quarta-feira, 1 de março de 2017

O Guarda Chuva




Young woman taking a walk holding an open
umbrella (1880)
- Edouard Manet





A senhorinha procura,
anda de um lado para o outro,
coça a cabeça, para, recomeça,
vai de uma ponta a outra da galeria.

O toque em meu ombro me chama.
Avisam-me de que ela é doida
e que busca um guarda-chuva.
Faz isso sempre até lhe darem um.
Objeto barato, de uso geral, quem se importa em dar?

A senhorinha recebe, sorri e diz “Meus filhos”.
Tem um tom nostálgico.
Fora abandonada pelos filhos?
É o que parece.

Encontrar um guarda-chuva,
para reencontrar algum caminho de volta
ao dia em que fora deixada nalguma rua,
quem sabe até num abrigo de nome que não sabemos,
coisa por aí, como se diz, de onde ela, supõe-se, fugiu
                                                    (ou perdeu-se).


│Poema da Série "Objetos Perdidos" - Autor: Webston Moura│


....................................
Leia outros posts:


.....................................................................
Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
..............................................................................




terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Lembrança



Rain in Belle-Ile (1886) - Claude Monet



Sempre que o céu se nubla,
lembro-me dos céus da infância,
aqueles infinitos horizontes
e a vertigem de antes de cair as águas.
Devagar ou rápida, vinha a chuva,
o mundo inteiro ficava úmido,
uma inteira posse de águas em toda parte.
Depois, a míngua dos fios d’água ao pé das calçadas,
o ar limpo, o retorno dos citadinos à rotina,
a vida lavada, a leveza com que se supunha a vindoura noite.

Diria alguém ser isto natural, ontem ou hoje,
como quem toma por banal o que a vida naturalmente repete
─ chuvas, crepúsculos, um broto de carnaubeira.

A cada chuva, porém, repetição que o seja,
reinicia-se alguma infância no coração do homem,
que, comum ou não, saberá sentir,
se acordado para mais, se criança ainda.

Nada há na vida que, sendo beleza, não seja uma forma de milagre.

Diante da chuva, gratuidade da vida, meu coração é bastante,
não sofre senão uma alegria íntima, muito íntima, quase secreta.


│Poema da Série "Por Ocasião da Chuva" – Autor: Webston Moura│



....................................
Leia outros posts:


.....................................................................
Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
..............................................................................


O Lado Esquecido da Cidade







Toda cidade tem sua parte baixa, periférica.
É onde os pobres teimosamente vivem.
A chuva que molha os altos, a fazer serenata nas varandas,
é a mesma que, nas partes baixas, desassossega.
Desfazer casas e barracos, fazer rolar ribanceiras,
sua chegada tem dessas tarefas de ofensa.
Ainda assim, por uma mágica razão de sentir,
uma mão sensível recolhe pingos e os bebe misturados a um sorriso.


│Prosa Poética da Série "Por Ocasião da Chuva" – Autor: Webston Moura│



....................................
Leia outros posts:


.....................................................................
Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
..............................................................................


O OLHAR DO RIBEIRINHO



Chove.
A estação não cessa.
Vai-se o rio mais largo e mais veloz.
As casas do lado de lá tem suas cumieiras alcançáveis à mão
de quem navega em canoa ou noutro arranjo.

Porém, detrás do olhar do ribeirinho restante,
este que apruma nos lábios e nas mãos uma prece
e estuda cautelosamente as nuvens,
vê-se a lavoura, a vazante e o peixe de um domingo.

│Poema da Série “Por Ocasião da Chuva” – Autor: Webston Moura│