Sempre vivemos
para além
da memória
apesar do lapso apunhalando o tempo
Porque antes fomos
connosco noutra hora, e agora
voltamos quando já nos esquecemos
Onde fica a fissura, a brecha
por onde passámos
a chegarmos de novo ao nosso presente
Infringindo as regras das horas
improváveis
hoje igual a ontem, já inexistente
Partimos e tornamos na nossa
eternidade
assim a repeti-la num infindo repente
Perdidos um do outro sempre
a regressarmos, revertendo
a queda que nos ata e desprende
Onde está o estilete de cravar
no peito, onde está
o incêndio, onde está o veneno?
Tanta imprudência que jamais
revelamos, calando
um ao outro aquilo que queremos
Fugaz a madrugada volta a luzir
no espaço, entre o prazer
aceso e o lento segredo
Efémeros os sentimentos
que depois se refazem
como se dissolvem as paixões ardentes
Apesar das tormentas,
para sempre voamos
século após século no ressalto dos ventos
│MARIA TERESA
HORTA, in ESTRANHEZAS (D. Quixote, 2018)