segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

AS MÃOS

Olhar as mãos: sabê-las; cuidá-las.
Destinos são. As duas, poder imenso.




Herdamos os que nossas mãos seguram:
o abraço; a dor; a vontade ressuscitada, sempre.

O homem é frágil, o homem é forte.
O homem é a escolha, diariamente.

O que cabe num coração?
De melhor, o que cabe?

Aqueles dias são hoje,
vidas como águas que se misturam
no tempo. E o tempo é aquático.

Aqueles dias são para as horas esticadas,
as horas em que pudermos apenas estar.
E tudo isso é uma onda infinita de eternos.

Herdamos o que nos damos.
Sejam, pois, navegações.


│Autor: Webston Moura
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SOB A LUZ

Vi um lírio martagão na encosta do monte.
Novamente fui menino e pude sonhar.





Aqui deponho as rosas ásperas
com que os homens se ferem.
É a curva necessária, antes de partir.
Há os que ficam; seus trabalhos tardam.
Há os que comigo partem, silentes.    
Nosso destino é incerto, mas necessário.
Abre-se o mundo, devagar, para o dia
da nova palavra e do novo gesto.

Aqui deponho o que me dás,
as mesmas rosas, por anos a fio
(o cálcio a prender o sempre-mesmo
de ossos mortos, vida repetida
que não mais me cabe).

Olho a estrela-guia no céu tranquilo,
bússola dos sonhadores de todos os tempos.
Ergo velas, preparo suprimentos, e me vou.

Desejo a humana, humaníssima terra,
larga, funda e próspera, promessa que me faço.
Nela, os deuses anelados ao meu coração.

(E um raio de luz ilumina um lírio,
um filho extremo de uma família eterna)



│Autor: Webston Moura
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sábado, 10 de dezembro de 2016

POR UM INSTANTE


Há muita força em qualquer coisa natural.
Coisa é ser sem nome mesmo.
E não ter nome não é demérito, mas liberdade.

Há muita força na monotonia dos peixes,
miúdos peixes que me prendem a atenção,
à beira d’água, marulhos vagando no silêncio.

Observo a condição dos homens,
espécie atônita da qual faço parte,
e vejo coisas presas a nomes.

Tenho pena de nós,
cegueira implacável
cultuada como a um deus.

(Mas deus de que mesmo?!)



│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

AO HOMEM SISUDO DESESPERANÇADO

Amargo coração,
este que armadilhas
nas alamedas do livro-de-rosto.

Escuta, pois, Nana Caymmi.
Deixa que te tome a isenção dos pássaros.

A correr na nudez das praias,
pessoa, só pessoa,
esquece-te de ti!

Não estarás aqui quando o sol despedir-se.
Sequer beberás champanhe no dia mais outro,
aquele imaginado para além, muito além.

Assim, como podes, escuta Nana Caymmi.
Aprende, marujo, a deitar carga ao acostamento.

Num monte alto,
escolha que podes,
recita a poesia de teu gozo.

Escuta o vento.
Aprende a tristeza, sua lição de disciplina,
                                   não seu remoer de dor.


│Autor: Webston Moura
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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

UMA TARDE E ALGUMAS CONFISSÕES

Ouvindo Pequeno Mapa do Tempo
e praticando meu plano de fuga.




Você é a cidade deserta.
Cheguei tarde, depois da explosão.
Havia idade em ti, outro tempo,
e você era o algodão doce, a meus olhos.
Meus olhos mesmo eram o acolhimento,
ainda não haviam sentido o infortúnio.
Viam, sem aspas e sem receios, o abrir-se
de cada coisa que, pura e nova, era tão vida!

Você é a cidade saqueada, agora taciturna.
Cheguei tarde, depois do atroz.
Ao cimo de um poste, presbítero de reveses,
um negro pássaro espreita minha figura de sol.
Talvez se apiede de não poder me ajudar.
Nem canta, nem se mexe, nem nada.

As quatro estradas vão dar aonde?
Não há placas, sinais, indicações.
É quase noite, preciso seguir.
Você, que os tolos não concebem,
ausência que se corporifica no que restou,
é a cidade de um talvez-futuro,
quando retornará numa estrela azul-arcano.
Por ora,  apenas a cidade deserta no meu coração.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 4 de dezembro de 2016

PARA ALÉM DA TUA BANDEIRA



Desconfio da tua isenção
─ os tempos são duros,
o mundo é múltiplo-caótico
                      (como sempre).
Atenha-se, módico amigo,
a pensar um pouco!
Há vida, para além da tua bandeira
(teu fígado falante e assoberbado).
Ontem, éramos mais que essa trincheira
estendida por sobre as nossas palavras,
os nossos atos e as nossas esperanças.
Hoje, malquistos mutuamente,
espreitamos, cismados, atrás de muros,
e somos menos, exceto em agonia.

Repara que o teu incêndio parte das tuas mãos.
São tuas palavras, empreiteiras de mundos,
os frutos que fabricas contra ti e contra tudo.

Queres guerras?
Quero leveza.
Não me resolvo em trânsitos de não-se-chegar
                                                           a lugar algum.

E estou sempre em voo.


│Autor: Webston Moura
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