sábado, 28 de julho de 2018

ABDUZIDOS




Symphony in Grey anda Green: The Ocean (1866-1872)
- James McNeill Whistler




Objeto de sentir inteiro,
ver o mar é pouco.
Mesmo de olhos fechados,
o som, o vento e os cheiros
nos abduzem.

Ali na praia,
ainda que seguros na areia
e nas constatações da física,
somos viajantes.

O mar nos desperta
para o passado já esquecido
e nos devolve,
inebriados,
ao Todo
─ ou à ilusão bendita Dele.



│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

A PRIMAVERA, SEMPRE


Esta valsa dentro da cabeça,
a casa vazia,
o tempo.

Teus olhos,
vividez sem fim,
lembrança minha.

Dizem que é dor,
ingenuidade,
teimosia,
coisa de velho.

Não nego,
nem confirmo:
apenas digo
que á a primavera
(de Chopin,
obviamente*).


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│

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NOTA:
A Primavera, de Chopin, é, na verdade, "Mariage d'amour", ao menos na versão que o administrador deste blog encontrou na web. Sobre o assunto, curiosa esta nota encontrada na Wikipedia:


Mariage d'amour (Inglês: Casamento de Amor) é uma peça de piano solo francês, composta por Paull de Senneville em 1979, e pela primeira vez pelo pianista Richard Clayderman de seu álbum "Lettre À Ma Mère" em 1979. Mais tarde, o pianista George Davidson realizada esta peça de música de seu álbum "My Heart Will Go On" com uma versão ligeiramente diferente. Esta versão às vezes é erroneamente atribuída a Frédéric Chopin como "Spring Waltz" por causa de um upload no YouTube com o título errado, que alcançou mais de 34 milhões de visualizações antes de ser finalmente removido. A partir de maio de 2018, várias novas cópias com esse título errado estão disponíveis no YouTube, e uma delas alcançou mais de 30 milhões de visualizações. [https://en.wikipedia.org/wiki/Mariage_d%27amour].

O TAMARINDEIRO


Velho, mas ainda forte,
dando sombra e algum fruto,
resistindo às chuvas,
pairando no silêncio,
pouso breve de algum viajante,
o tamarindeiro.

Em seu caule,
dois nomes cicatrizados
e unidos só neste enquanto,
que as pessoas não deram a mesma sorte.

De seiva escorrida e pedrada,
uma declaração que se pôs em não:
Te amo....


│Poema da Série “Árvores” – Autor: Webston Moura│

sexta-feira, 27 de julho de 2018

BRINCADEIRA


Pegávamos talos de carnaubeira
e fazíamos espadas e cavalos.
Melhor que fosse sábado, pois não tinha aula.
Dividíamo-nos em grupos e combatíamos,
mas sem ferimentos ou violências outras.
Era uma brincadeira apenas.

Havia os meninos mais engenhosos,
os que faziam os cavalos um pouco mais bonitos.
Mas, cavalos e espadas prontos, a beleza requerida
era mais a de imaginarmo-nos guerreiros de terras distantes.

Horas depois, suados e felizes,
deixávamos os brinquedos nalgum ermo, num terreno qualquer,
onde o sol e a chuva devolveriam a natureza à terra.
E, sempre que precisássemos, existiam carnaubeiras sem fim.
Carnaubeiras e, claro, carnaubais, onde o vento, quando bate,
faz som de marés nas folhas, como se o próprio mar, levantado e aéreo,
percorresse o sertão, livre, também brincante.


│Autor: Webston Moura│

O CACIMBÃO


Era um cacimbão grande, fundo.
Embora desativado, ainda continha água,
uma água escura, quieta.
Na escola, era um dos lugares mágicos,
mesmo que isso se desse por medo.
Íamos ali, à sua boca, olhar
e temíamos aquelas paredes descascadas,
aquela água parada, a parecer antiga,
onde algum monstro havia de morar,
para sair durante a noite.

Um dia, um gato caiu no cacimbão.
Um garoto, astuto de sua natureza,
fez um laço e o retirou lá de dentro,
içou-o à borda, salvando-o.
Aplaudimos nosso herói.
Até a diretora gostou.

Os anos se passaram.
Sem perceber, estávamos maiores
e atentos ao andar das meninas.
Suas saias eram tão bonitas.
Seus perfumes, seus cabelos.
Foi assim que nos esquecemos do cacimbão,
ao menos de olhá-lo tanto.
Mas, nunca o deixamos totalmente.

Dizem que ele não existe mais,
que fora aterrado com entulho
e que lhe pesam,
sob a escuridão da terra,
muitas toneladas de memória.


│Autor: Webston Moura│

PEQUENA CRÔNICA DE UM POVOADO EXTINTO


Havia umas velhas máquinas,
já carcomidas de ferrugem.
Abandonadas ao nosso olhar de criança,
não eram desusos, mas invenções de mundos.
Para trás das casas, a mata, onde se ia buscar mel e juá,
além do mais que os adultos necessitavam.

Todos éramos muito iguais,
mas da igualdade que não letargia.
Éramos iguais de conviver,
iguais da vizinhança familiar.

Bem por isso os discos voadores
e as estórias de visagens eram mais sonháveis,
os medos eram mais lúdicos
e os assaltos eram apenas assunto de TV.

Um dia,
puseram fogo na plantação,
por acidente,
o que, para nós,
em vez de problema,
foi visto como quebrar a rotina:
crianças, adolescentes e adultos
correndo com água para tudo apagar,
praticamente uma gincana.
Mas, do outro lado,
as máquinas não pegaram fogo,
protegidas por uma civilização alienígena
que ali desempenhava futuros projetos de invasão da Terra.


│Autor: Webston Moura│

BEIRA DE RIO


Beira de rio,
onde se escuta o vento
acariciar a vegetação.

O sol,
em hora mansa,
clareia mais que aquece.

Por cá,
a solidão não dói,
não é tratada com tarjas pretas.

O tempo,
nesta paragem,
não corre.

E meu coração é todo humano,
fruição sem mácula,
quase materno.


│Autor: Webston Moura│