quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O SOL JÁ VAI SE PÔR


O rio,
agora morto,
ou quase.

Sentado,
um índio
o observa.

Fede, em redor.
Desvive-se a tão forte presença da vida.

O sol já vai se por.


│Autor: Webston Moura│

AQUELE HOMEM CISMANDO


Você sabe aquele homem,
só,
à beira mar,
             sentado,
             cismando,
o vento lhe batendo ao rosto?

Não.

Sabe ver,
não perscrutar.

Não o julgue,
como a este outro,
que dorme na calçada.

Pode ser você, amanhã.
O mundo é um mistério;
a vida, um labirinto.


│Autor: Webston Moura│

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O SONHO DEITADO À MARGEM DO CAMINHO


Amigo, meu mundo é este;
cabe numas poucas coisas de se carregar:
imagens, amores, umas saudades
e um olhar, já não ávido, sobre o futuro.

Da minha janela,
antes, uma mata intocada.
Hoje, o avistar do avanço imobiliário
e o fantasma de um rio comido pelo garimpo.

Ainda assim, se posso,
escuto o cantar dalgum pássaro
e a espontaneidade da chuva.

É tarde, mas digo isso não com tanta dor.
Digo: o tempo se completa e algo sonhado não vingou.
Talvez, isto seja a ausência que me acompanha,
o sonho deitado à margem do caminho.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

CIGANO


Fora de controle:
o sangue,
o plano,
o ônibus que agora passa,
veloz,
a moça,
dentro,
lendo
um livro
(janela a janela,
a vejo,
passando,
perdida de mim).

Fora de controle:
a chuva,
o raio,
o trovão,
a lama escorrendo,
como de sempre,
como se fosse a primeira vez.
Vê lá a criança se banhando na bica!

Fora de controle:
sair por aí,
sumir no mato,
ouvir a sabiá
e o vento sobre as folhas.
Entre liberdades,
ser cigano,
comprar e vender
cavalos,
tomar bebida de origem forte,
dançar com uma mulher de nome espanhol
e acordar em Ostrava, na praça principal.


│Autor: Webston Moura│

ENQUANTO TUDO ACONTECE


Lavadeiras do quintal
Lavem minh’alma com mel
Me deixem secar o pranto
Dependurada no céu.
─ Denise Emmer,
in “Lavadeiras”
(Disco “Pelos Caminhos da América”)


Há esperança, mas sofrida.
Dizem que amanhã...
E amanhã será outro ordinário dia.

Enquanto tudo acontece,
sem que meus olhos decifrem;
enquanto a dor for a bandeira mais alta;
enquanto, ao meu redor, as vozes se confundirem,
retirar-me-ei nesta ilha de íntimo amor,
ouvindo Denise Emmer
e outros pássaros.


│Autor: Webston Moura│

sábado, 5 de janeiro de 2019

ESTAR AÍ


Ser aquele pássaro,
longe,
desperto,
volteando no céu.

Ser a nuvem,
raios do crepúsculo,
noite que se chega.

Na madrugada,
a tempestade,
cavalos correndo na liberdade.

Estar aí,
sem motivos,
orvalho calmo
sobre novos e antigos.


│Autor: Webston Moura│

domingo, 23 de dezembro de 2018

ESSES DIAS DE CALOR


Esses dias de calor
com que lidamos,
a contragosto.
As horas consumidas
em sobreviver
enquanto a noite se guarda
detrás dos ocultos.

Dado isso,
não se estranhe
a exaustão
em nossos gestos,
as falas guardadas
atrás da imagem,
os olhares aguados
aos quais nos damos
e a vontade de fugir
para reinos inventados.


│Autor: Webston Moura│

sábado, 22 de dezembro de 2018

À HORA DESERTA


Dada a pressa que julgamos necessitar,
nem nos vemos senão nesse não-sentir.

E nos acostumamos.

Por isso,
à hora deserta,
com a rua deserta,
dá-me vontade de correr
como quem, nascendo,
sabe um rio nalgum lugar
fora deste corpo excessivamente funcional.

Por isso,
a dança,
a anti-destreza,
o andar como vagar,
o sair-por-aí
que, à hora deserta,
me tomam,
ao menos imaginadamente.

Dada a pressa que julgamos necessitar,
perdemos os ciclos das coisas que vivem de graça
e só nos vemos nesse não-sentir
dentro deste corpo excessivamente funcional.

│Autor: Webston Moura│

ESTA MÚSICA


Escuto esta música
e me retiro.
Sei: estou aqui
(contudo, não estou).
É meu sentimento
que por aí vai,
notas harmonizadas
nalguma máquina feliz
por sobre uma montanha
e com espírito de pássaro,
águas mais adiante.

Não há palavras exatas
para dizer disto.
Por isso, paro;
escuto esta música
e me retiro.


│Autor: Webston Moura│

O PESCADOR ANÔNIMO


Vai-se o sol forte; a tarde é áspera.
Na lagoa suja de progresso urbano
o homem simples pesca os peixes impróprios.
Sorri ao aceno, é simples sua índole.
Ali já está desde velhos tempos
quando havia água que se punha pura.
Resta-lhe, agora, como sorte última,
ir-se com a lagoa ao cabo das forças,
esquina final donde não se volta.
Por ora, se apega à pesca de agora,
neste dia pleno de rotina e fome.


│Autor: Webston Moura│

PEDREIROS


Ardem sob o sol mais inclemente
enquanto erguem paredes cujo fim não lhes servirá.
Não têm e não terão casas suas,
que a sorte de serem o que são,
pedreiros,
tem esta contradição:
vestir a nudez alheia enquanto sobram nus,
seja de casa, de melhor comida ou de futuros leves.


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

MURMURANDO


Essa revolta concentrada há anos,
pedra escondida sob a aparência da normalidade.










E a vergonha de não vivê-la,
                         de não dizê-la,
                         de não fazê-la,
que só se confessa assim a miúdo
              e sob sigilo,
murmurando,
                                    murmurando,
                                    murmurando.


│Autor: Webston Moura│

SOB A HORA DESCANSADA DA MANHÃ


O ar cheira a plástico queimado:
revolta pequena de algum morador.
É manhã, mas maculada da mão que lhe suja.
Alguém vai, alguém vem;
a rua, sem ênfase, acontece.

Lá no possível céu, cinza no cinza,
um pássaro vagueia sob a dureza da luz.
Atrás de si, acima, melhor dizendo,
a promessa incerta de chuva.

O sol começa seu ofício:
a barra do horizonte,
entre laranja e outros fugidios tons,
parece alegrar-se, ainda que nebline.

Enquanto se dissipa o odor acre,
permite-se alguma flor subir seu aroma
e um cão, já menos incomodado, ergue-se do sono
e, descabido de cismas, lança-me um olhar.


│Autor: Webston Moura│

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

BREVE PENSAR ENQUANTO O SOL DESCE




Twilight (1909) - Umberto Boccioni




Viajante, sei-me estrangeiro
de passos que já se cansam
sob o peso da viagem.

O que sei, saber possível
recolhido das andanças,
já se coloca à margem
dos homens mais apressados,
estes que inventam o agora
e, agitados, alegram-se
como quem descobre o fogo.

Velho, aprendo a viver.
Mas, como gastar a voz
deste saber mais profundo
se mais me conforta a sombra
que o rugido de mil mundos?

Por isso, mais admiro.
Por isso, mais observo.
E, se me permito algo,
sinto, pois, pena do homem.


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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