sexta-feira, 29 de março de 2019

DE SOSLAIO



Young Woman at the window (1888) - Paul Gauguin




Da janela, olha-me, de soslaio.
E eu nem sei seu nome.

Eu, velho que estou,
não lhe avivo,
por certo,
ânsias jovens.

Com meu passo,
devagar,
talvez lhe sugira apenas
curiosidade ou algo menor.

Seus olhos,
mesmo em esguelha,
parecem-me dois bichos,
eletricidade de inícios,
quando todos somos verdes
e, portanto, abertos aos abismos
e à sinceridade das flores.


│Autor: Webston Moura│

AFLITO E APRESSADO


Aflito e apressado,
passo por aqui,
rua conhecida e perigosa.
Viro esta esquina,
não sem antes
me assegurar de algum futuro,
um sinal que me diga sim.

O suor me lava,
o medo me convém,
a adrenalina me pesa.

O ônibus, o ônibus, o ônibus
acaba de passar: meu aceno se perde na névoa,
                                            as luzes se confundem
                           e há dois sujeitos, além de mim,
                             rostos fechados, olhares duros.
Da parte deles,
será só cansaço
ou,
para mim,
azar?
Aproxima-se um deles
e me diz, súbito, “fogo”!
Em sua mão, um cigarro;
na minha, todas as dúvidas possíveis.

│Autor: Webston Moura│

terça-feira, 12 de março de 2019

ESPLENDOR


Radient Splendor (2012) - Eyvind Earle





Noite fria:
um grilo,
só,
estende o canto,
infinitamente,
como se compusesse a geografia
                                    do que sinto.

As coisas,
sob o frio,
parecem mais concentradas.
Não de dor,
mas de vida,
esta estendida,
tranquila,
como a lua,
gratuitamente prata
no esplendor de sua beleza.

Que horas são?
Não importa.



│Autor: Webston Moura│

segunda-feira, 11 de março de 2019

TODA A ALEGRIA AÍ CONDENSADA



Enquanto chove
recupero um silêncio antigo,
aquele de quando criança,
a escutar só a chuva
e seus resultados.

A natureza isto ensina:
tudo que nos é anterior
e que ainda vive,
de ventos renovados
a estrelas muito antigas,
de tudo que não mudou drasticamente,
inclusive as águas,
a festa da chuva
e toda a alegria aí condensada.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O SOL JÁ VAI SE PÔR


O rio,
agora morto,
ou quase.

Sentado,
um índio
o observa.

Fede, em redor.
Desvive-se a tão forte presença da vida.

O sol já vai se por.


│Autor: Webston Moura│

AQUELE HOMEM CISMANDO


Você sabe aquele homem,
só,
à beira mar,
             sentado,
             cismando,
o vento lhe batendo ao rosto?

Não.

Sabe ver,
não perscrutar.

Não o julgue,
como a este outro,
que dorme na calçada.

Pode ser você, amanhã.
O mundo é um mistério;
a vida, um labirinto.


│Autor: Webston Moura│