segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

EU QUERIA FUGIR PARA ANTJE TRAUE



É fim de ano: o zodíaco
          aponta o indistinto,
  a caminhada à margem,
      oscilações nos mapas,
       malmequeres bravos.

Fechar-se-á um ciclo
e os dias serão tão inéditos
                           quanto não:
amanhã, como sói,
estaremos cansados
e sumários
em nossas rotinas,
depois de tudo.

Ainda assim, que nos custa
reabrir os cadernos e dar sinal
a Pegasus e a Cygnus?

Sim, sou otimista,
mas estou cansado:
é muita fala no meio da rua.
Eu queria fugir para Antje Traue.


│Autor: Webston Moura

domingo, 27 de dezembro de 2015

ISABELLE

Num talvez de um instante,
um peixe sobre um incerto,
calhaus na margem de um rio,
ocres em grãos de quartzo,
ariscos apriscos brumosos,
outonos engenhados.

Giro do tempo,
teus olhos,
brisa,
borboleta,
mãos que,
movendo o ar,
orvalham-se.

Cabelos,
ondas,
doiros,
lábios que,
movendo-se,
permitem-se
desenhar
flautas
(seus sons).

Foto.

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│Autor: Webston Moura
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sábado, 19 de dezembro de 2015

UM HOMEM NO ESCURO

Plano aberto:
pontos de luz pela cidade.
Um beco.
Um homem caminha só.

Não se sabe seu nome
ou se desposou uma Evelyn
numa quarta-feira de verão.
Sabe-se que ele segue,
passos apressados,
sumindo-se com seu corpo
e seus sonhos,
se ainda os tem,
se é que algum dia os teve.

Solidão.

Uma folha de jornal,
presa à ferragem de uma usina,
estampa o que já é ontem.

E é natal.


│Autor: Webston Moura

ALDEBARÃ VISTA PELA PRIMEIRA VEZ


Sabem-me pássaros
no trânsito desta varanda.
Sei-lhes a travessia que,
mesmo em seu todo secreta,
está-me paraíso de signos.
E o denso é a emoção que sinto:
rio suave ante um tanger de cabras
nalgum entardecer de uma aldeia
cujo nome supõe raras gemas
e ócios de um tempo sem relógios.

Pronunciam-me âmbar de entalhe feminino,
tal ao que (voz a mais acima) diria afável:
Paco de Lucía em todo frescor.

Não quero o mundo, este do perde-ganha.
Quero o trigo no estalo mais certo sob o sol.

E direi vezes tantas meus olhos fechados,
que minha boca, um sim a pico, agora sorri.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015



Havia sempre o velho,
a partir das cinco da tarde,
à calçada, cadeira posta,
cabelos encanecidos,
olhar de sem-espanto,
como a contar apenas
a passagem daquela hora
em que seu pouco de senhorio
se assenhorava de apenas estar.

Até o dia de nunca mais,
onde se passou a contar
o tempo provido somente
do cachorro que antes havia
em redor do velho,
silente bicho de olhos
agora ainda mais aguados
(ou seriam secos?)

Na pequena sala,
a imagem do Sagrado Coração de Jesus
e um encontro de pequenos sons
vindos de onde não mais havia um velho,
mas só seu nome
(que era mínimo como a vila
que ajudara a construir): Zé.

│Autor: Webston Moura

MAIS ALÉM DO ALTAR DOS CORDEIROS



Não nascemos para o massacre.

Não é aí que reside a centelha forte.
O livro dos livros
destes senhores que erguem estas torres
                                (pedra imensa alteada)
não pode ser lido sob esse (signo) deserto.
O chão antigo dos dias sob o sol,
mais além do altar dos cordeiros
e dos primogênitos
é habitação das heras e dos sândalos,
do trigo e da erva-sem-nome ─
essa a que o homem dará cultivo:
com elas ervará os ares
odorados do sangue incendiado
que sobe ao deus
                       (decrépito signo deserto)
dos senhores que erguem torres
contra os céus das manhãs.


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# Poema constante de "Aridez lavrada pela carne disto" (Confraria do Vento, 2015)

│Autor: Dércio Braúna