quinta-feira, 5 de março de 2015

Palavras


Sentas-te ainda à mesa ― escreves
palavras tão compactas, tão opacas
como a luz que te cega. Cada dia
promete o infinito em meia dúzia
de palavras ― amor,
a vida, o tempo, a morte, a esperança,
o coração. Repete-as,
repete-as muitas vezes em voz alta
e escuta a sua música
até não quererem dizer nada.



│Autor: Fernando Pinto do Amaral
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Sotaque da terra



Estas pedras
sonham ser casa

sei
porque falo
a língua do chão

nascida
na véspera de mim
minha voz
ficou cativa do mundo,
pegadas nas areias do Índico

agora,
ouço em mim
os sotaques da terra

e choro
com as pedras
a demora de subirem ao sol

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* Poema constante de Raiz de Orvalho e Outros Poemas (Caminho)

│Autor: Mia Couto

quarta-feira, 4 de março de 2015

Diana


Quando,
por entre nadas,
flutuações: noite.

Vida que,
sem preço,
ata-se apenas à liberdade.

Silêncio.
Toda flor sonha.


│Autor: Webston Moura


Pintura




Aos vinte e um anos
não pensei em pintar
a “jeune fille a la fenêtre”.

Minhas mãos trêmulas
se deixam levar em janelas
opostas. A realidade impede
o sonho e a visão igualitária deixa
na lembrança o recado: sobre
amuradas repousam  seres
em efemeridades.


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# Constante de Iguais: poemas (Projeto Passo Fundo; 2013) - Clique (AQUI).


│Autor: Pedro Du Bois

Pedro Du Bois [Passo Fundo-RS, Brasil] - Poeta, contista, autor de Iguais (poemas), O senhor das estátuas(poemas), Os objetos e as coisas (poemas) Pedro Du Bois Em Contos (contos). Participa do Projeto Passo Fundo (http://www.projetopassofundo.com.br/), é membro da Academia Itapemense de Letras e do Clube dos Escritores de Piracicaba. Mantém o blog Pedro Du Bois - Poemas(http://pedrodubois.blogspot.com.br/) e reside atualmente em Balneário Camboriu-SC, Brasil.

sábado, 31 de janeiro de 2015

CENA DOMÉSTICA



Na sala de jantar, na tarde mansa,
Está toda a família reunida;
No mister de bordar, em doce lida,
Minha mulher do seu labor descansa.

As linhas do bordado quem destrança
É a nossa menina mais crescida;
As outras duas, uma à outra lança,
Rente ao chão, uma bola colorida.

Numa poltrona o nosso filho lê;
Histórias em quadrinhos, já se vê,
Pelas quais o seu gosto se revela.

Eu escrevo da mesa à cabeceira;
Meu curió “Barão”, posto à janela,
Completa a cena e canta a tarde inteira...



Autor: JOSÉ GERALDO PIRES DE MELLO
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JOSÉ GERALDO PIRES DE MELLO – Nasceu em Niterói em 1924 e faleceu em Brasília em 2010. Estreou em livro com seu De Braços Dados (coroa de sonetos), em 1975, seguindo-se outros livros de sonetos: Chama de Amor (1978), O Catavento Amarelo (1978) e A Mensagem do Arco-íris (1981), todos eles publicados em Brasília, onde residiu por mais de quarenta anos.
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ÍNDICE




O homem é a matéria do meu canto,
qualquer que seja a cor do que ele sente.
E não importa o motivo do seu pranto,
é um homem, meu irmão, e estou doente

de sua dor, e é o meu o seu espanto
do mundo e desta hora incongruentes.
Na trincheira do Verbo me levanto
contra o que contra o homem se intente.

O homem é o objeto e o objetivo
de quanto sei cantar, e o canto é tudo
que pode me explicar porque estou vivo.

Às vezes sou ateu, noutras sou crente,
em outras sou rebelde, em algumas mudo:
― sou homem, e canto o homem no presente.


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VIRIATO (SANTOS) GASPAR – Nasceu em São Luís (MA), em 07/03/1952. Jornalista desde 1970, reside em Brasília desde agosto de 1978. Funcionário aposentado do Poder Judiciário. Participação em mais de uma dúzia de antologias poéticas no Maranhão e em Brasília. Vencedor de muitos prêmios literários tanto em sua terra natal quanto no Distrito Federal. Bibliografia: Manhã Portátil ― poesia, Gráfica SIOGE, Plano Editorial “Gonçalves Dias”, São Luís-MA, 1984; Onipresença ― poesia (versão incompleta), Gráfica SIOGE, Plano Editorial “Maranhão Sobrinho”, São Luís-MA, 1986; A Lâmina do Grito ― poesia, Gráfica SIOGE, Plano Editorial da Secretaria de Cultura do Estado em convênio com o SIOGE, São Luís-MA, 1988, e Sáfara Safra ― poesia, Plano Editorial da Secretaria de Cultura do Estado em convênio com o SIOGE, São Luís-MA, 1996. Tem, inéditos, dois livros de poemas, um de contos e um Livro de Salmos em linguagem moderna.
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AMOR



Amor é, não possuí-lo: amor, vivê-lo.
Possuí-lo é desvendá-lo. E amor ― verdade,
beleza, poesia,― sarça ardente,
é refratário a toda matemática.

Amor é sol que não se vê mas queima.
Ave, não canta, mas lhe o canto ouvimos,
― mas de um outro entender, que só de ouvidos
da alma é ouvir cantigas represadas.

Sol e ave. Mas, ave, é um sol que brilha.
Queimar-se dele. Por suprema graça,
ver-lhe do espectro as invisíveis cores.

Jamais situá-lo, em tosca astronomia.
Pesquisá-lo é destruí-lo. Amor, portanto:
queimar-se, e só, sem mais filosofia.


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# Constante de Sonetos de bolso: antologia poética (Thesaurus, 2013)

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Anderson Braga Horta – Nasceu em Carangola, MG, em 17/11/1934. Radicado em Brasília desde 1960. É poeta, contista, ensaísta e tradutor. Poesia: Altiplano e Outros Poemas, Marvário, Incomunicação, Exercícios de Homem, Cronoscópio, O Cordeiro e a Nuvem e O Pássaro no Aquário, publicados entre 1971 e 2000; Fragmentos da Paixão: Poemas Reunidos, Pulso e Quarteto Arcaico, 2000; Antologia Pessoal, Brasília, 2009; Elegia de Varna (bilíngüe), trad. de Rumen Stayoanov, Sófia, 2009; Signo: Antologia Metapoética, Thesaurus, Brasília, 2010; De Uma Janela em Minas Gerais ― 200 Sonetos, Guararapes, EMG, 2011; De Viva Voz, Thesaurus, Brasília, 2012.
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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

ANOTAÇÃO ANTIGA



quando a noite
com seu eterno e sutil silêncio descer
repousarei sob a consciência

breve

meus olhos irão se desvanecer, breve
em pálpebras inertes...
― a minha mente vagará em outras dimensões

disperso

ficará anotado em meu diário:
― meu dia não foi em vão, amanhã serei outro tempo



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# Poema constante de AS CORES DO TEMPO (Calibán, 2007)

│Majela Colares
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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

DOIS POEMAS DE DÉRCIO BRAÚNA


PEQUENOS DEUSES


Repara na tarde que te guarda (na vida
que te escapa, cada polegada por
segundo): o que nela não é senão essa
confusa distribuição de seda e péssimo?[18]

Vês aquelas crianças: contra a púrpura
da tarde, sobre suas velhas bicicletas
(como pequenos deuses em aparição),
não dirias que todo futuro será fabuloso?

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O CREPÚSCULO POR SOBRE AS COISAS


Mas as nuvens alaranjadas do crepúsculo
douram todas as coisas com o encanto da
nostalgia; até mesmo a guilhotina,[19] até
mesmo essas futuras bestas que, sobre
suas idílicas bicicletas, não imaginam
(poderiam?) a esplêndida atrocidade
que suas pequeninas mãos guardam. ―
Eis o milagre sumário das coisas.


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NOTAS (Conforme enumeradas no próprio livro, Metal sem Húmus):
18. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, Claro enigma – “Contemplação no banco” (Rio de Janeiro: Record, 2006, p. 38).
19. MILAN KUNDERA, A insustentável leveza do ser (São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 10).


# Poemas constantes de Metal sem Húmus (7Letras)

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

VOLTAR AO SOPRO






“Tudo isto para brilhar um instante,
apenas, para ser lançado ao vento,
— por fidelidade à obscura semente,
ao que vem, na rotação da eternidade.”
- Cecília Meireles, em “Primavera”



Nada que não seja isto:
diante dos girassóis,
encher-me de amarelos,
com o horizonte ao fundo,
o azul em que dança
a imagem de um pássaro
                                    que,
                    por longe,
não diviso.

Nada que não seja isto:
abrir o livro da tarde
(em verdade, abrir-me),
para receber a luz
que do pássaro aos girassóis
a tudo repleta e aviva.

Nada que não seja estar
com estas inflorescências.
Longe de toda insalubridade,
poder voltar ao sopro.

│Autor: Webston Moura




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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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OS DIAMANTES DE SERRA LEOA



suas arestas são gumes:
não de cortar epiderme, mão nua;
são gumes que cortam antes
          (no haver entre a mão e a pedra),
cortam no instante estrito
          (à guisa do feitio de um cão
           lançando-se à espoleta)
em que o olho
se desaba sobre a esquálida arquitetura
dos meninos mineiros,
         seus apanhadores
                   (que trazem a infância
         tão perdida ―
                    funda ―
         quanto a conta dos mortos
         ficados sob terra
         gritando às oiças dos vivos).


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# Constante de A Selvagem Língua do Coração das Coisas (Realce, 2005)

│Autor: Dércio Braúna
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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O santuário




Entro no teu corpo
branco santuário
de cal e camélia
o porto que abriga
a nau insensata
e sombra de espiga
no chão do verão.
No teu corpo encontro
a âncora da vida
achada e perdida
no Mar Oceano
o cheiro de estrume
guardado no estábulo
o longo sol pálido
que nos ilumina
como um candelabro
que jamais se apaga
no final da festa
de arquejo e desejo
quando só nos resta
a sobra das almas
saliva e sobejo na escuridão.

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# Constante de Cem poemas de amor (Escrituras Editora, 2004).

│Autor: Lêdo Ivo
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