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Buscar papel, ausentar-se do mundo, trancar-se num
quarto, escrever uma carta, mas não de uma vez só. No decorrer de dias,
escrevê-la, percorrendo lembranças, intimidades, emoções, palavras mais em conta,
alguma surpresa (ou novidade) a ser posta no papel. Envelopar, ir aos Correios,
tomar a fila, esperar, concluir o ritual de quem, ansioso e alegre, se comunica,
à distância, com um outro, pensamento firme e leve, sorriso em silêncio, cumplicidade.
Já fiz isto. Num tempo em que havia menos crimes e mais confiança entre as
pessoas; num tempo onde se utilizava fichas telefônicas e orelhões, já fiz
isto. E também gostava, claro, de receber cartas. Detalhe: carta não é
encomenda, mas sentimento, confissão, amizade, intimidade, conversa especial
que não mais, ou muito pouco, existe. E também receber cartas, abrir envelopes,
sentir seus cheiros, desembrulhar os papéis de diferentes cores, encontrar
alguém, já o fi. Depois, com carinho, redobrar os
papéis, recolocar nos envelopes, se não muito estragados ao serem abertos, e
guardar tudo numa caixa especial, esta colocada num lugar também de afeto.
Relê-las? Sim, como quem reencontra o outro, para reavivar algo, instantaneamente, e,
se possível, fazer demorar, demorar-se ali, silenciosamente, tempo estendido.
Durante os anos, revê-las, mesmo que só imaginando-as, sabendo-as guardadas dos
outros, como um segredo entre duas pessoas que, talvez, já não mais se falem,
um amor despedaçado, uma amizade desfeita, mas, de algum modo, guardado ainda
intacto, seja memória de um tempo, de um ano, um verão, um inverno, uma viagem, uma
música (“a nossa música’, pensava-se com terna condescendência). Camadas de
vida, história. É disso que se trata o Entrelaços – crônicas epistolares,
de Tânia Du Bois, Projeto Passo Fundo. Ou, ao menos, foi como me tocou o livro.
E eu, que por fraqueza e comodismo deixei de escrever cartas, reacendo-me com
suas histórias, detalhes, vidas entrelaçadas que ali me estão à mão, para que
eu também, de alguma forma entrelaçado na trama, saiba-me vivo, apesar dos dias
turbulentos que todos vivenciamos.
SERVIÇO:
Entrelaços - crônicas epistolares
Tânia Du Bois
Projeto Passo Fundo
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