terça-feira, 26 de abril de 2016

ESTIAGEM

I

Esta pele de peixe
resseca ao sol

(quando levaram,
daqui, o mar?)



II

Mas, vejam, sob o pó
arrasta-se a respiração

No fundo do corpo
encolhe-se a umidade



III

Vive ali um oceano
vasto azul voraz

E, notem, a morte
não soube o seu nome


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│Autor: Alberto Bresciani
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FLORES PARA COIMBRA

Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.

Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.

Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.



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# Poema constante de “30 Anos de Poesia” (Dom Quixote, 1997)

│Autor: Manuel Alegre

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NO MERCADO DE SORRIDENTES AZÁFAMAS

Lobo do homem,
o homem, desencontro de si:
aflito; contristado e inquieto.
Lobo do homem,
o homem engenheiro do caos,
cainçada estrídula abrindo caminho.
Lobo do homem,
o homem no limbo, à margem,
velho pierrot alucinado.

Dorme, acorda, destrói.
Dorme, acorda, destrói.
Dorme, acorda, destrói.

De olhos lacrimosos,
olhos de se amar,
medos de se morrer,
fomes de se chorar,
                 o homem lobo do homem
                 vaga sobre a Terra
                 desde os tempos de antanho
                 a estes dias de nunca.

(Que faço,
armado de palavras-gérberas,
ansioso e enguiço de poemas,
entre homens lobos de homens?
─ pergunta o poeta à beira de si.

E lhe respondem com dinheiro
& dias de saldo
no mercado
de sorridentes azáfamas).


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│Autor: Webston Moura
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O RESULTADO DE TODOS OS DÍZIMOS

Somos escombros de mundos passados,
sombras de pensamentos já havidos:
no galpão abandonado, um menino
transita, e não lhe vemos o rosto;
           um pássaro sem nome voa
                     por sobre sua cabeça
e sai pelo oco do quebrado vitral
               para o aberto da manhã
                               (que se repete).

(Ontem, ecoava Magdalena Kozena
enquanto os lírios se abriam
de dentro das palavras de Nuno Júdice.
Estávamos no vergel e éramos apenas nós.
O futuro nos sorria, adiante, no obscuro
dos nossos iluminados corações).

O espelho, amarescente oráculo,
hoje nos exibe um rosto que nos trai
ou que, em sua mais genuína verdade,
nos revela o resultado de todos os dízimos.
O tempo nos comeu o leopardo,
o baobá, as mercês e o prazer de,
                    sem mais, dizer avelã,
        mesmo que em dia nublado.


│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 13 de abril de 2016

SOLITUDE

Um menino arcaico de sandálias cruas,
a tanger carneiros no cimo da colina.


A primavera, escolha por escolha,
sorri nos dorsos onde a luz incide
e, devolvida em cores,
abre o corpo das calêndulas.


Num tear, uma senhora de siso leve
afeta de café e pão todos os reveses.
Suas mãos dão de haver o que insistem
                                               as coisas que,
                                              sobre a Terra,
                                        por belas e livres,
insistem.


Não tão longe, o mar ressoa
o homem ausente e náufrago,
aquele que se desdisse sobre os rochedos
                                            para nunca mais.


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│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 11 de abril de 2016

ESCUTO O OUTONO CHEGAR

O silêncio, que é de ouro,
guardo-o na prudência
com que, entre homens, caminho.
Vejo-os aflitos e sem escutas,
olhos postos no horizonte,
esperando a salvação
─ que não virá de suas algaravias.
Assuntam a obscuridade que lhes toma,
as esquinas suspeitas, o homem surgido
de suas entranhas, este que não lhes convém.

Disseram-nos de um mundo futuro,
do leite e do mel abundantes,
de cítaras embalando albores,
de sonhos os mais prestimosos.
E o que temos para a ceia
são engrenagens de tecer estapafúrdios,
solilóquios em casas abandonadas,
iras, choros, ressentimentos
e uma paz de pouco linho. 

Por isso, o silêncio, que é de ouro,
guardo-o em meu coração.
E, no enquanto deste agora,
escuto o outono chegar.

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│Autor: Webston Moura
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