terça-feira, 31 de março de 2020

"As árvores finalmente despertam"






As árvores finalmente despertam.
Uma claridade nova rodeia já
a ameixoeira vestida de noiva
e as trovas em seus ramos
não tardarão a arrancar-nos das mãos
a insensibilidade fria do inverno.
Seremos então, amor, um rumor
alegre de água, a correr
no lugar das mágoas que já não são.
E falaremos de nós deslumbrados
apenas porque
uma brisa de março
subitamente nos tange o coração.


│LÍDIA BORGES, in GARÇAS (Poética, 2019)
│Ilustração ©Gemma Capdevila

domingo, 29 de março de 2020

CORAÇÃO DA ÁGUA





Ninguém sabe onde está
o coração da água
Volátil, incerto e sem costura

da condição da chuva
das lágrimas vorazes
Com nós de avidez e de sutura

de limpidez, de orvalho e no seu rasto
sequioso, incauto e inconstante
Tão lívido Tão pálido Tão exausto



│MARIA TERESA HORTA, in ESTRANHEZAS (D. Quixote, 2018)
│Fotografia: Beneath The Sea, de Martha Suherman

sexta-feira, 27 de março de 2020

REMANSO



Summer #3 - Richards Ruben


Não o tumulto de idas e vindas,
nada de encontros, nada.
Apenas a areia branca, despoluída,
o ar sereno, os pássaros bailando.
Onde se divisa um barco, ilusão:
ao longe, os fantasmas nascem.
Onde o som de uma voz, a impressão,
nada mais que isto, nem o que se imagine.
E as cores soltas se cruzando,
conforme o sol se repete no espaço.

Dia, noite, dia, noite...
Sabe lá o que é não precisar de relógio.



│Autor: Webston Moura│

A FÚRIA





A vida um tanto interditada:
muita novidade e pouca substância.
Os dias rolando, as coisas acontecendo,
tudo se enredando e caindo num fosso de esquecimento.

Olho ao espelho, certo dia, e me surpreendo
destes anos velozes, anos moídos sob agressiva luz,
anos em que tanto estive e, simultaneamente, não estive
aqui.

Há esta fúria que nos consome,
como algo que parece nem estar acontecendo.



│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 26 de março de 2020

INOCENTE



Untitled - Albert Oehlen



Teu nome,
o meu,
ali,
aos poucos,
desenho feliz,
que pousamos
no eterno.

Derrubaram a árvore
e construíram uma locadora.
E agora, depois de umas dez utilidades,
só o pequeno prédio fechado,
cadeado, corrente, escuro, silêncio.

Dá-me vontade, sabe, de compra-lo
e derrubar tudo; fazer voltar o vazio
e, nele, plantar outra árvore, uma muda,
esperar crescer e, novamente, pousar nossos nomes.

Sei, é loucura isso.
Mas, sabe, dá-me vontade exatamente disso,
de ter toda coragem que temos quando jovens
e aquela sensação de que nada nos deterá,
de que toda revolução, do amor ao mais, é possível
e que tudo depende apenas de dar um passo a frente.

Dá-me vontade de ser inocente, de novo.



│Autor: Webston Moura│

A PORTA QUE NÃO SE ABRE



Untitled - Hassan Massoudy



A porta que não se abre,
use-se de sabedoria alta ou popular;
use-se de força ou jeito.
A porta que não se abre,
como a presença mais incômoda,
mais que areia nos olhos;
mais que o mais imaginável obstáculo.

Ou seria tudo exagero,
vício do olhar,
máquina boba de um repetir-se,
canto alongado e perdido diante da parede?



│Autor: Webston Moura│

sábado, 21 de março de 2020

ESTAÇÃO VIDA




As ruas vazias.
Novamente, pode-se ouvir o vento
e a naturalidade de tudo o mais
que foi exilado pela nossa ruidosa presença.

Das janelas, uma alegria misturada com uma tristeza
e uma espancada esperança que se tenta segurar às mãos.

Diz-se que amanhã é (será) outro dia,
mas sabe-se que ainda há uma dor a ser percorrida.

É irônico que estejamos nisso tão juntos,
mas não possamos sequer apertar as mãos uns dos outros.

Entrincheirados, tentamos nos proteger do inimigo,
esta coisa invisível, silenciosa e disciplinada.



│Autor: Webston Moura│

terça-feira, 17 de março de 2020

"A claridade alastra..."






A claridade alastra
- no teu cabelo é sempre sul

a mão pousada na almofada
como se lhe tivesse escapado
um animal filtrado pela noite

esse teu sono tão satisfeito
de ignorar a vileza
dos que fazem o dia

respira
a minha vigília durará ainda
o tempo de dares por terminado
o filme supremo
o bocejo corolário

não há pressa

beijar-te-ei a face
como se me tivesses salvado


VASCO GATO, in UM PASSO SOBRE A TERRA (Língua Morta, 2018)
Fotografia: Cloaked Beauty, de Baden Bowen

MENTIMOS







Mentimos dizendo sermos poucos
somos muitos e estamos presentes
                                  desde sempre

nossa natureza
nossa maneira
nosso gênese

avançamos como conquistadores
      protetores insinuados
                   ladrões camuflados

insuflamos exércitos em nosso benefício
calamos multidões em divisões e trocas
fazemos sofrer o irmão no que nos toca

mentimos nesta pouca idade
o pão e a carne conseguidos
no esforço da pilhagem.

(Pedro Du Bois, inédito)



│Do blog do autor: http://pedrodubois.blogspot.com/

quinta-feira, 12 de março de 2020

PUBLICAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO DE "OS LUSÍADAS, de Luís de Camões



Luís de Camões


No dia 12 de março de 1572 foi publicada a primeira edição de "Os Lusíadas", de Luís Vaz de Camões, considerada "a epopeia portuguesa por excelência", que em dez cantos narra a viagem de Vasco da Gama à Índia e a aventura dos portugueses desde a fundação da nação.

A 1 de março de 2019, foi inaugurado no auditório do Camões, I.P., pelo Primeiro-Ministro português, António Costa, um mural do artista Vhils, com o busto de Camões, e cuja memória descritiva transcrevemos abaixo:

- Palimpsesto –

«Qual é significado de uma língua nos dias de hoje? É algo que cria pontes? Algo que se fez impor? Algo que nos une? Algo que facilita o crescimento económico e o interesse em criar um mercado maior? Algo que facilita a troca cultural? Algo que explora ou explorou? Algo que hoje nos transmite tudo aquilo que somos ou queremos ser através de comunicação no espaço público? Ou algo que nos transmite cultura e identidade? Algo que nos protege? Ou algo que nos afasta? Algo que nos dá? Ou que nos tira?

É tudo isso, na sua ambiguidade, e apenas será mais do que isso, quando a língua de Camões for de quem a fala hoje e não de quem a criou. A intenção desta obra é criar uma justaposição entre o passado e o futuro da utilização da imagem e da palavra de modo a expor uma época onde uma ponte se criou ou uma ferida se abriu.»

– Alexandre Farto aka Vhils


│Da página Instituto Camões



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Ver também:
- Os Lusíadas na Biblioteca digital Mundial: https://www.wdl.org/pt/item/14160/
- Os Lusíadas, por Alcir Pécora: https://www.youtube.com/GQCf8Dze5KI