sábado, 25 de março de 2017

UM CÃO DENTRO DE UM QUARTO



Este homem é um cão dentro de um quarto.
Só de solidão insuportável, grita e definha.
Não está só de outros, que há muitos em redor.
Está só de não encontrar mão e chão adiante.

Há um gesto de abandono nos corações.
Há um terror normalizado nas convivências.
Há uma falta, muitas faltas, todas as faltas.
Há uma vontade de fugir de todos os olhos.

Este cão, que é o homem, não mais sabe a flor,
a suavidade das auroras, a música do vento nas cortinas.
Sabe, a bem do mal que lhe corrói, receber notícias
e não faz ideia do destino a dar a tão más companhias.

Em círculos, sofre pensamentos,
reverbera-se doentiamente.


│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

COM SEU INOFENSIVO OLHAR



Agora, se muito, olha esta janela, vê a paisagem,
mas não pode dar coisa alguma ao mundo.

Este cão, homem natural,
recebe a luz, sabe seu ouro, conhece a vida,
mas não pode reestruturar nenhum destino.
Está resumido a não ter força
e a olhar um jardim saturado de lágrimas.



│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

UM VULTO AO VENTO



Ninguém lhe sabe a moradia, sequer se há.
Sabem-lhe um apelido e o olhar silencioso.

Ele sempre atravessa a rua, talvez todas,
como se esse fosse o destino único, andejar.

É o cão sem dono, andrajo, sem eira nem beira.
E não é feliz, deduz-se da falta de vida que carrega.

Não penetra o coração de ninguém,
mas talvez não seja sua culpa.
É que foi feito para isso, dizem.

Há destes homens, lápis que não riscam;
homens sem assinatura de existência.

(Quem vem lá?
Um vulto ao vento.)


│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 8 de março de 2017

É UMA PESSOA



Na condução fria dos ofícios,
a estatística assentada aos documentos.

A perícia estuda,
a polícia investiga,
a justiça fecha a conta,
a imprensa repassa,
o cidadão não sente.

Mas, não!
Não é um número.
É uma pessoa.
Sim, é uma pessoa!
Por dentro da imagem dependurada à corda,
uma mulher, 36 anos, dois filhos, um barraco,
tudo o que a estatística não captura na condução fria de seu ofício.

(O silêncio de uma pessoa,
quem o escuta?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

O ANJO



Atrás daquele sorriso,
quem diria o agudo e oculto siso?
Quem conceberia a noite profunda naqueles olhos?
Onde se escondia a insídia, se cada gesto era pássaro?

Bem por isso,
por não se imaginar jamais a queda ali instalada,
acharam de ver um anjo estendido no banheiro.
Dezesseis anos, pulsos cortados, um menino.

(Onde não nos vemos,
quem nos habita?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

UM HOMEM PACATO



O apartamento em pânico.
Como depois de uma batalha,
a terra pisoteada por mil cavalos,
móveis e miudezas espalhados.
Cinzas e guimbas de cigarro,
garrafas vazias aqui e ali,
os rastros de um homem,
sua história espatifada.

A janela, o vento entrando,
o vidro recém-quebrado,
o corpo amassado, lá embaixo,
gente em redor, uma viatura aproximando-se.

O porteiro, simples homem comovido,
repete a pergunta:  mas por que?!

Nos destroços deixados,
onde a senha mais certa para saber-se a dor?


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│