Com o objetivo de
oferecer aos leitores um contato ainda mais próximo com nomes que já publicaram
pela casa, bem como ampliar o diálogo com os autores que constam em seu
catálogo, a Editora da UFC entrevista o escritor Pedro Salgueiro. Em uma
conversa franca e descontraída no Bosque Moreira Campos, no Centro de
Humanidades do Campus do Benfica, o autor nascido em Tamboril (CE) em 1964
rememora momentos importantes de sua vida e obra, destacando o papel da
Universidade Federal do Ceará (UFC) em sua carreira e apontando os rumos da
literatura produzida no Ceará.
EDIÇÕES UFC – Pedro, como
você começou a atuar na literatura?
PEDRO SALGUEIRO – Comecei
como leitor, lendo tudo o que aparecia, e aos poucos comecei a selecionar.
Quando surgiu o desejo de escrever, comecei pela poesia, na década de 1980, mas
outro gênero (a prosa) foi se impondo: O
peso do morto foi o primeiro conto que escrevi, inspirado em um crime
ocorrido nos Inhamuns. A esse tempo, em Fortaleza, os escritores já consagrados
integravam o Grupo Clã (ao lado deles, surgia uma nova geração de autores).
Moreira Campos, Dimas Macedo e Sânzio de Azevedo, dentre outros, foram os
primeiros a incentivar meus trabalhos literários.
EDIÇÕES UFC – Que livros
você publicou pela Editora da UFC e que importância teve essa parceria na sua
carreira?
PEDRO SALGUEIRO – Depois da
publicação do meu primeiro livro (também chamado O peso do morto) em 1995 pela Editora Giordano, de São Paulo, veio a lume no
ano seguinte O
espantalho, pela Coleção
Alagadiço Novo, da Editora da UFC: foi a estreia na minha terra, o Ceará, aos 32
anos. Na verdade, posso dizer que a UFC é minha casa intelectual; nela, estudei
durante oito anos: concluí o curso de História e cursei Agronomia até o sexto
semestre, tendo de me mudar para o Recife a fim de tomar posse em um cargo
público. Outro momento importante de minha história com a Universidade foi o
lançamento do Almanaque
de contos cearenses (1997), responsável por lançar a geração de 1990 dos
nossos prosadores, no bosque que iria receber o nome de Moreira Campos. Mais
adiante, em 2005, meu livro Dos
valores do inimigo foi indicado ao vestibular da UFC por dois anos
seguintes, e publicado pela casa: sem dúvida, foi um momento importante na
consolidação da minha carreira como escritor.
EDIÇÕES
UFC – Você é
originário de uma cidade da região dos Inhamuns, conhecida historicamente por
uma violenta luta entre famílias (os Montes e os Feitosas). Em seus contos, a
violência é um tema recorrente, e, nas crônicas, você passa ao leitor a
sensação de estar “exilado” na cidade grande, a ideia de que este não é o seu
lugar. De que modo, a seu ver, o lugar de origem exerce uma influência sobre a
temática escolhida por aqueles que escrevem?
PEDRO SALGUEIRO – Costumo
dizer que minha infância foi terrivelmente feliz, e ela acabou aos 15 anos,
quando tive de me mudar de Tamboril para Fortaleza a fim de cursar o Ensino
Médio. A partir daí, mantive uma relação ambivalente com a capital: após me
mudar para o Recife, percebi ter desenvolvido de fato uma relação afetiva com
ela, e, hoje, morando em Fortaleza já há 36 anos, reafirmo essa ligação, embora
minha relação com o sertão seja muito mais forte. Acredito que, na infância, o
indivíduo é como uma esponja seca que absorve tudo o que lhe ocorre, por não
existir ainda uma barreira chamada “razão”, a qual somente após a adolescência
começará a predominar. Desse modo, a maioria dos escritores tem nessa fase
inicial da vida – em que a fixação das emoções atinge toda a sua potência – uma
fonte especial de inspiração. Minha relação com o sertão, portanto, é muito
próxima, e aparece até mesmo no meu livro Fortaleza
voadora (2007), que
não enfoca apenas a capital cearense (a propósito, atualmente entregue aos
cuidados de Regina Ribeiro, uma nova coletânea de crônicas deve ser publicada
pela Fundação Demócrito Rocha em 2018).
PEDRO SALGUEIRO – Não diria
somente influências, mas confluências, pois, como afirmava o poeta Mário
Quintana, os caminhos não apenas se bifurcam (parafraseando Borges): diversas
veredas convergem para um caminho comum. Desse modo, eu citaria, dentre muitos
outros, Moreira Campos, Tchekhov, García Márquez, Juan Rulfo e Francisco
Carvalho. Quanto à gênese da minha criação, eu citaria novamente Tamboril,
sejam através de histórias ouvidas ou vividas. Na cidade grande, é mais difícil
entrar em contato direto com boas histórias, pois elas ficam esparsas,
diluídas... Por outro lado, como Fortaleza é formada em boa parte por pessoas
oriundas do interior do estado, existe sempre essa possibilidade. De todo modo,
a verdade é que onde quer que esteja o bicho-homem haverá histórias para contar.
EDIÇÕES UFC – Qual a sua
relação com a autoficção?
PEDRO SALGUEIRO – Todo autor
faz um pouco de autoficção, mesmo quando se serve do artifício da terceira
pessoa do singular. Na minha obra, eu citaria O
jogo de damas como um dos mais autobiográficos: o conto em questão
traz a história ficcionalizada de meu avô, na qual apareço como
narrador-personagem.
EDIÇÕES UFC – Qual o
lugar da linguagem em sua obra?
PEDRO SALGUEIRO – A linguagem
é uma questão fundamental na literatura. É preciso existir um casamento, uma
simbiose entre estilo e conteúdo: sem isso, um escrito não consegue ser bom.
EDIÇÕES UFC – Você teria
uma predileção pela literatura fantástica?
PEDRO SALGUEIRO – As duas
vertentes mais presentes na minha obra são o realismo e o fantástico. Não há
uma escolha propriamente dita: o conto impõe o seu ritmo e a sua alma. De todo
modo, a literatua fantástica me chama muito a atenção, e prova disso é a coletânea O cravo roxo do diabo: o conto fantástico no Ceará, um longo trabalho
de pesquisa, realizado com a ajuda de outros escritores, lançado por mim em
2011, apoiado pela Secretaria da Cultura do Governo do Estado do Ceará, e que
reúne quase todos os escritores cearenses que enveredaram por esse caminho
pedregoso do fantástico.
EDIÇÕES UFC – Quais os
maiores desafios para um aspirante a escritor no Ceará?
PEDRO SALGUEIRO – Graças ao
livro digital, hoje é muito mais fácil publicar. O verdadeiro mar que é a
internet permite a diversificação de estilo e de público, impondo, por outro
lado, a dificuldade de obter destaque em meio a tantas publicações. Já para os
leitores, a dificuldade é exatamente encontrar qualidade literária em meio a um
volume impressionante de informação: o desafio maior é separar o joio do trigo.
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EDIÇÕES UFC – Quais os
maiores benefícios do livro digital?
PEDRO SALGUEIRO – Acredito
poder falar com alguma propriedade sobre esse tema por ter sido um dos
primeiros a publicar, no Ceará, nesse formato, o também chamado e-book. Isso se
deu a partir do Prêmio Guimarães Rosa, concedido pela Rádio França
Internacional, de Paris, que, em parceria com a Editora 00h00, resolveu lançar
uma coletânea com os contos dos autores premiados (os meus textos, que
integravam essa antologia, originaram o livro Brincar
com armas, publicado na
versão impressa pela Editora Topbooks, do Rio de Janeiro, no ano 2000). O livro
digital tem maior alcance [de distribuição], podendo ser lido em qualquer parte
e em diferentes suportes (computador, celular, etc.). Ele é sinônimo de menos
dependência das editoras de livros impressos por parte dos autores, implicando
também menores custos. Ainda não existem muitos parâmetros para avaliar toda
essa revolução tecnológica em curso com a internet, mas não sou pessimista.
Acho que a sociedade chegará a um ponto em que quantidade e qualidade ofertada
estarão em equilíbrio: as pessoas vão aprender a conviver com o excesso de
informação e a superficialidade dos conteúdos, selecionando o que for
importante.
EDIÇÕES UFC – A seu ver,
para que serve a literatura?
PEDRO SALGUEIRO – A
literatura serve para entender o homem e a sua luta na Terra, e com outras
armas além da “razão”, servindo como um caleidoscópio de experiências e
mostrando novos ângulos a partir dos quais se possa enxergar o mundo.
Somando-se a outras ciências, a literatura traz o conhecimento amplificado de
uma sociedade.
EDIÇÕES UFC – Além de
atuar diretamente na literatura produzindo crônicas e contos, você também tem
um trabalho de destaque na descoberta de novos autores, por meio de revistas e
almanaques organizados por você junto a outros autores. Para onde está indo a
literatura feita no Ceará, a seu ver?
PEDRO SALGUEIRO – Acredito
que, além de fazer seu trabalho, individualmente, todo escritor deve atuar
também em projetos coletivos. Meu trabalho mais importante, nesse sentido, foi
a antologia O
cravo roxo do diabo: o conto fantástico no Ceará (2011). Minha
atuação em prol da coletividade, entretanto, iniciou-se com o Almanaque de contos cearenses (1997), seguido das revistas Caos portátil (quatro edições até hoje) e Para mamíferos, iniciada em 2009 e também em sua quarta edição (2017).
Essas publicações reuniram, em sua maioria, autores inéditos, lançando novos
nomes na literatura local e nacional. A literatura produzida no Ceará, a
propósito, está se tornando cada vez mais diversificada e encontrando novos
canais de divulgação, com o aumento de grupos de literatura, oficinas de
escrita literária, lançamentos de antologias, realizações de workshops. Toda essa diversidade, a meu ver, tanto vai trazer
trabalhos de qualidade como vai efetivar um trabalho de formação de leitores.
Em 5 de fevereiro de 2018, pelo portal Edições UFC:
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