segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

BORBOLETA



Butterflies - Odilon Redon





O que me desorganiza, é esta borboleta.
Não é outra, semelhante, mas esta,
uma borboleta estranha e, como todas, paciente,
capaz de estacionar, imóvel, de parar o espaço que ocupa,
de hipnotizar o ar em redor e ocultar a duração do tempo.

Não há néctar nas cortinas,
nem nos móveis,
tampouco nos livros.
Assim, por que ela não some?

O azul de suas asas, forte e denso, é pétreo.
Nunca o vi, sequer o imaginei.

Noutro tempo, havia candeeiros, muitos,
como num enxame, luzes infinititas.
Peixes deslizavam no ar, luziam cores ácidas.
Loreena McKennitt cantava “Stolen Child”.
E não havia esta borboleta
─ que incide e subleva, sem dar clareza dos porquês.


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

MAIS


Não nos damos exatamente
pelo mistério das coisas,
que é apurar os olhos sobre o invisível.

Oculta, a vida é mais.

Sequer nos vemos senão como
essas unidades de produzir e sofrer,
de repetir os olhos e repisar a paisagem.

Mas, oculta, a vida é mais.


│Autor: Webston Moura│


LUGARES DE SER


Eu quero ser como a Rita Lee,
um lírio forte, uma pedra meiga,
uma cadeira na calçada do anteontem.

Eu quero o aroma da manga
desfazendo aflições e angústias.

Eu vi um Zepelim indelével
compondo a formosura do azul.

Eu quero a cachoeira secreta de águas lídimas,
onde nenhum ruído desagradável tome posse.

Eu quero palavras-vazios,
lugares-de-ser.

E quero poder jardins em meu coração.


│Autor: Webston Moura│


GRAÇA


É assim mesmo, gratuitamente.
Andar sem rumo, devagar, cidade ir, ruas e ruas.
É assim, sem um grande plano, sem uma terra a conquistar.
Se chover, não se corre, que a chuva desliga o tempo.

Ah, o tempo, o cão e o portão, o crachá, a burocracia!
Não! Não é deste tempo rijo que precisamos.
É daquele outro, daquele dito fruição.

Fruição:
1.Usufruir de goiabas no pé e do verde nos olhos de quem der;
2.Ouvir, sem afobamento, “Dr. Joe”, com Chick Corea,
John Patitucci e Antonio Sanchez;
3. Sonhar com Maria Casadevall.

É assim, e não pense, que pensar dá pregos.
Andar sem rumo, devagar, cidade ir, ruas e ruas.
Se chover, seja tão despossuído quanto um mendigo

ou um poeta.


│Autor: Webston Moura│

ASA PERDIDA


A ave, livre, voa e vê o que não vemos,
sente o que não sentimos, vive sua singularidade.

Armadilhamos sua vida em gaiolas bem cuidadas,
damos-lhe de comer e de beber e lhe exigimos um canto.

Presa, ela canta o que nossa prisão íntima supõe ser alegria.
Ela canta ─ bem nos disse um bruxo ─ a saudade-dó.

E o que fazemos com o canto-cárcere
que não poderíamos fazer com o voo-dádiva?
Sabe-se lá! Ou, de outro modo, sabe-se, sim:
                             fazemos mando presunçoso,
pois desaprendemos nossas próprias asas.
E nosso canto é farto dó e demasia de exílio.


│Autor: Webston Moura│

ÍMPAR


Você, nua, parece um águia,
parece um leão farto sobre nuvens,
parece uma inscrição encontrada nos Pireneus,
parece aquele carnaval de 1976,
parece o olhar de um gnu,
parece a Ursula Andres num siso ordenador.

Você, nua, paralisa o silêncio em seu zênite
e agrupa meu sangue na densidade mais elétrica.

Você é um solo do Jimmy Page contra as horas-não.


│Autor: Webston Moura│

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

CONFISSÃO SOBRE A PALAVRA AUSENTE


O que não escrevo,
as cargas de fósforo que o mofo come,
a luz que não nasce e, ao contrário,
desaparece nos confins do não-sei-quê.

O que não escrevo,
o sangue-incógnita perdido na coisa-vã,
a gueixa e a batalha gaveta adentro,
o aroma sem qualquer asa.

Sim, eu sei que esse é um tempo de testemunho.
Mas me cansa essa gente toda se afogando no incalculável.


│Autor: Webston Moura│

sábado, 25 de novembro de 2017

ARQUITRAVE - REVISTA COLOMBIANA DE POESIA



Arquitrave – Revista Colombiana de Poesia, nº 66

CONSUMAÇÃO



Somos tempo.
Estamos na combustão,
na consumação do que chamamos de vida,
                                                      nossas vidas,
esta matéria da qual geralmente pouco sabemos.
Nela, o tempo não se sobressai de fora para dentro,
mas explode mesmo do centro em diante.

Somos tempo, ao lado de estrelas, plantas e pedras.


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

SERTÃO



Os pés-d’água, onde, se a poeira é tudo?
A terra seca, extrema, nos consome.
Devagar, uma carroça se arrasta;
os bois, magros, gastam-se no aberto.

Com as pedras,
nossa comunhão de enfadonha aridez se completa.

Sertão.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

VIAJANDO NA MADRUGADA



Você quer paz
(galos levantados para o sol),
mas há uma intensidade estranha pelo quarto.

Você se veste e vai à rua.
Tenta encontrar o âmbar daquelas retinas.
(Vagando, a solidão é este cão ao tornozelo,
torneira pingando sua reza faminta).
Olhos-nenhuns te visitam.

Você não tem saída: é um dia sem porto.
Há, ainda, de dormir, caso queira
─ e para não sucumbir ao lodo final ─,
enovelado ao céu gratuito da inteira noite,
                        viajando, viajando, viajando.


I am on a lonely road and
I am traveling, traveling, traveling, traveling
Looking for something, what can it be?
─ Joni Mitchell, in All I want, álbum “Blue” (1971)



│Autor: Webston Moura│

ÁVIDA FLAMA INCESSANTE



Quer correr, indefinidamente,
apenas correr, como se o mar pudesse,
por sobre as águas, velozes pés,
anjo de fogo, riscar o azul, cortar ventos
e ir-se para Áfricas e Ásias, golfinho e foguete,
ácido, leve, pesado, pleno, só, total, inconcluso,
                                                                         pessoa.

Quer correr dentro da seiva contraditória da vida.


│Autor: Webston Moura│

ÚLTIMO GRITO CONTRA A ESCURIDÃO



Fala-se muito.
E há muitos fogos.
Carros assomam às ruas.
Sequer é dia especial.

Fala-se muito.
Há muitas queixas e pouca solução.

No vozerio,
um homem, só,
desata sua última canção
e sequer risca a parede.

A moça, de vermelho, passa.
Parece feliz, com seu andar resolvido e leve.
Não vê o homem.
Ninguém o vê.
As vozes não permitem,
o barulho não permite,
a pressa não permite.

Há um mundo a se viver,
sem este homem, claro,
este que desata seu último grito contra a escuridão.


│Autor: Webston Moura│

CATILINA



Fotografia de (c) Carlos Eduardo Leal



Eu sou o solitário e nunca minto.
Rasguei toda a vaidade tira a tira
E caminho sem medo e sem mentira
À luz crepuscular do meu instinto.

De tudo desligado, livre sinto
Cada coisa vibrar como uma lira,
Eu - coisa sem nome em que respira
Toda a inquietação dum deus extinto.

Sou a seta lançada em pleno espaço
E tenho de cumprir o meu impulso,
Sou aquele que venho e logo passo.

E o coração batendo no meu pulso
Despedaçou a forma do meu braço
Pra além do nó de angústia mais convulso.



│Autora: Sophia de Mello Breyner Andresen│

- O poema e a gravura foram retirados da página “Quem Lê Sophia de Mello Breyner Andresen - https://www.facebook.com/quem.le.sophia.de.mello.breyner.andresen

RUÍNAS




Óleo s/ tela, de ©Cesar Santos (Cubano-americano)



Se é sempre Outono o rir das primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras.
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino de Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais altos do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... deixa-os tombar...


│Autora: Florbela Espanca│

- O presente poema e a gravura que o acompanha foram retirados da página “Quem Lê Sophia de Mello Breyner Andresen" - https://www.facebook.com/quem.le.sophia.de.mello.breyner.andresen