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terça-feira, 14 de janeiro de 2020

O relógio perdido


Lembrava-se, especialmente, de um relógio.
Não que, por valor de dinheiro ou similares, tivesse valia,
mas, sim, por sentimento: presente de pai.

Entre aquelas duas estações de trem, onde o perdera,
haveria de voltar e percorrer o caminho,  passo devagar,
sem, de fato, encontrar vestígio do objeto.
Deu-se a isso, anos e anos,
como um peregrino anônimo de um caminhar secreto.


│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

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quarta-feira, 17 de maio de 2017

O PIANO



Não sabe onde toca, dentro de si, o piano.
Escuta-o, mas não com os ouvidos,
e não uma só música, que há muitas tocando.

Sabe-se saudável; não se toma por delirante:
pessoa de imaginação estendida e aberta, segue.

Como não encontra a porta que dê para o lugar do piano,
tampouco o piano diretamente sobre seu nariz, procura.

Lembra-se ─ como não? ─ da casa incendiando-se,
seus tios correndo, os vizinhos juntos, a rua acesa.
No meio do fogo, ardendo severo, ia-se o piano.
Faz tanto tempo, faz tanto tempo, faz tanto tempo.

Tanto tempo!


│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

O LIVRO



O Retrato de Dorian Gray nunca lido.
E, por algum motivo, sempre este encontro desmarcado.
Os anos se passando, o livro fechado, oculto em seu silêncio.
Por algum motivo, o livro pairando, suas palavras guardadas.
Ora, mas que motivo é este?!

A cada dia, a cada mês, a cada ano, o livro nunca lido
desaparecendo, virgem desta vontade que não o alcança,
                                           destes olhos que não o perscrutam,
                                                                                            sempre.

Objeto tocado, mas perdido, posto que não viajado entranhas adentro.

│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

A JARRA



Não sabe da jarra que falta,
só de seu pacífico lugar.

Alguém a roubou?
Todas as investigações chegaram a nada.

O que possui é a mesa vazia, a marca do fundo,
a sombra agigantada de uma voz muda.

Quando relampeja, luzes apagadas, quase a vê, mas é ilusão.
Comprasse outra, resolvido o problema. Mas, não!
Adquirir um gosto pela busca, sabendo do perdido, é também aventura
e, de certa forma, posse.

Se há quem ame carrancas, por que não amar uma ausência?

│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 1 de março de 2017

A Carteira



From Line (1974) - Lee Ufan




Identidade, CPF, Reservista, 40 anos e uma barba.
Quem sabe, com um irmão sumido num garimpo da Amazônia.
Mais certo: três ou mais filhos; esposa; um cão vira-latas.
Morador de um conjunto habitacional, imagina-se.

É pouco mais do meio-dia, a condução se aproxima.

Entre o desejo e a efetiva devolução do objeto,
considera-se carregar no bolso,
com o peso de especial responsabilidade,
a condensada história de um homem.
Como pesa uma vida, mesmo que numa carteira velha e surrada!



│Poema da Série "Objetos Perdidos" - Autor: Webston Moura│



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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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Pulseira e Escapulário







Lilian,
nome interno à pulseira.
Enrolado nela, um escapulário.
Levou a bolsa; o ônibus é rápido.
Não havia ninguém neste ponto.
E tudo isso é um acaso.

A pressa produz infortúnios desses
às moças de pulseiras e escapulários,
moças que pegam ônibus
e não sabem da maquinaria dos acasos.

Com isto às mãos,
é como desbravar um mistério.
Advinha-lo, seria mais certo dizer.

De posse disso, sou o personagem de um romance policial,
aquele que vai descobrir Lilian e salvá-la das mãos dos facínoras.
Sua pulseira e seu escapulário são, na verdade,
disfarces de algo maior.
(Minha intuição nunca falha).

Mas, a bem da verdade,
lembro-me de que tudo
é apenas um acaso
e que eu mesmo,
como Lilian e seus objetos,
sou mais uma coisa perdida na cidade,
esta fábrica incessante de possibilidades,
inclusive acasos muito bem orquestrados em pontos de ônibus.


│Poema da Série "Objetos Perdidos" - Autor: Webston Moura│

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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