sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O SONHO DEITADO À MARGEM DO CAMINHO


Amigo, meu mundo é este;
cabe numas poucas coisas de se carregar:
imagens, amores, umas saudades
e um olhar, já não ávido, sobre o futuro.

Da minha janela,
antes, uma mata intocada.
Hoje, o avistar do avanço imobiliário
e o fantasma de um rio comido pelo garimpo.

Ainda assim, se posso,
escuto o cantar dalgum pássaro
e a espontaneidade da chuva.

É tarde, mas digo isso não com tanta dor.
Digo: o tempo se completa e algo sonhado não vingou.
Talvez, isto seja a ausência que me acompanha,
o sonho deitado à margem do caminho.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

CIGANO


Fora de controle:
o sangue,
o plano,
o ônibus que agora passa,
veloz,
a moça,
dentro,
lendo
um livro
(janela a janela,
a vejo,
passando,
perdida de mim).

Fora de controle:
a chuva,
o raio,
o trovão,
a lama escorrendo,
como de sempre,
como se fosse a primeira vez.
Vê lá a criança se banhando na bica!

Fora de controle:
sair por aí,
sumir no mato,
ouvir a sabiá
e o vento sobre as folhas.
Entre liberdades,
ser cigano,
comprar e vender
cavalos,
tomar bebida de origem forte,
dançar com uma mulher de nome espanhol
e acordar em Ostrava, na praça principal.


│Autor: Webston Moura│

ENQUANTO TUDO ACONTECE


Lavadeiras do quintal
Lavem minh’alma com mel
Me deixem secar o pranto
Dependurada no céu.
─ Denise Emmer,
in “Lavadeiras”
(Disco “Pelos Caminhos da América”)


Há esperança, mas sofrida.
Dizem que amanhã...
E amanhã será outro ordinário dia.

Enquanto tudo acontece,
sem que meus olhos decifrem;
enquanto a dor for a bandeira mais alta;
enquanto, ao meu redor, as vozes se confundirem,
retirar-me-ei nesta ilha de íntimo amor,
ouvindo Denise Emmer
e outros pássaros.


│Autor: Webston Moura│

sábado, 5 de janeiro de 2019

ESTAR AÍ


Ser aquele pássaro,
longe,
desperto,
volteando no céu.

Ser a nuvem,
raios do crepúsculo,
noite que se chega.

Na madrugada,
a tempestade,
cavalos correndo na liberdade.

Estar aí,
sem motivos,
orvalho calmo
sobre novos e antigos.


│Autor: Webston Moura│

domingo, 23 de dezembro de 2018

ESSES DIAS DE CALOR


Esses dias de calor
com que lidamos,
a contragosto.
As horas consumidas
em sobreviver
enquanto a noite se guarda
detrás dos ocultos.

Dado isso,
não se estranhe
a exaustão
em nossos gestos,
as falas guardadas
atrás da imagem,
os olhares aguados
aos quais nos damos
e a vontade de fugir
para reinos inventados.


│Autor: Webston Moura│

sábado, 22 de dezembro de 2018

À HORA DESERTA


Dada a pressa que julgamos necessitar,
nem nos vemos senão nesse não-sentir.

E nos acostumamos.

Por isso,
à hora deserta,
com a rua deserta,
dá-me vontade de correr
como quem, nascendo,
sabe um rio nalgum lugar
fora deste corpo excessivamente funcional.

Por isso,
a dança,
a anti-destreza,
o andar como vagar,
o sair-por-aí
que, à hora deserta,
me tomam,
ao menos imaginadamente.

Dada a pressa que julgamos necessitar,
perdemos os ciclos das coisas que vivem de graça
e só nos vemos nesse não-sentir
dentro deste corpo excessivamente funcional.

│Autor: Webston Moura│