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sábado, 29 de fevereiro de 2020

ETERNIDADE



Aguarela: Into The Mystic, de Sarah Yeoman


Sempre vivemos para além
da memória
apesar do lapso apunhalando o tempo

Porque antes fomos
connosco noutra hora, e agora
voltamos quando já nos esquecemos

Onde fica a fissura, a brecha
por onde passámos
a chegarmos de novo ao nosso presente

Infringindo as regras das horas
improváveis
hoje igual a ontem, já inexistente

Partimos e tornamos na nossa
eternidade
assim a repeti-la num infindo repente

Perdidos um do outro sempre
a regressarmos, revertendo
a queda que nos ata e desprende

Onde está o estilete de cravar
no peito, onde está
o incêndio, onde está o veneno?

Tanta imprudência que jamais
revelamos, calando
um ao outro aquilo que queremos

Fugaz a madrugada volta a luzir
no espaço, entre o prazer
aceso e o lento segredo

Efémeros os sentimentos
que depois se refazem
como se dissolvem as paixões ardentes

Apesar das tormentas,
para sempre voamos
século após século no ressalto dos ventos


│MARIA TERESA HORTA, in ESTRANHEZAS (D. Quixote, 2018)

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

VAGAR


Dobro a esquina
do abraço
a lume posto

Doce de amora
de ponto
desatado

Dispo o vestido
no vagar do corpo
preencho de prazer o que está vago.


│Autora: Maria Teresa Horta

SEQUESTRO



Ah! a tua
língua

Alongada na sua
trança
de saliva branda

Tão ácida
tão meiga

na minha anca



│Autora: Maria Teresa Horta

MAIS



Deixa que a maciez
adoce
os membros

Os torne mais meigos
aos abraços

À febre
mais afoita
que os tornozelos abrem.


│Autora: Maria Teresa Horta

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

MENINA




luas 
praias de querer
ao longo dos meus braços
afastados pelo coral das rochas
duas
*

uma menina chupando
um rebuçado
descalça
de ter sol nos olhos
*

alguém chora o sentir
do mar
nos flancos das corças
e dos barcos
*
duas
as vezes que conto
pelos dedos
- sol e água
espelhos verticais
no sentir das margens
nevoeiro de noites
nuas




............................
* Poema constante de ESPELHO INICIAL (1960) e POESIA REUNIDA (D. Quixote, 2009)
* Post originalmente publicado na página Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen - clique (AQUI).

Autor:  Maria Teresa Horta
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