sábado, 10 de dezembro de 2016

POR UM INSTANTE


Há muita força em qualquer coisa natural.
Coisa é ser sem nome mesmo.
E não ter nome não é demérito, mas liberdade.

Há muita força na monotonia dos peixes,
miúdos peixes que me prendem a atenção,
à beira d’água, marulhos vagando no silêncio.

Observo a condição dos homens,
espécie atônita da qual faço parte,
e vejo coisas presas a nomes.

Tenho pena de nós,
cegueira implacável
cultuada como a um deus.

(Mas deus de que mesmo?!)



│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

AO HOMEM SISUDO DESESPERANÇADO

Amargo coração,
este que armadilhas
nas alamedas do livro-de-rosto.

Escuta, pois, Nana Caymmi.
Deixa que te tome a isenção dos pássaros.

A correr na nudez das praias,
pessoa, só pessoa,
esquece-te de ti!

Não estarás aqui quando o sol despedir-se.
Sequer beberás champanhe no dia mais outro,
aquele imaginado para além, muito além.

Assim, como podes, escuta Nana Caymmi.
Aprende, marujo, a deitar carga ao acostamento.

Num monte alto,
escolha que podes,
recita a poesia de teu gozo.

Escuta o vento.
Aprende a tristeza, sua lição de disciplina,
                                   não seu remoer de dor.


│Autor: Webston Moura
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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

UMA TARDE E ALGUMAS CONFISSÕES

Ouvindo Pequeno Mapa do Tempo
e praticando meu plano de fuga.




Você é a cidade deserta.
Cheguei tarde, depois da explosão.
Havia idade em ti, outro tempo,
e você era o algodão doce, a meus olhos.
Meus olhos mesmo eram o acolhimento,
ainda não haviam sentido o infortúnio.
Viam, sem aspas e sem receios, o abrir-se
de cada coisa que, pura e nova, era tão vida!

Você é a cidade saqueada, agora taciturna.
Cheguei tarde, depois do atroz.
Ao cimo de um poste, presbítero de reveses,
um negro pássaro espreita minha figura de sol.
Talvez se apiede de não poder me ajudar.
Nem canta, nem se mexe, nem nada.

As quatro estradas vão dar aonde?
Não há placas, sinais, indicações.
É quase noite, preciso seguir.
Você, que os tolos não concebem,
ausência que se corporifica no que restou,
é a cidade de um talvez-futuro,
quando retornará numa estrela azul-arcano.
Por ora,  apenas a cidade deserta no meu coração.


│Autor: Webston Moura
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