sábado, 22 de dezembro de 2018

ESTA MÚSICA


Escuto esta música
e me retiro.
Sei: estou aqui
(contudo, não estou).
É meu sentimento
que por aí vai,
notas harmonizadas
nalguma máquina feliz
por sobre uma montanha
e com espírito de pássaro,
águas mais adiante.

Não há palavras exatas
para dizer disto.
Por isso, paro;
escuto esta música
e me retiro.


│Autor: Webston Moura│

O PESCADOR ANÔNIMO


Vai-se o sol forte; a tarde é áspera.
Na lagoa suja de progresso urbano
o homem simples pesca os peixes impróprios.
Sorri ao aceno, é simples sua índole.
Ali já está desde velhos tempos
quando havia água que se punha pura.
Resta-lhe, agora, como sorte última,
ir-se com a lagoa ao cabo das forças,
esquina final donde não se volta.
Por ora, se apega à pesca de agora,
neste dia pleno de rotina e fome.


│Autor: Webston Moura│

PEDREIROS


Ardem sob o sol mais inclemente
enquanto erguem paredes cujo fim não lhes servirá.
Não têm e não terão casas suas,
que a sorte de serem o que são,
pedreiros,
tem esta contradição:
vestir a nudez alheia enquanto sobram nus,
seja de casa, de melhor comida ou de futuros leves.


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

MURMURANDO


Essa revolta concentrada há anos,
pedra escondida sob a aparência da normalidade.










E a vergonha de não vivê-la,
                         de não dizê-la,
                         de não fazê-la,
que só se confessa assim a miúdo
              e sob sigilo,
murmurando,
                                    murmurando,
                                    murmurando.


│Autor: Webston Moura│

SOB A HORA DESCANSADA DA MANHÃ


O ar cheira a plástico queimado:
revolta pequena de algum morador.
É manhã, mas maculada da mão que lhe suja.
Alguém vai, alguém vem;
a rua, sem ênfase, acontece.

Lá no possível céu, cinza no cinza,
um pássaro vagueia sob a dureza da luz.
Atrás de si, acima, melhor dizendo,
a promessa incerta de chuva.

O sol começa seu ofício:
a barra do horizonte,
entre laranja e outros fugidios tons,
parece alegrar-se, ainda que nebline.

Enquanto se dissipa o odor acre,
permite-se alguma flor subir seu aroma
e um cão, já menos incomodado, ergue-se do sono
e, descabido de cismas, lança-me um olhar.


│Autor: Webston Moura│

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

BREVE PENSAR ENQUANTO O SOL DESCE




Twilight (1909) - Umberto Boccioni




Viajante, sei-me estrangeiro
de passos que já se cansam
sob o peso da viagem.

O que sei, saber possível
recolhido das andanças,
já se coloca à margem
dos homens mais apressados,
estes que inventam o agora
e, agitados, alegram-se
como quem descobre o fogo.

Velho, aprendo a viver.
Mas, como gastar a voz
deste saber mais profundo
se mais me conforta a sombra
que o rugido de mil mundos?

Por isso, mais admiro.
Por isso, mais observo.
E, se me permito algo,
sinto, pois, pena do homem.


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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PEQUENO LUGAR PERDIDO



Nogueira Régia




É uma nogueira,
o que sobrou dela,
como a oiticica,
um pouco mais adiante,
e estas de sem-nome
(os quais não aprendi),
todas mortas árvores,
paisagens de só-triste.
Ou, se preferires,
poemas de pé,
palavras guardadas
na seiva perdida,
imagens de pedra
que a terra sustém,
onde nosso amor
vive e se comove.

Atrás do casarão,
antes verde-sempre,
o pó de um milharal
extinto de anos muitos.

Apesar de não,
há pessoas, sim,
o que delas se lembra.
Conta-se de uma moça
que o vento sugere
vagando no branco
da névoa tranquila,
como se ontem fosse
e ainda houvesse
árvores e vida.


│Autor: Webston Moura│