sexta-feira, 29 de março de 2019

ESTRELA



Space Painting - Maria VB




Estrela,
vi-te nos meus oito anos!
E nos dez, doze, catorze e adiante.

Estás a mesma,
alegre azul na noite escura,
brilho imorredouro no silêncio.

Eu, não! Eu passei.
E, estrada e mais estrada, continuo seguindo.

Alguém disse que somos irmãos, estrela!
Então, talvez, essas rugas áridas em meu rosto
sejam os sinais da transformação do meu ser em luz.

Aí, nos reencontraremos na sem-idade do amor,
fraternos de um sempre que só o céu concebe.


│Autor: Webston Moura│



.....................................................................
Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
..............................................................................



BICHO


O homem é um bicho, diz-se.
Comprova-se até; a Ciência o sabe.
Mas, deveria menos empenhar-se nisto.
Ao menos, se só seu lado inculto é ênfase.
E, talvez, o devesse mais em seu lado puro,
como o vento lambendo molhados
depois de uma tarde chuvosa.


│Autor: Webston Moura│

ARRAIAS


Não tive sorte na arte de soltar arraias.
Pouca paciência empenhada.

Mas, ainda assim, as acompanhava,
movimentos de lá e cá no azul.

Aquela liberdade, hoje, me dói.


│Autor: Webston Moura│

CONFISSÃO QUASE À TOA OU QUEIXA ACALMADA ENQUANTO TEMPO HÁ


Dei de nascer neste tempo veloz.
Nele cresci e o sofri em cada parte de mim.

Hoje, bem depois dos primeiros estalos,
observo os naufrágios em flor sob o sol.

E nada posso fazer.


│Autor: Webston Moura│

DE SOSLAIO



Young Woman at the window (1888) - Paul Gauguin




Da janela, olha-me, de soslaio.
E eu nem sei seu nome.

Eu, velho que estou,
não lhe avivo,
por certo,
ânsias jovens.

Com meu passo,
devagar,
talvez lhe sugira apenas
curiosidade ou algo menor.

Seus olhos,
mesmo em esguelha,
parecem-me dois bichos,
eletricidade de inícios,
quando todos somos verdes
e, portanto, abertos aos abismos
e à sinceridade das flores.


│Autor: Webston Moura│

AFLITO E APRESSADO


Aflito e apressado,
passo por aqui,
rua conhecida e perigosa.
Viro esta esquina,
não sem antes
me assegurar de algum futuro,
um sinal que me diga sim.

O suor me lava,
o medo me convém,
a adrenalina me pesa.

O ônibus, o ônibus, o ônibus
acaba de passar: meu aceno se perde na névoa,
                                            as luzes se confundem
                           e há dois sujeitos, além de mim,
                             rostos fechados, olhares duros.
Da parte deles,
será só cansaço
ou,
para mim,
azar?
Aproxima-se um deles
e me diz, súbito, “fogo”!
Em sua mão, um cigarro;
na minha, todas as dúvidas possíveis.

│Autor: Webston Moura│

terça-feira, 12 de março de 2019

ESPLENDOR


Radient Splendor (2012) - Eyvind Earle





Noite fria:
um grilo,
só,
estende o canto,
infinitamente,
como se compusesse a geografia
                                    do que sinto.

As coisas,
sob o frio,
parecem mais concentradas.
Não de dor,
mas de vida,
esta estendida,
tranquila,
como a lua,
gratuitamente prata
no esplendor de sua beleza.

Que horas são?
Não importa.



│Autor: Webston Moura│

segunda-feira, 11 de março de 2019

TODA A ALEGRIA AÍ CONDENSADA



Enquanto chove
recupero um silêncio antigo,
aquele de quando criança,
a escutar só a chuva
e seus resultados.

A natureza isto ensina:
tudo que nos é anterior
e que ainda vive,
de ventos renovados
a estrelas muito antigas,
de tudo que não mudou drasticamente,
inclusive as águas,
a festa da chuva
e toda a alegria aí condensada.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O SOL JÁ VAI SE PÔR


O rio,
agora morto,
ou quase.

Sentado,
um índio
o observa.

Fede, em redor.
Desvive-se a tão forte presença da vida.

O sol já vai se por.


│Autor: Webston Moura│

AQUELE HOMEM CISMANDO


Você sabe aquele homem,
só,
à beira mar,
             sentado,
             cismando,
o vento lhe batendo ao rosto?

Não.

Sabe ver,
não perscrutar.

Não o julgue,
como a este outro,
que dorme na calçada.

Pode ser você, amanhã.
O mundo é um mistério;
a vida, um labirinto.


│Autor: Webston Moura│

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O SONHO DEITADO À MARGEM DO CAMINHO


Amigo, meu mundo é este;
cabe numas poucas coisas de se carregar:
imagens, amores, umas saudades
e um olhar, já não ávido, sobre o futuro.

Da minha janela,
antes, uma mata intocada.
Hoje, o avistar do avanço imobiliário
e o fantasma de um rio comido pelo garimpo.

Ainda assim, se posso,
escuto o cantar dalgum pássaro
e a espontaneidade da chuva.

É tarde, mas digo isso não com tanta dor.
Digo: o tempo se completa e algo sonhado não vingou.
Talvez, isto seja a ausência que me acompanha,
o sonho deitado à margem do caminho.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

CIGANO


Fora de controle:
o sangue,
o plano,
o ônibus que agora passa,
veloz,
a moça,
dentro,
lendo
um livro
(janela a janela,
a vejo,
passando,
perdida de mim).

Fora de controle:
a chuva,
o raio,
o trovão,
a lama escorrendo,
como de sempre,
como se fosse a primeira vez.
Vê lá a criança se banhando na bica!

Fora de controle:
sair por aí,
sumir no mato,
ouvir a sabiá
e o vento sobre as folhas.
Entre liberdades,
ser cigano,
comprar e vender
cavalos,
tomar bebida de origem forte,
dançar com uma mulher de nome espanhol
e acordar em Ostrava, na praça principal.


│Autor: Webston Moura│

ENQUANTO TUDO ACONTECE


Lavadeiras do quintal
Lavem minh’alma com mel
Me deixem secar o pranto
Dependurada no céu.
─ Denise Emmer,
in “Lavadeiras”
(Disco “Pelos Caminhos da América”)


Há esperança, mas sofrida.
Dizem que amanhã...
E amanhã será outro ordinário dia.

Enquanto tudo acontece,
sem que meus olhos decifrem;
enquanto a dor for a bandeira mais alta;
enquanto, ao meu redor, as vozes se confundirem,
retirar-me-ei nesta ilha de íntimo amor,
ouvindo Denise Emmer
e outros pássaros.


│Autor: Webston Moura│

sábado, 5 de janeiro de 2019

ESTAR AÍ


Ser aquele pássaro,
longe,
desperto,
volteando no céu.

Ser a nuvem,
raios do crepúsculo,
noite que se chega.

Na madrugada,
a tempestade,
cavalos correndo na liberdade.

Estar aí,
sem motivos,
orvalho calmo
sobre novos e antigos.


│Autor: Webston Moura│