sexta-feira, 20 de maio de 2016

RESTAR ÍNTEGRO

Em seu perfeito estado,
um círculo.




Pôr-se ausente a pino,
desmundar-se.
Habitar a penúria,
o zero da cabeça.
Silenciar, escutar
e retornar à primeira água.
Caso um peixe borbulhe sua sentença,
deixa-lo ser: seu reflexo desparecerá.

Na pausa, nada inibir.
Respirar o vago, o limpo, o livre.

Esvaziar-se.

Restar íntegro
e deserto:
abrir-se à luz.


│Autor: Webston Moura
_______________________

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Deita-te comigo

Deita-te comigo.
É tão longa a noite.
Apagaram-se os brilhos
do tecto do dia claro,
ficou a iridescência nas
vidraças dos teus olhos
que bebo ou recuso.

A casa respira o sussurrar
das águas, se quiseres, ou
silencia e abafa todos os gritos
da solidão partilhada.

Ao alcance do teu gesto fico,
nascente, leito ou deserto.
Por ti me farei cascata ondulante
ou, como barro, me unirei
às reentrâncias absurdas das águas.



..................................
# Poema constante de "Evocação das águas" (Seda Publicações, 2015), com desenhos de Carmo Pólvora.

Lília Tavares (1961)  é psicóloga clínica, há 24 anos a trabalhar na reabilitação de jovens e adultos. Casada e mãe de dois filhos, frestas de luz que a vida lhe deu. Unida à Poesia desde os treze anos, publicou em 1979 Fusão Crepuscular e outros Poemas em edição de autor. Participou, a convite, numa antologia de poetas do Baixo Alentejo, dois anos mais tarde. Natural de Sines, traz consigo o aroma das marés vivas de Setembro. De extremos, ama o aroma das terras, o sol, as alfazemas em Junho. Criadora e co-autora da Página "Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen", Lília é co-autora da Página "Poesia com Artes" e, neste âmbito, realiza  Encontros de Poesia e Artes em Oeiras. Tem criado eventos, prefaciado,  participado e/ou apresentado diversos livros de poesia de outros autores. Participou com outros onze autores em Rio de Doze Águas(Coisas de Ler, 2012), antologia prefaciada por Joaquim Pessoa. Publicou Parto com os Ventos (Kreamus, 2013), prefaciado por Carlos Eduardo Leal, RJ, e ilustrado com esculturas de arame de Simone Grecco, SP. Ama as pequenas coisas. Prende o olhar numa lágrima, num amigo, numa estrela.

PALAVRA ABERTA PARA A MANHÃ

Um café e o meu silêncio.




De saudades, entardeci.
Minha boca pronuncia terçã,
guarda-louça, mormaço e lisonja.
Apareço na generosidade
da palavra gentileza,
na sua cortês melodia
de moça e cozinha.

Assina-se brandura
às almas que ainda se põem,
entre um fagote e um oboé,
dissipadas de medos letais
no sempre que de comer bolachas,
devagar, como as crianças que se perdem de si
olhando a rua, a partir de batentes antigos
de casas que não existem mais senão em afrescos.

As pedras se limam, mutuamente.
Os afetos, igualmente, contra e com.
A vida, rio de tardanças, dá as cartilhas.

De Monet, Bain à la Grenouillère,
imersão a que me ponho.
Demoro-me no que seja alegria e paz.
E, da pintura, procuro um neologismo
para o que sinto ─ que seria?

De saudades, entardeci, já o disse.
E, agora, leve-leve, pronuncio janela,
palavra aberta para a manhã.


│Autor: Webston Moura
_________________________