sexta-feira, 27 de julho de 2018

O CACIMBÃO


Era um cacimbão grande, fundo.
Embora desativado, ainda continha água,
uma água escura, quieta.
Na escola, era um dos lugares mágicos,
mesmo que isso se desse por medo.
Íamos ali, à sua boca, olhar
e temíamos aquelas paredes descascadas,
aquela água parada, a parecer antiga,
onde algum monstro havia de morar,
para sair durante a noite.

Um dia, um gato caiu no cacimbão.
Um garoto, astuto de sua natureza,
fez um laço e o retirou lá de dentro,
içou-o à borda, salvando-o.
Aplaudimos nosso herói.
Até a diretora gostou.

Os anos se passaram.
Sem perceber, estávamos maiores
e atentos ao andar das meninas.
Suas saias eram tão bonitas.
Seus perfumes, seus cabelos.
Foi assim que nos esquecemos do cacimbão,
ao menos de olhá-lo tanto.
Mas, nunca o deixamos totalmente.

Dizem que ele não existe mais,
que fora aterrado com entulho
e que lhe pesam,
sob a escuridão da terra,
muitas toneladas de memória.


│Autor: Webston Moura│

PEQUENA CRÔNICA DE UM POVOADO EXTINTO


Havia umas velhas máquinas,
já carcomidas de ferrugem.
Abandonadas ao nosso olhar de criança,
não eram desusos, mas invenções de mundos.
Para trás das casas, a mata, onde se ia buscar mel e juá,
além do mais que os adultos necessitavam.

Todos éramos muito iguais,
mas da igualdade que não letargia.
Éramos iguais de conviver,
iguais da vizinhança familiar.

Bem por isso os discos voadores
e as estórias de visagens eram mais sonháveis,
os medos eram mais lúdicos
e os assaltos eram apenas assunto de TV.

Um dia,
puseram fogo na plantação,
por acidente,
o que, para nós,
em vez de problema,
foi visto como quebrar a rotina:
crianças, adolescentes e adultos
correndo com água para tudo apagar,
praticamente uma gincana.
Mas, do outro lado,
as máquinas não pegaram fogo,
protegidas por uma civilização alienígena
que ali desempenhava futuros projetos de invasão da Terra.


│Autor: Webston Moura│

BEIRA DE RIO


Beira de rio,
onde se escuta o vento
acariciar a vegetação.

O sol,
em hora mansa,
clareia mais que aquece.

Por cá,
a solidão não dói,
não é tratada com tarjas pretas.

O tempo,
nesta paragem,
não corre.

E meu coração é todo humano,
fruição sem mácula,
quase materno.


│Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 25 de julho de 2018

EXÍLIO



Hoar Frost (1906) - Lucien Pisarro





Sou senhor de coisas poucas,
pequenos atos, passos discretos.
       Lá fora, onde os outros gritam
                   seus corpos em chamas,
                         suas palavras certas,
                          não principio gesto,
                                           não caibo.

Nesta pequena vereda,
conversa íntima e serena,
de azuis acalmados,
moro.

Por isso, esta economia de desejos,
estas mãos buscando as brumas
quando a manhã ainda é trégua.


│Autor: Webston Moura│


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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SINGRAR



Ponho o barco à disciplina do vento.
Meço o mês, as estrelas, a experiência.
Navego outro começo, reinauguro mão e senda.
Tudo é luz, sol repleto por sobre a Terra.
E eu, ainda que pouco por sobre as águas, vou-me,
                                                      um tanto de pássaro,
                                                          um tanto de medo,
                                                           um pouco por dia,
até me esquecer do tempo.


│Autor: Webston Moura│