sábado, 20 de agosto de 2016

LICOR E PENÍNSULA

Vazia a praça,
as águas falavam.
Uma praça azul:
líquida e fêmea.

Como quem,
depois de dez anos,
retorna de alguma península esquecida,
perdia-me no ir e vir, volteando 
            ladrilho, ladrilho, chiclete, ladrilho,
            ladrilho, moeda, ladrilho... A torre!

A igreja, a mesma;
sua pintura, não.
Do outro lado da rua,
um bebê e uma mãe,
os dois em remanso.

Ladrilho, água, ladrilho, água.
Gosto de estar, depois de dez anos,
volteando a música licorosa na carne,
passado e presente, domingo e vazio.

Vazia a praça, porque para mim:
marujo e azul, domingo e vazio.

Vazia a praça
depois de dez anos,
ladrilho e chiclete,
licor e península.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 14 de agosto de 2016

ESMERALDAS FLUÍDAS

Eu nada tenho a ver com os homens
que versam solilóquios de fins-de-mundo.




Correm as águas mansas, é madrugada.
O riacho é a maturação de uma calma adquirida.
Em seu cerne, as vidas de seres
que falam as suas próprias línguas
e exibem noites em seus corpos.
Seus olhos são líquidos
e suas escamas cintilam.

Correm as águas numa imaginada
tela de Marc Chagall.
Nela, sonha-se um andarilho que diz
ter sido navegante de viagens agradáveis.
Resta o carcomido casco de um barco,
agora moradia de esmeraldas fluídas.

Em redor... árvores.


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 30 de junho de 2016

COM UM EQUINÓCIO NA BOCA

Tudo que se passa aqui
Não passa de um naufrágio



Frágil, a transparência do vidro.
Meu olhar se repleta de sua queda,
uma jarra posta sobre uma toalha branca
numa mesa escura de madeira antiga.
Ao fundo, uma janela também de vidro
que permite imaginadas e frágeis garças.
A jarra cai e se despedaça no chão.
Depois, o silêncio perpassado de luz,
os cacos aquietados e disformes,
a lembrança da harmonia anterior.

A vida, que assim se parece
(a vertigem antes das quedas),
amo-a como às flores fortes e rúpteis.
Dou-me a estes entalhes de palavras discretas,
as quais se possibilitam no mundo onde vivo,
para que não me possa desaparecer o gosto
de saber-me aqui, este aqui passageiro,
única terra onde vim ser bárbaro
e, simultaneamente, terno.

Escuto, em anil, uma voz de mulher:
       “Gosto muito da palavra equinócio,
         pois me lembra de coisas que não diviso
         senão com os olhos fechados.”



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NOTA:
1. A epígrafe são versos da música "Água" de Djavan, que se encontra neste disco: [link: https://youtu.be/]

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│Autor: Webston Moura
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