sexta-feira, 25 de novembro de 2016

POEMAS DE PEDRO DU BOIS

1 Alugo o corpo ao personagem
e sou incorporado ao discurso plástico
da inverdade. Sou deus e demônio
personificados nas contradições. Besta
e pomba. Homem despossuído
de razões. A aparente calmaria antecede
a tormenta e a neve desce a montanha.

Sou outras gentes. Gentios
e crentes. A plateia estática na ação
do palco. O finalizar da música
no arrastar das cadeiras.


2 Ser além do personagem
o mito. História
em sua criação na apropriação
da ideia.
      A luz ilumina o palco
      com palavras
      apostas no papel.

A aposta sobrevive ao instante
da criação. A aposta se conforma
ao espaço preenchido de oportunidades.


3 Repito o texto
realizo o gesto
materializo
a palavra.

Permaneço.


4 Avesso ao comum
imortalizo
      a cena. O aplauso
      contém o ressentimento
      da realidade.

Retorno
e aprofundo
a vida
em verdades.



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Poemas constantes de "Poemas" (Projeto Passo Fundo, 2016)



NOTA DO EDITOR DO BLOG: O livro "Poemas", de Pedro Du Bois, o qual tive o prazer de fazer a apresentação, dividi-se em oito partes (secções), a saber: "Caminhar". "Iniciação ao Trabalho"; "Personagem"; "O Dia Empedrado"; "Sobre Leituras e Desentendimentos"; "Habitar", "Sob(re) o Melhor dos Mundos"; "A Indeterminação da Certeza". São dezenas de poemas, mas não estão distribuídos aleatoriamente, posto que, de conjunto em conjunto, formam uma unidade densa e complexa. O próprio título do livro, "Poemas", sugerindo o óbvio sobre o que ali se espera, é algo a se pensar no que diz respeito às sutilezas tantas, riquezas todas.  É uma poesia que nos convida a trabalhar. Os três poemas deste post constam da secção "Personagem". Sobre o autor, visite seu blog: http://pedrodubois.blogspot.com.br/.

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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

NA HUMANA PAISAGEM QUE ME PASSEIA

Cometo erros, e a simetria dos meus olhos
canta cascade, de Siouxsie and The Banshees.
Querem-me ordinário, usual e militante,
mas eu gosto é desses campos vazios,
o vagar da mente nos detalhes e no esparso.

Cometo erros, carne-e-osso, loiras noturnas
sorrindo sob a placa de neon-clichê, vénus.
Sinto-me assim, peixe incerto, lume-oscillare,
cântaro a receber ciganas danças, luau.

Chama-me, amor, babel querida, mulher!
Cá estou, calça jeans, sábado de ócio.
Chama-me, bala de café, fogo nômade!
Cá estou, velas ao vento, noite orvalhada.

Cometo erros.
E o que seria de mim
se não os cometesse
na humana paisagem que me passeia?

Quero fugir, quero fugir, quero fugir
de todos os olhos repetitivos.


│Autor: Webston Moura
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sábado, 19 de novembro de 2016

UMA CANÇÃO, DE OLHOS FECHADOS

Quem frequenta esta varanda
montada em sonhos?



Ainda não! ─ digo ao por-do-sol,
lenta amorosidade que me toma,
para que se demore mais ao coração.
A Terra, noutros lugares, amanhece,
mas aqui não logro medir tempos;
quero a duração da natureza,
este seu fenômeno dito pousar a luz,
adentrar a noite e deixar subir ao chão do mundo
os olhos perspicazes de outros seres.

Mas, ainda não, que desejo
estar no talvez, na imprecisão,
no reflexo áureo-fugidio da luz na água.
Queira-me assim, impensante.

A vida é bela,
uma canção de olhos fechados,
Gal Costa passeando voz na amplidão.


│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O ABSOLUTO

Ora che amo te
nasce il tempo da vivere*



Há uma moça debruçada na janela.
Seus cabelos, calidez mansa.
Olha a rua de um ano remoto,
cidade elevada ao sonho.

Seu vestido, silêncio, dobras,
a canção latente, o livro verde.

Para ela, meu olhar invisível.
Percorro o império de sua liberdade.

Na janela,
a moça,
recuado tempo,
rua e sombrinhas,
o absoluto.


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* Versos de "Grazie Amore", de Gigliola Cinquetti (intérprete)

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│Autor: Webston Moura
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PEREGRINO

Onde estão os homens,
os sérios homens angustiados,
não faço pátria.

Não tomo assento à beira
da desordem daqueles homens,
todos municiados de dissabores.

Antes, bem antes, o que eu quis
foi estar nesta estrada a que me dou
de pés descalços.

É a velha estrada,
esta velha e (em mim) sabida estrada,
inícios de meus passos, os mais primeiros,
mesmo que outros, mesmo que novos,
dado que tarefa e caminho do peregrino.


│Autor: Webston Moura
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UM NO OUTRO

Eu te dou esta música
e uma quinta-feira cuja tarde
é plenamente autêntica.    
Esquecidos de nós, somos!
E, mais tarde, quando a lua surgir,
conte-me, sem pressa, alguma lenda
de algum povo antigo e feliz.

Quero ver-te na duração de um café:
ritmo que se põe à boca
enquanto se vislumbra
o pouso de uma ave
no verde da folhagem.

A vida é isto,
discos espalhados,
o frasco de perfume
denunciando o íntimo
que nos toma um no outro.

Nosso tempo,
música gozosa e imune a intempéries,
diz-se casa e viagem,
               nunca exílio,
               nunca ausência.

│Autor: Webston Moura
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