, ansioso e alegre, se comunica, à distância, com um outro, pensamento firme e leve, sorriso em silêncio, cumplicidade. Já fiz isto. Num tempo em que havia menos crimes e mais confiança entre as pessoas; num tempo onde se utilizava fichas telefônicas e orelhões, já fiz isto. E também gostava, claro, de receber cartas. Detalhe: carta não é encomenda, mas sentimento, confissão, amizade, intimidade, conversa especial que não mais, ou muito pouco, existe. E também receber cartas, abrir envelopes, sentir seus cheiros, desembrulhar os papéis de diferentes cores, encontrar alguém, já o fi. Depois, com carinho, redobrar os papéis, recolocar nos envelopes, se não muito estragados ao serem abertos, e guardar tudo numa caixa especial, esta colocada num lugar também de afeto. Relê-las? Sim, como quem reencontra o outro, para reavivar algo, instantaneamente, e, se possível, fazer demorar, demorar-se ali, silenciosamente, tempo estendido. Durante os anos, revê-las, mesmo que só imaginando-as, sabendo-as guardadas dos outros, como um segredo entre duas pessoas que, talvez, já não mais se falem, um amor despedaçado, uma amizade desfeita, mas, de algum modo, guardado ainda intacto, seja memória de um tempo, de um ano, um verão, um inverno, uma viagem, uma música (“a nossa música’, pensava-se com terna condescendência). Camadas de vida, história. É disso que se trata o Entrelaços – crônicas epistolares, de Tânia Du Bois, Projeto Passo Fundo. Ou, ao menos, foi como me tocou o livro. E eu, que por fraqueza e comodismo deixei de escrever cartas, reacendo-me com suas histórias, detalhes, vidas entrelaçadas que ali me estão à mão, para que eu também, de alguma forma entrelaçado na trama, saiba-me vivo, apesar dos dias turbulentos que todos vivenciamos.

SERVIÇO:
Entrelaços - crônicas epistolares
Tânia Du Bois
Projeto Passo Fundo

terça-feira, 30 de setembro de 2014

As Mãos



Sabe o que está escrito na sua mão? Orides Fontela responde: “Leio / minha mão / único livro”.

Os poetas dentro do processo criativo contextualizam “as mãos” como desafio, desenvolvendo um olhar afetuoso e captando a essência atemporal da palavra, com a finalidade de desvendar esse poder absoluto que as mãos exercem sobre nós. Nas palavras de Jorge Tufic, “Para / Fernando Pessoa / os símbolos / não são você / nem ninguém. / São a noite interna / a dormir acordado. / Símbolos. / As mãos, por exemplo: / Quem são elas?”

As mãos constituem a individualidade no sentido da existência e, ao as vivenciarmos, encontramos os gestos declarados: mãos que guardam o tempo, mãos frias e quentes, mãos estendidas e recolhidas, mãos que arremessam  e acenam, mãos que ajudam, mãos para trás negando o contato e renegando o gesto, mãos carinhosas e amigas, as mãos do carrasco, mãos lidas pelas ciganas, mãos calejadas, mãos trêmulas e a Mão Única, de Orides Fontela: “é proibido / voltar atrás / e chorar.”

As mãos revelam o gesto e descrevem os diferentes processos que vão da aprendizagem à liderança e da tristeza à alegria. Elas, ainda, representam a confiança nas relações pessoais, promovendo a emoção, como em Carmem Presotto, “Há mãos / que ao contar poemam /escrevem no tempo / libertam amarras / reúnem amizades / e dão às letras liberdade...” Também são retratadas no homem que sofre, quando lança mão de um amor, como o livro As Mãos em Cena de Pedro Du Bois: “De você / tive a mão / na condução / da vida // ávida como são as diferenças / troquei sua mão / pela minha / e me fiz / sozinho // tenho minha mão interrompida / no momento em que larguei a sua...”


Ao andar por esse caminho, me instiga pensar o que significam para os poetas, nos dias de hoje, as mãos que os tocam; seriam elas que dão a beleza e a força? Benedito Cesar Silva nos mostra que “Desço as mãos sobre seu corpo, / Incorporando-o ao meu. / Na dualidade das partículas em atrito / fazemo-nos um”.

Percebo que a influência das mãos é manifestada através de expressões que estão presentes no nosso dia a dia, como dar com um mão e retirar com a outra, passar de mão em mão, estar de mãos atadas, ganhar de mão beijada, pedir a sua mão, não abrir mão de, “... Não abrirei mão de arrancar as estacas, / de ampliar horizontes e o que se faça, / para enraizar e frutificar sonhos!”, nas palavras de Benedito Cesar Silva. O interessante é que o homem em sua essência continua o mesmo, o que muda são as circunstâncias que na linguagem poética têm a liberdade de buscar novos e simbólicos temas, que o poeta escreve com pluralidade de significados, deixando a linguagem viva, como em Armindo Trevisan, “Antes que a romã / escancare as portas / do dia /  beijo-te as mãos”.

Essa liberdade que pensamos ser verdadeira e alcançada pelos poetas, talvez seja apenas mais um dos segredos da motivação com que eles apontam uma nova maneira de produção. Ao desvendar esse poder é preciso manter como tema o sonho da conquista; buscar no pensamento as impressões baseadas nas razões e nos sentidos, como percurso de comunicação. Na visão de Carmem Presotto, “Há mãos que ao contar / amam no tempo em que vivem / e por isso, trabalham, dobram espaços, / lutam e transformam horizontes...”


│Autor: Tânia Du Bois
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# Crônica constante de Amantes nas entrelinhas: crônicas (Projeto Passo Fundo, 2013)

# Leia também:


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* Tânia Du Bois, natural de Sarandi, RS, residente em Balneário Camboriú, SC. Pedagoga. Articulista, cronista e resenhista. Colunista literária do Jornal Correio do Município, Itapema, SC e da A Revista SC. Colaboradora do Projeto Passo Fundo.
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