Mostrando postagens com marcador Fernando Pinto do Amaral. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Fernando Pinto do Amaral. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Eco



É mais fácil partir quando o silêncio

transpõe a tua voz.
Mais simples celebrar a tão efémera
certeza de estares vivo.

A música do ar esvai-se nas sombras,
tu sabes que é assim,
que os dias correm céleres, não tentes
perseguir o seu rasto – repara
como em abril as aves são felizes.

Sê como elas: não perguntes nada,
deixa que o sol responda à flor da tarde

e esquece-te do mundo.



|Autor: Fernando Pinto do Amaral|




..........................................................

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

RELÂMPAGO









Rompe-se a escuridão quando ao olhar
para uma face o mundo se ilumina
com uma claridade repentina
capaz de, só por si, fazer brilhar
.
a substância tão irregular
de tudo o que se acende na retina
e através da luz se dissemina
por entre imagens vãs, até formar
.
um fluido movimento, uma paisagem
a que estes olhos quase não reagem
salvo se nesse instante o rosto for
.
transfigurado pela fantasia.
E às vezes é só isso que anuncia
aquilo a que chamamos o amor.



│FERNANDO PINTO DO AMARAL (Relógio D'Água, 1997)
│Ilustração de © Sonja Wimmer

sábado, 29 de fevereiro de 2020

SEGREDO



Aguarela e guacho: Seagulls,
por © Donna Carlisle Noice


Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.

FERNANDO PINTO DO AMARAL, in ÀS CEGAS (Relógio d' Água, 1997)

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Eco



Vagas são as promessas e ao longe,
muito longe, uma estrela.

Cruel foi sempre o seu fulgor:
sonâmbulas cidades, ruas íngremes,
passos que dei sem onde.

Era esse o meu reino e era talvez essa
a voz da própria lua.
Aí ficou gravada a minha sede.
Aí deixei que o fogo me beijasse
pela primeira vez.

Agora tenho as mãos vazias,
regresso e sei que nada me pertence
─ nenhum gesto do céu ou da terra.
Apenas o rumor de breves sombras
e um nome já incerto que por mágoa
não consigo esquecer.


│Autor: Fernando Pinto do Amaral

domingo, 27 de setembro de 2015

Memória


Para Inês



Aprende o infinito, recupera
a distraída bússola da alma
pouco a pouco sonâmbula, o exausto
sabor da tua vida enquanto é mais
que um recado de lume no teu corpo,
que a promessa da febre no teu sangue,
e aprende sobretudo a suspender
o tempo quando abraça quem morreu
só pra ressuscitar dentro de ti
ao cumprir a memória incandescente
dos dias que o amor transforma em meses,
dos meses que o amor transforma em anos,
dos anos que o amor rasga e entrega
ao rosto azul do céu e destes versos.

.......................
# Poema constante de "Poemas Escolhidos", de Fernando Pinto do Amaral.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Palavras


Sentas-te ainda à mesa ― escreves
palavras tão compactas, tão opacas
como a luz que te cega. Cada dia
promete o infinito em meia dúzia
de palavras ― amor,
a vida, o tempo, a morte, a esperança,
o coração. Repete-as,
repete-as muitas vezes em voz alta
e escuta a sua música
até não quererem dizer nada.



│Autor: Fernando Pinto do Amaral
___________________________