terça-feira, 12 de março de 2019

ESPLENDOR


Radient Splendor (2012) - Eyvind Earle





Noite fria:
um grilo,
só,
estende o canto,
infinitamente,
como se compusesse a geografia
                                    do que sinto.

As coisas,
sob o frio,
parecem mais concentradas.
Não de dor,
mas de vida,
esta estendida,
tranquila,
como a lua,
gratuitamente prata
no esplendor de sua beleza.

Que horas são?
Não importa.



│Autor: Webston Moura│

segunda-feira, 11 de março de 2019

TODA A ALEGRIA AÍ CONDENSADA



Enquanto chove
recupero um silêncio antigo,
aquele de quando criança,
a escutar só a chuva
e seus resultados.

A natureza isto ensina:
tudo que nos é anterior
e que ainda vive,
de ventos renovados
a estrelas muito antigas,
de tudo que não mudou drasticamente,
inclusive as águas,
a festa da chuva
e toda a alegria aí condensada.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O SOL JÁ VAI SE PÔR


O rio,
agora morto,
ou quase.

Sentado,
um índio
o observa.

Fede, em redor.
Desvive-se a tão forte presença da vida.

O sol já vai se por.


│Autor: Webston Moura│

AQUELE HOMEM CISMANDO


Você sabe aquele homem,
só,
à beira mar,
             sentado,
             cismando,
o vento lhe batendo ao rosto?

Não.

Sabe ver,
não perscrutar.

Não o julgue,
como a este outro,
que dorme na calçada.

Pode ser você, amanhã.
O mundo é um mistério;
a vida, um labirinto.


│Autor: Webston Moura│

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O SONHO DEITADO À MARGEM DO CAMINHO


Amigo, meu mundo é este;
cabe numas poucas coisas de se carregar:
imagens, amores, umas saudades
e um olhar, já não ávido, sobre o futuro.

Da minha janela,
antes, uma mata intocada.
Hoje, o avistar do avanço imobiliário
e o fantasma de um rio comido pelo garimpo.

Ainda assim, se posso,
escuto o cantar dalgum pássaro
e a espontaneidade da chuva.

É tarde, mas digo isso não com tanta dor.
Digo: o tempo se completa e algo sonhado não vingou.
Talvez, isto seja a ausência que me acompanha,
o sonho deitado à margem do caminho.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

CIGANO


Fora de controle:
o sangue,
o plano,
o ônibus que agora passa,
veloz,
a moça,
dentro,
lendo
um livro
(janela a janela,
a vejo,
passando,
perdida de mim).

Fora de controle:
a chuva,
o raio,
o trovão,
a lama escorrendo,
como de sempre,
como se fosse a primeira vez.
Vê lá a criança se banhando na bica!

Fora de controle:
sair por aí,
sumir no mato,
ouvir a sabiá
e o vento sobre as folhas.
Entre liberdades,
ser cigano,
comprar e vender
cavalos,
tomar bebida de origem forte,
dançar com uma mulher de nome espanhol
e acordar em Ostrava, na praça principal.


│Autor: Webston Moura│

ENQUANTO TUDO ACONTECE


Lavadeiras do quintal
Lavem minh’alma com mel
Me deixem secar o pranto
Dependurada no céu.
─ Denise Emmer,
in “Lavadeiras”
(Disco “Pelos Caminhos da América”)


Há esperança, mas sofrida.
Dizem que amanhã...
E amanhã será outro ordinário dia.

Enquanto tudo acontece,
sem que meus olhos decifrem;
enquanto a dor for a bandeira mais alta;
enquanto, ao meu redor, as vozes se confundirem,
retirar-me-ei nesta ilha de íntimo amor,
ouvindo Denise Emmer
e outros pássaros.


│Autor: Webston Moura│