sexta-feira, 25 de setembro de 2015

DEUS E OUTROS QUARENTA PROBLEMAS (Excerto)




Gênio, não tenho.
Me empenho.
Essas palavras me soam
como “Os morcegos não são aves
mas
voam."


Como evitar, porém, que o poema seja um rio não mapeado, que a vereda cruze... e saia seca do outro lado? Como fazer com que, criado, ele cause a sensação, anterior, de que faz falta, como ao Corcovado faz ─ no Rio Antigo ─ o Redentor? Como criá-lo com a naturalidade com que laranjeiras dão laranjas, e os jardins, em seus delírios, cravos, orquídeas, cachos de lírios, a força da natureza irrompendo, sem planos, com o mesmo ímpeto da Torre do Diabo, ao vir do chão, gigantesca, nos Estados Unidos, há 40 milhões de anos? Sinto-me, no entanto, levado pelo mesmo impulso ─ primitivo, um tanto técnico, artístico, prático, místico ─ dos que ergueram o grande círculo de Stonehenge além das possibilidades e meu problema começa justamente quando não consigo  sequer definir esse... xis ─ versátil, esperto, cheio de êxtases, paichões e ezageros sem nékso, incerto ─ que assume o... compromisso de fazê-lo, aqui, nesta humana, precária, caixa craniana?


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NOTA DO BLOG:
1. A forma como o texto está disposto difere um pouco do original no livro, mas sem perda qualquer para o sentido que o autor dá. O livro em questão é de uma riqueza e uma graça imensas, como é comum aos escritos do W.J. Solha. O excerto é do texto UM, páginas 29/30. O livro pode ser adquirido aqui: EDITORA PENALUX.

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● W.J. Solha está na segunda edição de Kaya [revista de atitudes literárias]:

│Autor: W.J. Solha

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

VAGAR


Dobro a esquina
do abraço
a lume posto

Doce de amora
de ponto
desatado

Dispo o vestido
no vagar do corpo
preencho de prazer o que está vago.


│Autora: Maria Teresa Horta

SEQUESTRO



Ah! a tua
língua

Alongada na sua
trança
de saliva branda

Tão ácida
tão meiga

na minha anca



│Autora: Maria Teresa Horta

MAIS



Deixa que a maciez
adoce
os membros

Os torne mais meigos
aos abraços

À febre
mais afoita
que os tornozelos abrem.


│Autora: Maria Teresa Horta

FASTIO



Às horas, ocasos semeados,
sínteses frágeis, volatilidade,
vida que se esvai sem nunca ser.

Dizer e redizer o visto
sob a luz mais mortal.
Repassar a outrem
(também fantasma)
o cardápio, a dor, o sorriso,
gélidas imagens que desaparecerão.

E o amor? E a poesia?
E aquela janela donde se via
o azul imaginado no canto do pássaro?


│Autor: Webston Moura

terça-feira, 15 de setembro de 2015

UM PEQUENO ANJO INÓCUO




Há um imenso silêncio,
o desta boca que, acossada,
recolhe sua matéria.
E, nela, não aparece
o homem que poderia,
mas apenas sua sombra.
E este silêncio é uma cidade vazia,
uma lâmpada deficiente,
um pequeno anjo inócuo,
objeto de gesso e inércia.


│Autor: Webston Moura