sábado, 29 de fevereiro de 2020

ETERNIDADE



Aguarela: Into The Mystic, de Sarah Yeoman


Sempre vivemos para além
da memória
apesar do lapso apunhalando o tempo

Porque antes fomos
connosco noutra hora, e agora
voltamos quando já nos esquecemos

Onde fica a fissura, a brecha
por onde passámos
a chegarmos de novo ao nosso presente

Infringindo as regras das horas
improváveis
hoje igual a ontem, já inexistente

Partimos e tornamos na nossa
eternidade
assim a repeti-la num infindo repente

Perdidos um do outro sempre
a regressarmos, revertendo
a queda que nos ata e desprende

Onde está o estilete de cravar
no peito, onde está
o incêndio, onde está o veneno?

Tanta imprudência que jamais
revelamos, calando
um ao outro aquilo que queremos

Fugaz a madrugada volta a luzir
no espaço, entre o prazer
aceso e o lento segredo

Efémeros os sentimentos
que depois se refazem
como se dissolvem as paixões ardentes

Apesar das tormentas,
para sempre voamos
século após século no ressalto dos ventos


│MARIA TERESA HORTA, in ESTRANHEZAS (D. Quixote, 2018)

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