quinta-feira, 26 de março de 2020

A PORTA QUE NÃO SE ABRE



Untitled - Hassan Massoudy



A porta que não se abre,
use-se de sabedoria alta ou popular;
use-se de força ou jeito.
A porta que não se abre,
como a presença mais incômoda,
mais que areia nos olhos;
mais que o mais imaginável obstáculo.

Ou seria tudo exagero,
vício do olhar,
máquina boba de um repetir-se,
canto alongado e perdido diante da parede?



│Autor: Webston Moura│

sábado, 21 de março de 2020

ESTAÇÃO VIDA




As ruas vazias.
Novamente, pode-se ouvir o vento
e a naturalidade de tudo o mais
que foi exilado pela nossa ruidosa presença.

Das janelas, uma alegria misturada com uma tristeza
e uma espancada esperança que se tenta segurar às mãos.

Diz-se que amanhã é (será) outro dia,
mas sabe-se que ainda há uma dor a ser percorrida.

É irônico que estejamos nisso tão juntos,
mas não possamos sequer apertar as mãos uns dos outros.

Entrincheirados, tentamos nos proteger do inimigo,
esta coisa invisível, silenciosa e disciplinada.



│Autor: Webston Moura│

terça-feira, 17 de março de 2020

"A claridade alastra..."






A claridade alastra
- no teu cabelo é sempre sul

a mão pousada na almofada
como se lhe tivesse escapado
um animal filtrado pela noite

esse teu sono tão satisfeito
de ignorar a vileza
dos que fazem o dia

respira
a minha vigília durará ainda
o tempo de dares por terminado
o filme supremo
o bocejo corolário

não há pressa

beijar-te-ei a face
como se me tivesses salvado


VASCO GATO, in UM PASSO SOBRE A TERRA (Língua Morta, 2018)
Fotografia: Cloaked Beauty, de Baden Bowen

MENTIMOS







Mentimos dizendo sermos poucos
somos muitos e estamos presentes
                                  desde sempre

nossa natureza
nossa maneira
nosso gênese

avançamos como conquistadores
      protetores insinuados
                   ladrões camuflados

insuflamos exércitos em nosso benefício
calamos multidões em divisões e trocas
fazemos sofrer o irmão no que nos toca

mentimos nesta pouca idade
o pão e a carne conseguidos
no esforço da pilhagem.

(Pedro Du Bois, inédito)



│Do blog do autor: http://pedrodubois.blogspot.com/

quinta-feira, 12 de março de 2020

PUBLICAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO DE "OS LUSÍADAS, de Luís de Camões



Luís de Camões


No dia 12 de março de 1572 foi publicada a primeira edição de "Os Lusíadas", de Luís Vaz de Camões, considerada "a epopeia portuguesa por excelência", que em dez cantos narra a viagem de Vasco da Gama à Índia e a aventura dos portugueses desde a fundação da nação.

A 1 de março de 2019, foi inaugurado no auditório do Camões, I.P., pelo Primeiro-Ministro português, António Costa, um mural do artista Vhils, com o busto de Camões, e cuja memória descritiva transcrevemos abaixo:

- Palimpsesto –

«Qual é significado de uma língua nos dias de hoje? É algo que cria pontes? Algo que se fez impor? Algo que nos une? Algo que facilita o crescimento económico e o interesse em criar um mercado maior? Algo que facilita a troca cultural? Algo que explora ou explorou? Algo que hoje nos transmite tudo aquilo que somos ou queremos ser através de comunicação no espaço público? Ou algo que nos transmite cultura e identidade? Algo que nos protege? Ou algo que nos afasta? Algo que nos dá? Ou que nos tira?

É tudo isso, na sua ambiguidade, e apenas será mais do que isso, quando a língua de Camões for de quem a fala hoje e não de quem a criou. A intenção desta obra é criar uma justaposição entre o passado e o futuro da utilização da imagem e da palavra de modo a expor uma época onde uma ponte se criou ou uma ferida se abriu.»

– Alexandre Farto aka Vhils


│Da página Instituto Camões



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Ver também:
- Os Lusíadas na Biblioteca digital Mundial: https://www.wdl.org/pt/item/14160/
- Os Lusíadas, por Alcir Pécora: https://www.youtube.com/GQCf8Dze5KI

segunda-feira, 9 de março de 2020

SOB O MARULHO DAS ÁGUAS



Luz da lua - Albert  Pinkham Ryder


É desta atmosfera que falo:
verde em repouso, um tanto fosco,
sob a luz coalhada no ar úmido.
Se azul há, oculto está sob o lençol dos ventos,
lugar de disfarce do tipo mostra e não mostra.

E o mais é um silêncio imenso,
silêncio de paz que se faz sob o marulho das águas.



│Autor: Webston Moura│




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terça-feira, 3 de março de 2020

OUTONO




Autumn Landscape - Maurice Vlaminck



Quando não mais se espera
a vitória sobre o tempo,
nem se vai gerar herdeiros,
tampouco instigar a terra
a dar cereais ou frutas.

Quando os cavalos
não mais relincham nos prados,
e se observa a chuva, de longe,
sem querer domá-la.

Quando o amor é mais de olhares
e de cúmplices silêncios,
cuidados de por a manta às pernas,
evitando o frio, e de oferecer café
ou outra amizade.

Quando se tem mais compaixão
da vida ser tão bela e, assim mesmo, passar.



│Autor: Webston Moura│




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segunda-feira, 2 de março de 2020

GRANADA



View of Granada - Santiago Rousiñol


Onde achou
e perdeu
um amor.

Descobriu um poeta
de um século já longe,
um judeu ou um árabe,
que lhe ensinou,
quase sem querer,
o que de outra forma
jamais saberia.

Onde foi feliz
e o será,
eternamente.



│Autor: Webston Moura│




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CLANDESTINOS



City - Olga Rosanova


Ainda guarda lugares calmos,
secretos jardins de moças em flor?
Ou tudo de si que é secreto
tornou-se também clandestino?

Passamos por aí,
eu e outros transeuntes,
escapando do trânsito
e, se possível, da violência,
e só nos olhamos de soslaio,
como credor e devedor
ou como o cão raivoso olha para outrem.

Acima de tudo, sentimos medo.
E alguma coisa ainda amamos
ou, pelo menos, damos por falta,
saudade que não resolve,
que apenas ilude um pouco.

A cidade nos exilou de nossa humanidade.



│Autor: Webston Moura│




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domingo, 1 de março de 2020

O CICLISTA



O Ciclista - Mario Sironi



Não cabe na paisagem
senão como estranheza.
Não cabe na pressa de ganhar,
de comer, de ter, de aparecer.
Simplesmente, não cabe:
rejeitam-lhe a elegância e a poesia;
a espontaneidade com que, criança,
vagueia, sem agressividade, por entre
                                       a massa de caos.


É o insistente ciclista,
seja o simples urbenauta
ou alguém tentando ganhar a vida.

A rua, amigo, está fechada pra você,
encomendada, pois, aos carros e seus ávidos motoristas!
A rua, quer dizer, a cidade tem dono
− Não viste os avisos?


│Autor: Webston Moura│





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