quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

ANOTAÇÃO ANTIGA



quando a noite
com seu eterno e sutil silêncio descer
repousarei sob a consciência

breve

meus olhos irão se desvanecer, breve
em pálpebras inertes...
― a minha mente vagará em outras dimensões

disperso

ficará anotado em meu diário:
― meu dia não foi em vão, amanhã serei outro tempo



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# Poema constante de AS CORES DO TEMPO (Calibán, 2007)

│Majela Colares
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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

DOIS POEMAS DE DÉRCIO BRAÚNA


PEQUENOS DEUSES


Repara na tarde que te guarda (na vida
que te escapa, cada polegada por
segundo): o que nela não é senão essa
confusa distribuição de seda e péssimo?[18]

Vês aquelas crianças: contra a púrpura
da tarde, sobre suas velhas bicicletas
(como pequenos deuses em aparição),
não dirias que todo futuro será fabuloso?

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O CREPÚSCULO POR SOBRE AS COISAS


Mas as nuvens alaranjadas do crepúsculo
douram todas as coisas com o encanto da
nostalgia; até mesmo a guilhotina,[19] até
mesmo essas futuras bestas que, sobre
suas idílicas bicicletas, não imaginam
(poderiam?) a esplêndida atrocidade
que suas pequeninas mãos guardam. ―
Eis o milagre sumário das coisas.


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NOTAS (Conforme enumeradas no próprio livro, Metal sem Húmus):
18. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, Claro enigma – “Contemplação no banco” (Rio de Janeiro: Record, 2006, p. 38).
19. MILAN KUNDERA, A insustentável leveza do ser (São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 10).


# Poemas constantes de Metal sem Húmus (7Letras)

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

VOLTAR AO SOPRO






“Tudo isto para brilhar um instante,
apenas, para ser lançado ao vento,
— por fidelidade à obscura semente,
ao que vem, na rotação da eternidade.”
- Cecília Meireles, em “Primavera”



Nada que não seja isto:
diante dos girassóis,
encher-me de amarelos,
com o horizonte ao fundo,
o azul em que dança
a imagem de um pássaro
                                    que,
                    por longe,
não diviso.

Nada que não seja isto:
abrir o livro da tarde
(em verdade, abrir-me),
para receber a luz
que do pássaro aos girassóis
a tudo repleta e aviva.

Nada que não seja estar
com estas inflorescências.
Longe de toda insalubridade,
poder voltar ao sopro.

│Autor: Webston Moura




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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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OS DIAMANTES DE SERRA LEOA



suas arestas são gumes:
não de cortar epiderme, mão nua;
são gumes que cortam antes
          (no haver entre a mão e a pedra),
cortam no instante estrito
          (à guisa do feitio de um cão
           lançando-se à espoleta)
em que o olho
se desaba sobre a esquálida arquitetura
dos meninos mineiros,
         seus apanhadores
                   (que trazem a infância
         tão perdida ―
                    funda ―
         quanto a conta dos mortos
         ficados sob terra
         gritando às oiças dos vivos).


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# Constante de A Selvagem Língua do Coração das Coisas (Realce, 2005)

│Autor: Dércio Braúna
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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O santuário




Entro no teu corpo
branco santuário
de cal e camélia
o porto que abriga
a nau insensata
e sombra de espiga
no chão do verão.
No teu corpo encontro
a âncora da vida
achada e perdida
no Mar Oceano
o cheiro de estrume
guardado no estábulo
o longo sol pálido
que nos ilumina
como um candelabro
que jamais se apaga
no final da festa
de arquejo e desejo
quando só nos resta
a sobra das almas
saliva e sobejo na escuridão.

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# Constante de Cem poemas de amor (Escrituras Editora, 2004).

│Autor: Lêdo Ivo
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A BARCA DAS SONHAÇÕES



I.

Há de ser mais bonito o mar que nunca vi ―
essa pátria que é a minha!:
nunca pude mesmo
ir-me destas singelezas
(espoletas do ínfimo, diria um fazedor de amanhecer).

Eu, neste tempo presente,
vivo é porque anda esta mão minha
por desassentar a crueza da luz
sobre a sofrência em que vamos
uns irmãos com os outros
e a mudá-la em cor de tingir poesia.

Mesmo pegado do pouco delírio que lhe vou a dar,
meu verbo navega
(pobrezito na barca sua em que vai)
para além da tristência de agora-aqui.


II.

É-me um estranho solo este
dos homens desconstrutores das sonhações ―
desaceito a veemência de suas arcarias;
bebo-me nas coisas por outra ordem.

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# Constante de A Selvagem Língua do Coração das Coisas (Realce, 2005)

│Autor: Dércio Braúna
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