terça-feira, 26 de abril de 2016

FLORES PARA COIMBRA

Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.

Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.

Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.



......................................
# Poema constante de “30 Anos de Poesia” (Dom Quixote, 1997)

│Autor: Manuel Alegre

______________________

NO MERCADO DE SORRIDENTES AZÁFAMAS

Lobo do homem,
o homem, desencontro de si:
aflito; contristado e inquieto.
Lobo do homem,
o homem engenheiro do caos,
cainçada estrídula abrindo caminho.
Lobo do homem,
o homem no limbo, à margem,
velho pierrot alucinado.

Dorme, acorda, destrói.
Dorme, acorda, destrói.
Dorme, acorda, destrói.

De olhos lacrimosos,
olhos de se amar,
medos de se morrer,
fomes de se chorar,
                 o homem lobo do homem
                 vaga sobre a Terra
                 desde os tempos de antanho
                 a estes dias de nunca.

(Que faço,
armado de palavras-gérberas,
ansioso e enguiço de poemas,
entre homens lobos de homens?
─ pergunta o poeta à beira de si.

E lhe respondem com dinheiro
& dias de saldo
no mercado
de sorridentes azáfamas).


................................................
│Autor: Webston Moura
__________________________

O RESULTADO DE TODOS OS DÍZIMOS

Somos escombros de mundos passados,
sombras de pensamentos já havidos:
no galpão abandonado, um menino
transita, e não lhe vemos o rosto;
           um pássaro sem nome voa
                     por sobre sua cabeça
e sai pelo oco do quebrado vitral
               para o aberto da manhã
                               (que se repete).

(Ontem, ecoava Magdalena Kozena
enquanto os lírios se abriam
de dentro das palavras de Nuno Júdice.
Estávamos no vergel e éramos apenas nós.
O futuro nos sorria, adiante, no obscuro
dos nossos iluminados corações).

O espelho, amarescente oráculo,
hoje nos exibe um rosto que nos trai
ou que, em sua mais genuína verdade,
nos revela o resultado de todos os dízimos.
O tempo nos comeu o leopardo,
o baobá, as mercês e o prazer de,
                    sem mais, dizer avelã,
        mesmo que em dia nublado.


│Autor: Webston Moura
_______________________