sábado, 29 de fevereiro de 2020

ODE À CONSTIPAÇÃO



Técnica mista ©Andrea Harms


Dr. Bayard vou-me suicidar com Vicks
viver é sobreviver a uma criança constipada
a Aspirina não cura as dores da alma
a literatura inclusa não basta
ingerirei também rebuçados do Dr. Bentes
e pastilhas Valda


│Autora: Adília Lopes

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

MARAVILHA



Cosmos Nº 2 -  Martha Boto



Se meu coração te encontra,
concentra estas águas dispersas
e as faz ordem, lagoa, pouso.

Se meu coração te encontra,
deito ao lado a bagagem
e corro na chuva.

(Você se lembra de quando era livre?)
Autor: Webston Moura│



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O BARCO



Menhir II - Sheila Hicks


Vai um pequeno barco ao mar.
Olho-o, demoradamente, e ele segue.
Volteia, longe, um ponto na névoa da umidade.
Frágil, mas suficiente, não vira, tampouco afunda.
Sabe equilibrar-se lá e cá, como se dançasse.

Acompanho-o até o fim, para perder-me de mim
e ter, novamente, o nascer das coisas.


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O GATO



Cats - Franz Marc


Vem lá o gato e passeia, olha,
come e bebe, depois vai-se, cauteloso,
pata aqui, pata ali, um salto,
muro este, muro aquele,
um telhado, some-se.
É perigosa sua vida:
cães e humanos o observam.
À noite, se preciso, briga com um igual,
bate, apanha e amanhece sisudo, cara de ressaca.
Em geral, faz silêncio.
E seu olhar me examina,
parece me inquirir desta minha vida acostumada.
Bem queria, imagino, convidar-me a sair por aí
e, tarde, olharmos o luar
quando o mesmo desce pelo orvalho
em tons prata e azul.


│Autor: Webston Moura│

AMARES



Não rever
a figura humana
trazida
em berço
ou barco

saber do desencontro
começado hoje

não sentir tristeza
da saudade vista
em seus olhos

o esquecimento cobre os passos
desajustados dos não amantes
inconfessados em tempos
vazios de humanidades.

(Pedro Du Bois, AMARES)

│Do blog do autor: http://pedrodubois.blogspot.com/

A BELEZA



Still Life Flowers - Gregoire Boonzaier



Porque a beleza existe e carecemos vê-la.
Num boi, no vento, na umidade da escura noite,
na passagem da vida à secura destas flores que agora vicejam.

│Autor: Webston Moura│

O SEMEADOR



The Sower - Ivan Grohar


Alarmam-se os pássaros em redor, mas sem real perigo.
O chão, endurecido de sua espera, recebe as sementes,
mas ainda mais: a súplica esperançosa da mão que o toca.
O homem, semeador que se põe, anda o dia inteiro na função.
Névoa, sol, mês passado, manhã seguinte: futurar é preciso.
Sabe-se que a terra gosta disso e, se calhar, até se alegra.
Ao homem o labor que o espera e, amanhã, a alegria da colheita.


│Autor: Webston Moura│

A CASA



Voltar à casa que outrora fomos;
rever seus espaços, um a um;
relembrar as tardes e os fins de ano,
as férias, algazarras, as noites de chuva.

Abrir o álbum e fazer silêncio
enquanto ventos remanescentes
varrem o carnaubal.

│Autor: Webston Moura│

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Blimunda # 91 – janeiro de 2020




A primeira Blimunda deste ano dá espaço ao trabalho do ilustrador português José Feitor. Também merecem destaque: um balanço da década na área de livros para os mais pequenos e as publicações infantojuvenis que prometem marcar este começo de ano. Na Saramaguiana, uma crónica de José Saramago e um texto em sua homenagem escrito pela professora e tradutora Dulce María Zúñiga. Façamos, com as nossas mãos, um bom 2020

│Do website da Fundação José Saramago: https://www.josesaramago.org/

NOTÍCIA DE JORNAL RELATA A GRANDE INCINERAÇÃO DE LIVROS DO ESCRITOR BAIANO JORGE AMADO



https://www.facebook.com/iconografiadahistoriaoficial/


O ato ocorreu a mando do interventor do Estado da Bahia, em 1937, período ditatorial conhecido como Estado Novo.

Em 1937, Getúlio Vargas implantou uma ditadura no Brasil, usando como justificativa para o autogolpe um fajuto documento denominado "Plano Cohen". A farsa se sustentou através de várias ações simbólicas do governo federal e estaduais. Para provar que o Brasil estava combatendo o pensamento comunista, o recém empossado interventor da Bahia (uma espécie de governador), com permissão do próprio Vargas, mandou incinerar 1827 livros, na Praça Cayru, Avenida Contorno, em Salvador. 90% das obras queimadas eram do escritor baiano Jorge Amado, que acabara de lançar, naquele mesmo ano, sua obra mais conhecida: “Capitães de Areia”, a história de um grupo de garotos de rua abandonados pelo Estado e convivendo com a imensa desigualdade social e pobreza típicas de países pobres. Além de outras obras do autor, também foram destruídos na fogueira da ignorância livros de José Lins do Rêgo, que nem era filiado ao Partido Comunista, obras de Graciliano Ramos, autor que posteriormente seria preso pelo regime.

Aos gritos e movidos pela euforia e felicidade, muitos brasileiros comemoraram a incineração das obras, sem perceber o perigo que é uma sociedade queimar livros, pois todo caos começa incinerando ideias, para, posteriormente, queimar pessoas.

Texto - Joel Paviotti
│Da página Iconografia da História:

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

7 DE FEVEREIRO - DIA NACIONAL DE LUTA DOS POVOS INDÍGENAS


https://www.facebook.com/MovimentoSemTerra/


O dia 7 de fevereiro marca o assassinato de Sepé Tiaraju, cacique Guarani que simboliza a luta indígena e pela soberania dos povos.

No século XVIII, ele liderou o povo indígena dos Sete Povos das Missões na defesa das suas terras, contra Portugal e Espanha.

Essa resistência desencadeou novos movimentos de luta indígena, após a sua morte, durante uma batalha com os espanhóis.



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https://www.facebook.com/apiboficial/



Dia de luta e resistência, venha se unir a luta dos povos indígenas em defesa dos nossos direitos, a nossa luta e resistência é em defesa da vida, é hora de somar conosco e defender nossos territórios, é a nossa luta que garante a vida do planeta!

A data

Em 7 de fevereiro, é celebrado o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas. Instituída pela Lei nº 11.696, de 12 de junho, a data foi escolhida em homenagem a Sepé Tiajaru, líder indígena que tentou combater o domínio português e espanhol no estado do Rio Grande do Sul, no período colonial.

Sepé Tiaraju foi um indígena guarani, líder dos Sete Povos das Missões, que enfrentou os exércitos português e espanhol. Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, por meio do qual fariam uma troca de territórios, sendo que um desses territórios pertencia ao povo guarani. Em 07/02, Sepé foi morto em combate, e essa data inspirou o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas.

As pessoas que tiveram acesso ao ensino das escolas já devem ter ouvido que os povos indígenas estavam no Brasil quando o país foi invadido por Pedro Álvares Cabral e outros colonizadores. No entanto, nem todas as pessoas sabem que esses povos, apesar de todo o sofrimento e da escravidão, continuam existindo no território brasileiro, lutando por terras e por reconhecimento de suas identidades. Hoje, aprenda mais sobre as necessidades das pessoas indígenas e descubra o que fazer para mudar essa realidade!

│Da página da Apib: https://www.facebook.com/apiboficial/


TERRA



A cidade
apaga
a terra

subsolo
sob nada
sobretudo
a cidade
esconde
a terra
esterilizada
em camadas
concretadas

a terra ressurge
sobre os escombros.

(Pedro Du Bois, CASAS EM PEDRAS, Edição do Autor)

│Do blog do autor: https://pedrodubois.blogspot.com/



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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

CENSURA A LIVROS EM RONDÔNIA






Machado de Assis, Ferreira Gullar, Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Franz Kafka e Edgar Allan Poe são alguns dos autores cujos livros a Secretaria de Educação de Rondônia mandou recolher das escolas. “A justificativa é a de que as obras contêm ‘conteúdo inadequado às crianças e adolescentes’”, conforme matéria do jornal O Globo: https://oglobo.globo.com/.


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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

MOVIMENTO NA NÉVOA (SOBRE EDUARDO COUTINHO)



Eduardo Coutinho



por: Felipe Bragança,


Seis anos atrás, perdíamos um dos nossos mais brilhantes e sensíveis cineastas. Em homenagem à data, recuperamos este texto escrito pelo cineasta Felipe Bragança para o número 22 da revista Margem Esquerdaa este que é amplamente considerado o mais importante documentarista brasileiro. Para se aprofundar no tema, recomendamos também o livro Sete faces de Eduardo Coutinho, escrito pelo jornalista Carlos Alberto Mattos e publicado em 2019 pela Boitempo, pelo Itaú Cultural e pelo Instituto Moreira Salles.

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O espaço vazio e a palavra tentando organizá-lo. Como escolher a palavra certa, o gesto certo e definidor? Eduardo resmungava muito enquanto fazíamos a entrevista naquele simples e quase vazio escritório no Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip), no centro do Rio de Janeiro. Lembro-me de entrar na sala e ouvi-lo perguntar para mim: “Você existe mesmo?”. A pergunta vinha porque Coutinho já tinha lido algumas coisas minhas sobre seus filmes (nos velhos tempos em que eu escrevia em sites de cinema), mas nunca tínhamos nos visto frente a frente. Faltava o encontro. O encontro. A fumaça de cigarro que subia pela sala ia adensando a sensação de que Coutinho olhava o mundo através dessa desencantada e alegre camada de dúvida, titubeio e apreensão – a névoa alegre de toda pergunta. “Mas como fazer uma entrevista, Felipe? Mas como saber se o que eu disse agora sou eu mesmo daqui a cinco minutos, entende?”

A ideia de que nossa conversa pudesse ser publicada futuramente em um livro assustava Coutinho. Imaginar que a palavra dita por ele, deslocada de seu corpo, rosto e gestual, pudesse se tornar ditadora, limitada e limitadora de ideias era algo que tirava aquele homem do conforto. Eduardo não gostava de comentar filmes que não os dele, nem de definir objetos fora de seu método. Achava que todo gesto de análise era insuficiente e se dedicava às brechas, ao espaço misterioso entre os objetos – aquele espaço, sim, tinha a existência nobre das coisas porosas que lhe enchiam os olhos de brilho. E os olhos de Coutinho brilhavam falando de cinema. Por isso, a conversa emergia como centro da dramaturgia documental de seus filmes. A conversa tinha esse dom da fragilidade, da eternidade passageira, da sobrevivência corajosa no tempo, e nunca o orgulho de um ditame vitorioso, pronto, apaziguado. Aquele homem, tão aparentemente pragmático e metódico, procurava milagres.

E nessa procura, Coutinho gostava de se resmungar, de se questionar, de achar que tudo podia dar errado – e transpirava prazer nesse limiar do risco. Filmar assombrado por essa dúvida. Filmar perplexo. O titubear diante da vida como um gesto criador. Um gesto que nos desviava da ditadura dos temas e recortes do cinema moderno (determinista e analítico em seu gesto primordial), mas que também driblava a arapuca contemporânea da contemplação, da inação diante dos dilemas do nosso tempo, da observação passiva que se tornou um pobre sinônimo de um cinema “aberto” nos anos 1990 e começo dos 2000.

Observem bem: Coutinho nunca fez sequer um filme único plano de contemplação. Seu cinema é abismado, desconfiado, ruminante, maravilhado. A arte do cinema de Coutinho não é a arte que organiza o mundo para nosso entendimento ou para nossa observação inerte, mas é a arte que amplia de forma generosa nossas possibilidades de continuar investigando, buscando um pouco mais, se mantendo fora do sossego da tese pronta, do certo e do errado, do júbilo fácil da certeza – ideológica, moral, estética.