quarta-feira, 7 de novembro de 2018

PEQUENA HISTÓRIA PARA ESPÍRITOS INFANTIS


Fomos buscar um não-sei-quê no mato, atrás da casa.
Já era noite, cedo ainda, mas noite,
o que, para crianças que éramos, irmãos pequenos,
havia de ter algum mistério.
Nosso pai nos levou, meio que subitamente,
como alguém que sabe, por experiência,
que crianças assuntam uma qualquer aventura,
ainda mais se é pela mão do pai,
num tempo onde pai era tudo.

Nada vimos, além da noite,
a escuridão, ela mesma o mistério:
paisagem ora parda, ora cinza;
pássaros no esconso, grilos e estrelas.

Concluímos, por uma razão de criança,
de o inusitado ter sido o pai
e seus comandos a nós,
uma fila indiana seguindo uma trilha,
acreditando desbravar algum eldorado
ou expulsar seres imaginados só por nossos extremos.
Fizemos, contra a rotina,
nossa pequena história de um pedaço de noite
que se vai perdido, exceto por este relato.


│Autor: Webston Moura│

SONHOS

http://www.projetopassofundo.com.br/




Alguns sonham o momento
                         o passado
                         o futuro

     alguns sonham o instante
                  em fulgurantes astros
                  cadentes em nuvens

alguns sonham a volta
                         na revolta
                         do mar revolto
                         amainado em brisas

alguns sonham a verdade
                             no espaço
                             das desculpas

alguns sonham que são felizes
                            e se realizam
                               ao acordar.

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DREAMS

Some dream about the moment
                                 the past
                                 the future

    some dream about the instant
               in flashing stars
               shooting in clouds

some dream about the return
                              in the revolt
                              of the rough sea
                              fallen in breezes

some dream about the truth
                             in the space
                             of apologies

some dream that they are happy
                           and it takes place
                                   upon waking.

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Poema do livro Imagem & Reflexo, de Pedro du Bois e Marina Du Bois (tradutora dos poemas para a língua inglesa), Projeto Passo Fundo, 2018 [http://www.projetopassofundo.com.br/]. Pedro De Bois mantém o seguinte blog: http://pedrodubois.blogspot.com/.

Para ler outros poemas do Pedro neste blog, clique [aqui].

ENTRELAÇOS – CRÔNICAS EPISTOLARES, de Tânia Du Bois



http://www.projetopassofundo.com.br/



Buscar papel, ausentar-se do mundo, trancar-se num quarto, escrever uma carta, mas não de uma vez só. No decorrer de dias, escrevê-la, percorrendo lembranças, intimidades, emoções, palavras mais em conta, alguma surpresa (ou novidade) a ser posta no papel. Envelopar, ir aos Correios, tomar a fila, esperar, concluir o ritual de quem, ansioso e alegre, se comunica, à distância, com um outro, pensamento firme e leve, sorriso em silêncio, cumplicidade. Já fiz isto. Num tempo em que havia menos crimes e mais confiança entre as pessoas; num tempo onde se utilizava fichas telefônicas e orelhões, já fiz isto. E também gostava, claro, de receber cartas. Detalhe: carta não é encomenda, mas sentimento, confissão, amizade, intimidade, conversa especial que não mais, ou muito pouco, existe. E também receber cartas, abrir envelopes, sentir seus cheiros, desembrulhar os papéis de diferentes cores, encontrar alguém, já o fi. Depois, com carinho, redobrar os papéis, recolocar nos envelopes, se não muito estragados ao serem abertos, e guardar tudo numa caixa especial, esta colocada num lugar também de afeto. Relê-las? Sim, como quem reencontra o outro, para reavivar algo, instantaneamente, e, se possível, fazer demorar, demorar-se ali, silenciosamente, tempo estendido. Durante os anos, revê-las, mesmo que só imaginando-as, sabendo-as guardadas dos outros, como um segredo entre duas pessoas que, talvez, já não mais se falem, um amor despedaçado, uma amizade desfeita, mas, de algum modo, guardado ainda intacto, seja memória de um tempo, de um ano, um verão, um inverno, uma viagem, uma música (“a nossa música’, pensava-se com terna condescendência). Camadas de vida, história. É disso que se trata o Entrelaços – crônicas epistolares, de Tânia Du Bois, Projeto Passo Fundo. Ou, ao menos, foi como me tocou o livro. E eu, que por fraqueza e comodismo deixei de escrever cartas, reacendo-me com suas histórias, detalhes, vidas entrelaçadas que ali me estão à mão, para que eu também, de alguma forma entrelaçado na trama, saiba-me vivo, apesar dos dias turbulentos que todos vivenciamos.

SERVIÇO:
Entrelaços - crônicas epistolares
Tânia Du Bois
Projeto Passo Fundo

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

PRESSAS E ATRASOS


Na rodoviária,
o ninguém da multidão
indo e vindo,
sem nome,
só rostos
e coisas de carregar.

O nome do bêbado
(na mesma calçada),
caso o tenham dito,
nem se sabe mais:
o trânsito
(este dever,
esta sensação)
não nos deixa saber
nada além
de seu usufruto:
ir e vir, ser útil,
pagar e agradecer.

Na rodoviária,
um atraso
é um tipo de sorte:
uma senhora
de Tangará da Serra
conta-me
de filhos e viagens,
mostra-me a foto
do marido sumido
na Serra Pelada,
diz-me de uma ida
à Caiena, na Guiana,
e outras miudezas destas
que fazem a vida
valer pressas e atrasos.


│Autor: Webston Moura│

BAGAGEM


Esta bagagem
de miúdas solidões
que me pesam as palavras
e,
às vezes,
as impedem,
barrando-as,
fazendo-me engolir o cotidiano.

Esta bagagem
que não posso,
por acaso,
esquecer
na porta de uma lanchonete
ou sobre um banco de praça.

Esta bagagem,
os anos,
a luz e os obscuros nascidos disto,
sonhos ora calmos, ora aturdidos
com que me observo,
observando o mundo.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

DESENCONTRO


Da casa, o pó sobre tudo,
o tempo passou.
Aqueles dias não existem mais,
exceto como lembrança e mágoa,
alguma doçura, ilusões.

Na praça em frente,
refeita de cal e pedras novas,
outras crianças gritam e correm
─ e isso é o que dói.

A cidade,
transmutada de progresso hostil,
guarda pouca alegria e quase nenhum aconchego.
As pessoas, desconhecidas, correm
e pouco resta do que já houve.

Outra estação chega,
o inverno,
onde a luz se esconde
e os fantasmas,
revigorados,
hão de reviver com mais força.


│Autor: Webston Moura│

BLIMUNDA Nº 74 – JULHO/2018


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segunda-feira, 30 de julho de 2018

CAJARANAS ROUBADAS


Éramos amigos, éramos crianças.
Ainda não existiam os interesses,
essas coisas de homens adultos,
todas essas importâncias
com que lutamos
(uns com os outros)
até a morte.

Éramos crianças na praça,
sem horas terrivelmente marcadas,
sem levar às mãos às partes sofridas do corpo,
sem outros medos que não os do pai.

Nós nos entendíamos,
tu e eu,
mesmo nas discórdias,
que até essas eram nobres.
Nós nos entendíamos,
tu e eu,
com o rosto sujo,
o riso fácil
e cajaranas roubadas de outro quintal.


│Autor: Webston Moura│

TRIPLOV




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sábado, 28 de julho de 2018

ABDUZIDOS




Symphony in Grey anda Green: The Ocean (1866-1872)
- James McNeill Whistler




Objeto de sentir inteiro,
ver o mar é pouco.
Mesmo de olhos fechados,
o som, o vento e os cheiros
nos abduzem.

Ali na praia,
ainda que seguros na areia
e nas constatações da física,
somos viajantes.

O mar nos desperta
para o passado já esquecido
e nos devolve,
inebriados,
ao Todo
─ ou à ilusão bendita Dele.



│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

A PRIMAVERA, SEMPRE


Esta valsa dentro da cabeça,
a casa vazia,
o tempo.

Teus olhos,
vividez sem fim,
lembrança minha.

Dizem que é dor,
ingenuidade,
teimosia,
coisa de velho.

Não nego,
nem confirmo:
apenas digo
que á a primavera
(de Chopin,
obviamente*).


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│

_________________

NOTA:
A Primavera, de Chopin, é, na verdade, "Mariage d'amour", ao menos na versão que o administrador deste blog encontrou na web. Sobre o assunto, curiosa esta nota encontrada na Wikipedia:


Mariage d'amour (Inglês: Casamento de Amor) é uma peça de piano solo francês, composta por Paull de Senneville em 1979, e pela primeira vez pelo pianista Richard Clayderman de seu álbum "Lettre À Ma Mère" em 1979. Mais tarde, o pianista George Davidson realizada esta peça de música de seu álbum "My Heart Will Go On" com uma versão ligeiramente diferente. Esta versão às vezes é erroneamente atribuída a Frédéric Chopin como "Spring Waltz" por causa de um upload no YouTube com o título errado, que alcançou mais de 34 milhões de visualizações antes de ser finalmente removido. A partir de maio de 2018, várias novas cópias com esse título errado estão disponíveis no YouTube, e uma delas alcançou mais de 30 milhões de visualizações. [https://en.wikipedia.org/wiki/Mariage_d%27amour].

O TAMARINDEIRO


Velho, mas ainda forte,
dando sombra e algum fruto,
resistindo às chuvas,
pairando no silêncio,
pouso breve de algum viajante,
o tamarindeiro.

Em seu caule,
dois nomes cicatrizados
e unidos só neste enquanto,
que as pessoas não deram a mesma sorte.

De seiva escorrida e pedrada,
uma declaração que se pôs em não:
Te amo....


│Poema da Série “Árvores” – Autor: Webston Moura│

sexta-feira, 27 de julho de 2018

BRINCADEIRA


Pegávamos talos de carnaubeira
e fazíamos espadas e cavalos.
Melhor que fosse sábado, pois não tinha aula.
Dividíamo-nos em grupos e combatíamos,
mas sem ferimentos ou violências outras.
Era uma brincadeira apenas.

Havia os meninos mais engenhosos,
os que faziam os cavalos um pouco mais bonitos.
Mas, cavalos e espadas prontos, a beleza requerida
era mais a de imaginarmo-nos guerreiros de terras distantes.

Horas depois, suados e felizes,
deixávamos os brinquedos nalgum ermo, num terreno qualquer,
onde o sol e a chuva devolveriam a natureza à terra.
E, sempre que precisássemos, existiam carnaubeiras sem fim.
Carnaubeiras e, claro, carnaubais, onde o vento, quando bate,
faz som de marés nas folhas, como se o próprio mar, levantado e aéreo,
percorresse o sertão, livre, também brincante.


│Autor: Webston Moura│

O CACIMBÃO


Era um cacimbão grande, fundo.
Embora desativado, ainda continha água,
uma água escura, quieta.
Na escola, era um dos lugares mágicos,
mesmo que isso se desse por medo.
Íamos ali, à sua boca, olhar
e temíamos aquelas paredes descascadas,
aquela água parada, a parecer antiga,
onde algum monstro havia de morar,
para sair durante a noite.

Um dia, um gato caiu no cacimbão.
Um garoto, astuto de sua natureza,
fez um laço e o retirou lá de dentro,
içou-o à borda, salvando-o.
Aplaudimos nosso herói.
Até a diretora gostou.

Os anos se passaram.
Sem perceber, estávamos maiores
e atentos ao andar das meninas.
Suas saias eram tão bonitas.
Seus perfumes, seus cabelos.
Foi assim que nos esquecemos do cacimbão,
ao menos de olhá-lo tanto.
Mas, nunca o deixamos totalmente.

Dizem que ele não existe mais,
que fora aterrado com entulho
e que lhe pesam,
sob a escuridão da terra,
muitas toneladas de memória.


│Autor: Webston Moura│

PEQUENA CRÔNICA DE UM POVOADO EXTINTO


Havia umas velhas máquinas,
já carcomidas de ferrugem.
Abandonadas ao nosso olhar de criança,
não eram desusos, mas invenções de mundos.
Para trás das casas, a mata, onde se ia buscar mel e juá,
além do mais que os adultos necessitavam.

Todos éramos muito iguais,
mas da igualdade que não letargia.
Éramos iguais de conviver,
iguais da vizinhança familiar.

Bem por isso os discos voadores
e as estórias de visagens eram mais sonháveis,
os medos eram mais lúdicos
e os assaltos eram apenas assunto de TV.

Um dia,
puseram fogo na plantação,
por acidente,
o que, para nós,
em vez de problema,
foi visto como quebrar a rotina:
crianças, adolescentes e adultos
correndo com água para tudo apagar,
praticamente uma gincana.
Mas, do outro lado,
as máquinas não pegaram fogo,
protegidas por uma civilização alienígena
que ali desempenhava futuros projetos de invasão da Terra.


│Autor: Webston Moura│