quinta-feira, 19 de maio de 2016

PALAVRA ABERTA PARA A MANHÃ

Um café e o meu silêncio.




De saudades, entardeci.
Minha boca pronuncia terçã,
guarda-louça, mormaço e lisonja.
Apareço na generosidade
da palavra gentileza,
na sua cortês melodia
de moça e cozinha.

Assina-se brandura
às almas que ainda se põem,
entre um fagote e um oboé,
dissipadas de medos letais
no sempre que de comer bolachas,
devagar, como as crianças que se perdem de si
olhando a rua, a partir de batentes antigos
de casas que não existem mais senão em afrescos.

As pedras se limam, mutuamente.
Os afetos, igualmente, contra e com.
A vida, rio de tardanças, dá as cartilhas.

De Monet, Bain à la Grenouillère,
imersão a que me ponho.
Demoro-me no que seja alegria e paz.
E, da pintura, procuro um neologismo
para o que sinto ─ que seria?

De saudades, entardeci, já o disse.
E, agora, leve-leve, pronuncio janela,
palavra aberta para a manhã.


│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 18 de maio de 2016

ENTRE A HISTÓRIA E O RUMOR

Com seu olhar indestrutível.





Tudo será tarde:
agosto, derradeiro olhar.
Em desfecho, seguir.
Malas prontas,
silêncio,
vestes sóbrias,
um lenço ao bolso,
nenhuma palavra.

Pensando, diga ser feriado
ou um dia visitado, mas por fora.
E se vá, não se aperceba de uma qualquer novidade.
Não intente argumentar uma última música,
uma lágrima, de soslaio e cativante.

Não pense em mais nada.
Esqueça a salada tantas vezes errada,
o molho em desalinho, o ponto derrapante,
algum abril, uma culpa partilhada, móveis em comum.

Rasgue as cartas,
queime-as
e deixe o vento saber.

Caso possa,
caso queira,
encontre um cais
e apenas olhe.


│Autor: Webston Moura
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sábado, 14 de maio de 2016

ROSÁRIO

Uma pessoa, seu trânsito:
conter o infinito no finito.




Sou uma pessoa de carne e osso,
e o tempo me atravessa.
Eu, ínfimo-um, percorro
a história que me faço,
aparentemente só.

Moro na presença que
me desfruta a fala, o olhar,
as manhãs que, por lembrança,
ainda são, mas que já se foram.

Sofro impasses e risos.
É de lei que assim o seja:
oscilar entre oblíquos
e saúdes; suportar
a asa que sustém
o peso de toda a alma
que carrego.

Sou de um tempo desistorizado,
tempo em que os homens já não andam
desarmados de argumentos e cobranças.

Quando meigo e reclinado no leito de um céu,
desejo o sweet-kitsch da canção que,
entre rosas vermelhas e domadas,
derrama coelhos num dia de abril.

Quando crasso, mergulho cavalos
em ruivos prados; vou-me
para o lado de dentro do véu,
onde a palavra ainda é virgem.

E desconfio de que o amanhã
revelará apenas a novidade já sabida,
a de que o mundo não mudou
e isso aconteceu enquanto eu partia
de um dia para o outro,
como num rosário.


│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 13 de maio de 2016

O ABANDONO


(Onde o incerto, também a vida)


A calidez com que o dia se ergue
e afia o seu humor por sobre as casas.
A nossa forma mesma de recebê-lo,
impossibilitados de sermos mais.
A vaga lembrança, no meio da tarde,
de um momento de devaneio.
A consciência e os hiatos
que preencherão o corpo.
O inventário de infrações e desejos,
caderno posto a funcionar sem fim.
A pele que se enruga, ao espelho:
luz devolvida em desagrado.

Abrir a porta,
como quem já sabe,
e, a seu pé,
um perene tigre reencontrado.
Erguer os braços e despejar
os restos de um sono conhecido.

Bocejar
(um por um triz):
e ar não faz música.

Tomar banho,
comer o rápido
e sair em áspero.

O abandono.


│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 9 de maio de 2016

NAS NUVENS DO PEITO

No fim da tarde, o vento e a amizade.




O homem de pouca conversa,
com uma gaiola sem canário
e uma coleção de gravatas borboleta.

Comprava o jornal, tomava o café,
fumava, punha-se a olhar a cidade,
passeava praças e ruas.

Sabia dos terminais de ônibus
e do preço dos legumes.

Era de pouca conversa
e, assim, não lhe apetecia
dar-se ao saber alheio mais que
o exposto em sua figura.
O mais era a imaginação dos outros.

Comer, dormir,
banhar-se, vestir-se,
tomar sabência
da pressão arterial
e do fígado,
ver subir e descer
governos,
pagar impostos
e taxas.

Abria,
entrava
e fechava
aquela porta.
Sua casa,
aquela das janelas que só
às vezes eram abertas:
nada se via de mais.

(Nas nuvens do peito,
ao som do Hyperborea,
Teresa dançava enamorada
de Vinícius de Moraes
─ e ninguém sabia).


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NOTA:
1. Hyperborea refere-se a um dos álbuns da banda alemã Tangerine Dream.

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│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 5 de maio de 2016

A MOEDA SEM FACES

Pagarei na mesma moeda!
Anos depois, ainda estava lá.

Numa velha caixa de sapatos,
a servir de pequeno arquivo,
o envelope delicadamente cuidado
(é meu costume),
sem dobras,
delgado e já não tão branco,
o selo datado
de alguma íntima paragem
a que me reservo não dizer.

Dentro,
de entre três tipos de papeis,
cores distintas, tessituras não menos,
o cheiro, embora velho, ainda.
E, também, todas a palavras,
frases ditas em en-ca-de-a-men-to
perfeito ─ poder-se-ia dizer uma música
ou a forma com que as geometrias do regular
se expõem ao sol dos nossos olhos ─,
tudo que num setembro ido
havido me foi
quando li:
pagarei na mesma moeda!

Distinguiria, se soubesse
a peleja, se assim o fosse
(que teria sido?),
mas não sei até hoje
mais que o depois,
o que me ficou:
o nunca mais.

Agora, que faço eu da vida sem você?[1]



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NOTA:
1. Primeiro verso do refrão da canção popular "Você não me ensinou a te esquecer" de Fernando Mendes (seu intérprete primeiro), a qual Caetano Veloso depois "refez" à sua maneira.

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│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 29 de abril de 2016

O ELO-ENCONTRADO

Não fará com que te solte
Nada no mundo: me prende
Que assim vence não se rende
Nosso amor. Nós: és-me. Sou-te




Procuras-me? À procura estou dAquela
Mulher-Síntese, a Múltipla (Cavala
Lâmia Circe Vampira Generala
Mãe Amiga Irmã Noiva Cinderela

Fêmea Amada) e Si-Mesma: desabala
Meu ser e desintegra-se, esfacela-
Se, entrega-se à Visão de Ti, a Bela
Ante a qual já não sou: sou-Te; és-me; estala

O novo sermos em fusão; anulo
O outro que fui, refaço-me Teu; Ela,
A que foste, em mim transmudas; engulo-

Te, entranhas-me e anelados, em casulo,
Elo, circumprojeto-Te; enovelas-
Me, engravidas-me, ao passo que Te ovulo



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# Poema constante de "Miravilha: Liriai o campo dos olhos" (Confraria do Vento, 2015)

│Autor: Alves de Aquino, O Poeta de Meia-Tigela


# LEIA TAMBÉM:



O Poeta de Meia-Tigela (Alves de Aquino), natural de Fortaleza-CE, 1974, participou em 2007, da Antologia Massanova – Poesia Contemporânea Brasileira. É autor de: Memorial Bárbara de Alencar & Outros Poemas (2008); Concerto Nº 1nico em Mim Maior Para Palavra e Orquestra. Poema: Combinação de Realidades Puramente Imaginárias [Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2010]; Miravilha – Liriai O Campo dos Olhos [Confraria do Vento, 2015]. Seu blog: http://opoetademeiatigela.blogspot.com.br/.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Hálito de terra

Com as mãos infantis,
desequilibrou minhas
águas primitivas:

meu peixe de infinita candura.

Em seu lago
de salgado gosto,
renova oceanos quando chora
e planta benquerenças nas bordas
de meu rio.

Porque livre está de minhas areias,
embora semente,
               fruto
               e raiz.


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# Poema constante de "Milagreira" (Casarão de Poesia, 2011)

│Autora: Iara Maria Carvalho



Iara Maria Carvalho nasceu em 1980, em Currais Novos, Seridó norte-rio-grandense. É graduada em Letras e mestra em Estudos da Linguagem, pela UFRN. Atua como agente cultural em sua cidade, através do Grupo Casarão de Poesia. Como poeta, venceu o 3º Concurso de Poesia Zila Mamede (Parnamirim/RN, 2006) e obteve a 3ª colocação no Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody (Curitiba/PR, 2010), dentre outros concursos.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

LÁGRIMAS ROLANTES

I can’t goethe no




Tardinha passando
Crianças brincando
Vejo-as sorrir
Mas não para mim
               Eu me sento e sinto
               Lágrimas surgindo

Nem tudo tem preço
Cantem eu lhes peço
Só consigo ouvir
A chuva cair
               Eu me sento e sinto
               Lágrimas surgindo

O dia acabando
Crianças brincando
Como eu, nessa idade
Acham ovidade
               Eu me sento e sinto
               Lágrimas surgindo

Um-uumm-uumm-um...



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# Poema constante de "Girândola" (Substânsia, 2015)

│O Poeta de Meia-Tigela


O Poeta de Meia-Tigela (Alves de Aquino), natural de Fortaleza-CE, 1974, participou em 2007, da Antologia Massanova – Poesia Contemporânea Brasileira. É autor de: Memorial Bárbara de Alencar & Outros Poemas (2008); Concerto Nº 1nico em Mim Maior Para Palavra e Orquestra. Poema: Combinação de Realidades Puramente Imaginárias [Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2010]; Miravilha – Liriai O Campo dos Olhos [Confraria do Vento, 2015]. Seu blog: http://opoetademeiatigela.blogspot.com.br/.

Dormir

Estou adormecido
em sonhos recorrentes: o medo
eleva meu corpo sobre o telhado
                               e o sentimento
                               da irrealidade
                               suspende a ideia
                               de estar avivado.

Sou na igualdade o trunfo
oposto no aspecto
do homem adormecido
em si mesmo.




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# Poema constante de "Iguais" (Projeto Passo Fundo, 2013 - LINK: http://goo.gl/p8360A).


# LEIA TAMBÉM:



Pedro Du Bois, poeta e contista. Passo Fundo, RS, 1947. Residente em Balneário Camboriú, SC. Vencedor do 4º Prêmio Literário Livraria Asabeça, Poesia, com o livro Os Objetos e as Coisas, editado pela Scortecci Editora, SP. Tem publicado pela Corpos Editora, Portugal, A Criação Estética; Pela Sarau das Letras, Mossoró, RN, Seres; Pelo Projeto Passo Fundo,Brevidades, Via Rápida, Iguais e Em Contos; Pela Editora Penalux, O Senhor das Estátuas. Blog [http://pedrodubois.blogspot.com.br/].

terça-feira, 26 de abril de 2016

ESTIAGEM

I

Esta pele de peixe
resseca ao sol

(quando levaram,
daqui, o mar?)



II

Mas, vejam, sob o pó
arrasta-se a respiração

No fundo do corpo
encolhe-se a umidade



III

Vive ali um oceano
vasto azul voraz

E, notem, a morte
não soube o seu nome


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│Autor: Alberto Bresciani
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