segunda-feira, 26 de novembro de 2018

BREVE PENSAR ENQUANTO O SOL DESCE




Twilight (1909) - Umberto Boccioni




Viajante, sei-me estrangeiro
de passos que já se cansam
sob o peso da viagem.

O que sei, saber possível
recolhido das andanças,
já se coloca à margem
dos homens mais apressados,
estes que inventam o agora
e, agitados, alegram-se
como quem descobre o fogo.

Velho, aprendo a viver.
Mas, como gastar a voz
deste saber mais profundo
se mais me conforta a sombra
que o rugido de mil mundos?

Por isso, mais admiro.
Por isso, mais observo.
E, se me permito algo,
sinto, pois, pena do homem.


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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PEQUENO LUGAR PERDIDO



Nogueira Régia




É uma nogueira,
o que sobrou dela,
como a oiticica,
um pouco mais adiante,
e estas de sem-nome
(os quais não aprendi),
todas mortas árvores,
paisagens de só-triste.
Ou, se preferires,
poemas de pé,
palavras guardadas
na seiva perdida,
imagens de pedra
que a terra sustém,
onde nosso amor
vive e se comove.

Atrás do casarão,
antes verde-sempre,
o pó de um milharal
extinto de anos muitos.

Apesar de não,
há pessoas, sim,
o que delas se lembra.
Conta-se de uma moça
que o vento sugere
vagando no branco
da névoa tranquila,
como se ontem fosse
e ainda houvesse
árvores e vida.


│Autor: Webston Moura│

sábado, 24 de novembro de 2018

TEMOR


Muito é temor.
Quase tudo é temor.

Sente-se.
Mais: investe-se.
Mais ainda: reinventa-se.

Tudo que se possa
e que se queira
ou não se queira,
por alguma razão
ou por todas,
assentadas as imagens na cabeça,
temor.

Para-se diante do espelho.
Ouve-se um barulho na porta dos fundos.
Pensa-se ser o famigerado fulano dito no rádio.
Não é. São os gatos.
Mas, agora é tarde: temor.

A água,
o ônibus,
o remédio,
o vizinho,
o carteiro,
o açougueiro,
o governo,
todos juntos na conspiração.
(Ninguém está vendo isso?!
É a nova ordem mundial, porra!!).
Temor.

Vamos beber?
Não! Faz mal!


│Autor: Webston Moura│

SE VOCÊ TIVER PACIÊNCIA


São muitos meses sem chuva,
demoras que quase não se findam.
Neste tempo, como o boi e o tamarineiro,
aguentar a existência e, se der, vivê-la.

Saiba, velho, que há tardes incômodas
a dar mais que aquilo que pedimos!
Estão, dia a dia, a nos cozinhar.
E, desta enormidade vazia de molhados,
é que te envio a poeira de um sobrevivente,
busca e remessa de amizade e lembranças.
Todavia, não tome por isto queixa!
Bicho nascido e crescido, sou daqui, sou aqui.

Ontem, à noite, fiquei sob o tamarineiro e dormi.
Eram águas tão suaves, as que me fizeram sonho.
Assim é, diz-se que é reinventar-se.
O tamarineiro que o diga.
E o boi, também.

Como diz o povo, se você tiver paciência...


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

SOBRE O EDUCADOR PAULO FREIRE


Paulo Freire, um honrado brasileiro.




Este blog não é para estas coisas, mas eu, o administrador, resolvi postar aqui mesmo. Vamos lá! Do perfil do professor Rudá Guedes Ricci, no Facebook, retirei o que se vê abaixo:

“Paulo Freire acabou com o nosso ensino”

Engraçado; ele não acabou com o da:

Austria - Instituto Paulo Freire

Alemanha - Paulo Freire Kooperation, Oldenburg

Finlândia - Paulo Freire Center

Holanda - Centro Paulo Freire, Vrije Universiteit Amsterdam

Portugal - Instituto Paulo Freire 

África do Sul - Paulo Freire Project, University of KwaZulu

Inglaterra - Freire Institute, University of Central Lancashire

Estados Unidos - Paulo Freire Democratic Project, Chapman University

Canada - The Freire Project

DOIS POEMAS DO NOVO LIVRO DO PEDRO DU BOIS


http://www.projetopassofundo.com.br/




Alguém descobre que as cores
atuam sobre os sentimentos: pintam
a sala de jantar
           de amarelo
           e o quarto
           de azul
           e o banheiro
           de verde: despintam o demônio
em cores retiradas do arco-íris.

Ao branco dizem significar
abstrações. O descolorido
envolve sentimentos
no que se faz anódino.

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Amo a inconsistência da chuva
no endurecer palavras. Contenho ternuras
no embasar discursos. No ultrapassado
recrio imagens: habito ocasiões
indiferentes. Olho apenas

o confortável: resseco dizeres
em reencontros. Desdigo adeuses
em divindades. Ao obstáculo
dirijo gestos de desconfiança.


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Poemas constantes de Tristeza & mínimo e a menor parte, de Pedro Du Bois, Projeto Passo Fundo, 2018. Pedro mantém o seguinte blog: http://pedrodubois.blogspot.com/. Para ler outros poemas do Pedro neste blog, clique [aqui]

SERVIÇO:
Tristeza & mínimo e a menor parte (poemas)
Pedro Du Bois
Projeto Passo Fundo

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O RIO QUANDO O SABÍAMOS


Não vá para o fundo, dizia a mãe.
O rio, que passava dentro da cidade,
nem estava tão cheio, pois era o tempo de estio.
Mas, continha água suficiente para nós,
pequenos aventureiros de cada manhã.

Íamos, mas não no perigo.
Exceto uns, por vocação de desobedecer,
atreviam-se e subiam em árvores à beira do rio,
na parte em que havia poços, diziam, água escura, funda.
Pulavam e faziam algazarra, mergulhavam, eram ágeis.
De longe, nós, os mais quietos, não os invejamos.
Gastávamos o tempo no fazer-nada que a água dá,
além de buscarmos, aqui e ali, piabas e outros bichinhos.

Do outro lado do rio, uma comunidade,
gente ainda mais pobre, sem luz elétrica,
sem água encanada, sem filtros de barro,
enfim, com muitas ausências,
mas sem graves tristezas.
Sorriam para nós enquanto passavam.

Sempre olhávamos o sentido da corrente,
para onde o rio se findava nalguma curva.
Que outros povos encontrava?
Que outras histórias percorria?

Disso tudo,
o rio interno que carregamos espelhado naquele,
águas que se foram e que voltaram
quando não estávamos mais lá.

Hoje,
perdendo tempo enquanto podem,
há crianças no rio,
naquele
ou no que dele restou?


│Autor: Webston Moura│

PEQUENA HISTÓRIA PARA ESPÍRITOS INFANTIS


Fomos buscar um não-sei-quê no mato, atrás da casa.
Já era noite, cedo ainda, mas noite,
o que, para crianças que éramos, irmãos pequenos,
havia de ter algum mistério.
Nosso pai nos levou, meio que subitamente,
como alguém que sabe, por experiência,
que crianças assuntam uma qualquer aventura,
ainda mais se é pela mão do pai,
num tempo onde pai era tudo.

Nada vimos, além da noite,
a escuridão, ela mesma o mistério:
paisagem ora parda, ora cinza;
pássaros no esconso, grilos e estrelas.

Concluímos, por uma razão de criança,
de o inusitado ter sido o pai
e seus comandos a nós,
uma fila indiana seguindo uma trilha,
acreditando desbravar algum eldorado
ou expulsar seres imaginados só por nossos extremos.
Fizemos, contra a rotina,
nossa pequena história de um pedaço de noite
que se vai perdido, exceto por este relato.


│Autor: Webston Moura│

SONHOS

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Alguns sonham o momento
                         o passado
                         o futuro

     alguns sonham o instante
                  em fulgurantes astros
                  cadentes em nuvens

alguns sonham a volta
                         na revolta
                         do mar revolto
                         amainado em brisas

alguns sonham a verdade
                             no espaço
                             das desculpas

alguns sonham que são felizes
                            e se realizam
                               ao acordar.

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DREAMS

Some dream about the moment
                                 the past
                                 the future

    some dream about the instant
               in flashing stars
               shooting in clouds

some dream about the return
                              in the revolt
                              of the rough sea
                              fallen in breezes

some dream about the truth
                             in the space
                             of apologies

some dream that they are happy
                           and it takes place
                                   upon waking.

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Poema do livro Imagem & Reflexo, de Pedro du Bois e Marina Du Bois (tradutora dos poemas para a língua inglesa), Projeto Passo Fundo, 2018 [http://www.projetopassofundo.com.br/]. Pedro De Bois mantém o seguinte blog: http://pedrodubois.blogspot.com/.

Para ler outros poemas do Pedro neste blog, clique [aqui].

ENTRELAÇOS – CRÔNICAS EPISTOLARES, de Tânia Du Bois



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Buscar papel, ausentar-se do mundo, trancar-se num quarto, escrever uma carta, mas não de uma vez só. No decorrer de dias, escrevê-la, percorrendo lembranças, intimidades, emoções, palavras mais em conta, alguma surpresa (ou novidade) a ser posta no papel. Envelopar, ir aos Correios, tomar a fila, esperar, concluir o ritual de quem, ansioso e alegre, se comunica, à distância, com um outro, pensamento firme e leve, sorriso em silêncio, cumplicidade. Já fiz isto. Num tempo em que havia menos crimes e mais confiança entre as pessoas; num tempo onde se utilizava fichas telefônicas e orelhões, já fiz isto. E também gostava, claro, de receber cartas. Detalhe: carta não é encomenda, mas sentimento, confissão, amizade, intimidade, conversa especial que não mais, ou muito pouco, existe. E também receber cartas, abrir envelopes, sentir seus cheiros, desembrulhar os papéis de diferentes cores, encontrar alguém, já o fi. Depois, com carinho, redobrar os papéis, recolocar nos envelopes, se não muito estragados ao serem abertos, e guardar tudo numa caixa especial, esta colocada num lugar também de afeto. Relê-las? Sim, como quem reencontra o outro, para reavivar algo, instantaneamente, e, se possível, fazer demorar, demorar-se ali, silenciosamente, tempo estendido. Durante os anos, revê-las, mesmo que só imaginando-as, sabendo-as guardadas dos outros, como um segredo entre duas pessoas que, talvez, já não mais se falem, um amor despedaçado, uma amizade desfeita, mas, de algum modo, guardado ainda intacto, seja memória de um tempo, de um ano, um verão, um inverno, uma viagem, uma música (“a nossa música’, pensava-se com terna condescendência). Camadas de vida, história. É disso que se trata o Entrelaços – crônicas epistolares, de Tânia Du Bois, Projeto Passo Fundo. Ou, ao menos, foi como me tocou o livro. E eu, que por fraqueza e comodismo deixei de escrever cartas, reacendo-me com suas histórias, detalhes, vidas entrelaçadas que ali me estão à mão, para que eu também, de alguma forma entrelaçado na trama, saiba-me vivo, apesar dos dias turbulentos que todos vivenciamos.

SERVIÇO:
Entrelaços - crônicas epistolares
Tânia Du Bois
Projeto Passo Fundo