domingo, 28 de setembro de 2014

A Vida Passa



Sad day (1942) - Toyen



Chorar em etrusco ou na varanda,
porque em mim já não caibo.

É fim de tarde: na rua, passam, lentamente,
umas senhoras, suas dores (quase) amansadas,
             dores que se convertem em diabetes
                                          e hipertensão
e o mais que os seus silêncios de mães
não pronunciam senão por olhares cabisbaixos.

Levam seus rosários; vão à missa.
eu as vejo com meus olhos já envelhecendo;
eu, que inda agora era jovem e supunha mudar o mundo,
quando sequer arranhei o muro,
exceto por umas insinuações poéticas.

(No alto céu, a noite a cair num cinza-azulado
em que o íntimo extasia a estrela e o pudor.)

Noutro tempo, longe,
plangem violões uma serenata:
escuto um nome ― Maria ―,
talvez aquela que,
no futuro,
nem mais se lembre de flor e vênus,
posto haver-lhe apenas sangue nas mãos,
                                 sal não-bendito
e vermelho, todo forte.

Adentro a casa em que moro,
vou à cozinha e sorvo uma dose de cachaça.
e, súbito, a voz que, em última esperança,
anuncia uma canção mínima:
estamos vivos no prezo do respirar.

A vida passa, sei, respirando.





│Autor: Webston Moura

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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