quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

OS DIAMANTES DE SERRA LEOA



suas arestas são gumes:
não de cortar epiderme, mão nua;
são gumes que cortam antes
          (no haver entre a mão e a pedra),
cortam no instante estrito
          (à guisa do feitio de um cão
           lançando-se à espoleta)
em que o olho
se desaba sobre a esquálida arquitetura
dos meninos mineiros,
         seus apanhadores
                   (que trazem a infância
         tão perdida ―
                    funda ―
         quanto a conta dos mortos
         ficados sob terra
         gritando às oiças dos vivos).


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# Constante de A Selvagem Língua do Coração das Coisas (Realce, 2005)

│Autor: Dércio Braúna
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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O santuário




Entro no teu corpo
branco santuário
de cal e camélia
o porto que abriga
a nau insensata
e sombra de espiga
no chão do verão.
No teu corpo encontro
a âncora da vida
achada e perdida
no Mar Oceano
o cheiro de estrume
guardado no estábulo
o longo sol pálido
que nos ilumina
como um candelabro
que jamais se apaga
no final da festa
de arquejo e desejo
quando só nos resta
a sobra das almas
saliva e sobejo na escuridão.

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# Constante de Cem poemas de amor (Escrituras Editora, 2004).

│Autor: Lêdo Ivo
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A BARCA DAS SONHAÇÕES



I.

Há de ser mais bonito o mar que nunca vi ―
essa pátria que é a minha!:
nunca pude mesmo
ir-me destas singelezas
(espoletas do ínfimo, diria um fazedor de amanhecer).

Eu, neste tempo presente,
vivo é porque anda esta mão minha
por desassentar a crueza da luz
sobre a sofrência em que vamos
uns irmãos com os outros
e a mudá-la em cor de tingir poesia.

Mesmo pegado do pouco delírio que lhe vou a dar,
meu verbo navega
(pobrezito na barca sua em que vai)
para além da tristência de agora-aqui.


II.

É-me um estranho solo este
dos homens desconstrutores das sonhações ―
desaceito a veemência de suas arcarias;
bebo-me nas coisas por outra ordem.

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# Constante de A Selvagem Língua do Coração das Coisas (Realce, 2005)

│Autor: Dércio Braúna
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