terça-feira, 4 de julho de 2017

ESTRANHOS



Vigiamo-nos.
Nada mais é natural.
No perde-e-ganha, jogo insosso e agudo, sofremos.
E, sós, não imaginamos saídas.
Tocamo-nos, mas com a cisma de um estrangeiro
                                adentrado a uma terra estranha.

Nossas casas ─ lares não mais ─
guardam o torpor dos nossos corpos.

E o tempo escorre sua toda aridez no nosso sangue.


│Poema da Série “Medo” – Autor: Webston Moura│


AQUELE CÃO



The Madness of Fear (1819) - Francisco Goya




Ao pé do portão, aquele cão de cismada figura, a dormir.
Quem sabe o que lhe passa ao coração?

Se me ponho de pé até com os móveis,
não seria, pois, minha a cisma?

Não lembro outro tempo
que não seja este,
           o do temor.
Meu corpo adquiriu esse saber
e o sabe com a mais fina destreza.

Aquele cão!


│Poema da Série “Medo” – Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 17 de maio de 2017

O PIANO



Não sabe onde toca, dentro de si, o piano.
Escuta-o, mas não com os ouvidos,
e não uma só música, que há muitas tocando.

Sabe-se saudável; não se toma por delirante:
pessoa de imaginação estendida e aberta, segue.

Como não encontra a porta que dê para o lugar do piano,
tampouco o piano diretamente sobre seu nariz, procura.

Lembra-se ─ como não? ─ da casa incendiando-se,
seus tios correndo, os vizinhos juntos, a rua acesa.
No meio do fogo, ardendo severo, ia-se o piano.
Faz tanto tempo, faz tanto tempo, faz tanto tempo.

Tanto tempo!


│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

O LIVRO



O Retrato de Dorian Gray nunca lido.
E, por algum motivo, sempre este encontro desmarcado.
Os anos se passando, o livro fechado, oculto em seu silêncio.
Por algum motivo, o livro pairando, suas palavras guardadas.
Ora, mas que motivo é este?!

A cada dia, a cada mês, a cada ano, o livro nunca lido
desaparecendo, virgem desta vontade que não o alcança,
                                           destes olhos que não o perscrutam,
                                                                                            sempre.

Objeto tocado, mas perdido, posto que não viajado entranhas adentro.

│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

A JARRA



Não sabe da jarra que falta,
só de seu pacífico lugar.

Alguém a roubou?
Todas as investigações chegaram a nada.

O que possui é a mesa vazia, a marca do fundo,
a sombra agigantada de uma voz muda.

Quando relampeja, luzes apagadas, quase a vê, mas é ilusão.
Comprasse outra, resolvido o problema. Mas, não!
Adquirir um gosto pela busca, sabendo do perdido, é também aventura
e, de certa forma, posse.

Se há quem ame carrancas, por que não amar uma ausência?

│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

INFINITOS DE MIM



Que esta folha em branco não me seja naufrágio.
Preciso escrever uma carta, testemunhar o instante.

Marujo, deixo continentes encostados à espera.
Trago sal às palavras, todas grávidas de viagens.

Ao mar, infinitos de mim.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│