sexta-feira, 3 de agosto de 2018

PRESSAS E ATRASOS


Na rodoviária,
o ninguém da multidão
indo e vindo,
sem nome,
só rostos
e coisas de carregar.

O nome do bêbado
(na mesma calçada),
caso o tenham dito,
nem se sabe mais:
o trânsito
(este dever,
esta sensação)
não nos deixa saber
nada além
de seu usufruto:
ir e vir, ser útil,
pagar e agradecer.

Na rodoviária,
um atraso
é um tipo de sorte:
uma senhora
de Tangará da Serra
conta-me
de filhos e viagens,
mostra-me a foto
do marido sumido
na Serra Pelada,
diz-me de uma ida
à Caiena, na Guiana,
e outras miudezas destas
que fazem a vida
valer pressas e atrasos.


│Autor: Webston Moura│

BAGAGEM


Esta bagagem
de miúdas solidões
que me pesam as palavras
e,
às vezes,
as impedem,
barrando-as,
fazendo-me engolir o cotidiano.

Esta bagagem
que não posso,
por acaso,
esquecer
na porta de uma lanchonete
ou sobre um banco de praça.

Esta bagagem,
os anos,
a luz e os obscuros nascidos disto,
sonhos ora calmos, ora aturdidos
com que me observo,
observando o mundo.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

DESENCONTRO


Da casa, o pó sobre tudo,
o tempo passou.
Aqueles dias não existem mais,
exceto como lembrança e mágoa,
alguma doçura, ilusões.

Na praça em frente,
refeita de cal e pedras novas,
outras crianças gritam e correm
─ e isso é o que dói.

A cidade,
transmutada de progresso hostil,
guarda pouca alegria e quase nenhum aconchego.
As pessoas, desconhecidas, correm
e pouco resta do que já houve.

Outra estação chega,
o inverno,
onde a luz se esconde
e os fantasmas,
revigorados,
hão de reviver com mais força.


│Autor: Webston Moura│

BLIMUNDA Nº 74 – JULHO/2018


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