sexta-feira, 19 de julho de 2024

Poema Sexto






Doce é o sacrifício dos frutos, fraterna
a luz dos pássaros. A terra canta, exibe agora
o esplendor dos vulcões, para acender na noite
o imenso candelabro do universo.

Ofereço a mim todas as vidas, todos os segredos
por detrás da aurora. Amo todo o silêncio,
toda a dor redonda de cada um dos dias.

O que vejo, o que sinto, é a respiração
das palavras, hálito doloroso das colinas da tarde,
a curva da fala que se demora na ternura das mãos
e de onde tomba o oiro dos relâmpagos ou
se debruça a luz fria das primeiras horas.

Escreve-me como se ainda me amasses.
E eu guardarei o fogo. Dar-te-ei o sol. Talharei o sílex
para o coração azul do pássaro. E o tecido dos beijos
para vestir a pele das coisas mais agrestes.

Dividirei com a tua boca o feroz vinho da juventude
e cantarei contigo todos os salmos da paixão.
Por fim, esperar-te-ei no rio, junto à margem. Onde
as romanzeiras se despedem do verão.

E onde, agonizante, caminha para o sol
o animal que aos poucos morre de tristeza.

*

Óleo s/ tela ©Alberto Pancorbo

|JOAQUIM PESSOA, in GUARDAR O FOGO (Edições Esgotadas, 2013)


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Araibu e Só Um Transeunte.
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["Algures na epiderme moram pequeníssimos grãos"], de Lília Tavares







Algures na epiderme moram
pequeníssimos grãos
que guardam instantes.
São poros onde ficaram
ocultos os dias em que deslumbrados
tropeçámos na ternura
e fomos jangada, marés e areias.
Num anoitecer inesperado,
a pele salgada de uma concha
pode vir despertar a limpidez velada
desses momentos redondos, brancos
e lunares. Gratos aos búzios,
às grutas percorridas, o cansaço
há-de conduzir-nos a um mar de mel.
*
Fotografia: Only Two, de Dmitry Laudin

|LÍLIA TAVARES, in NOMES DA NOITE (Modocromia, 2019)


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Os Teus Pés








Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.

Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
a duplicada púrpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram vôo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.

*
Fotografia © Andrea Tomas Prato
*

|PABLO NERUDA, in POEMAS DE AMOR, Ed. Bilingue c/ tradução de Nuno Júdice (D. Quixote, 2010)


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Pink Floyd | "Cymbaline"






A música em questão, "Cymbaline", da banda britânica Pink Floyd, faz parte da trilha sonora do filme "More" (1969), dirigido por Barbet Schroeder. É uma canção melancólica e bonita.

Escute aí! 🍂


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quarta-feira, 10 de julho de 2024

Sting | "Englishman In New York (Symphonicities Version)"





Gosto do trabalho do músico britânico Sting. Isso desde que ele fazia parte da banda The Police. "Englishman In New York" é uma linda música do álbum Symphonicities, de 2010. O canal do vídeo é Sting: link (aqui).

Escute aí! 🧡

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sexta-feira, 5 de julho de 2024

Cicatriz



Untitled (1968) - Álvaro Lapa



Cicatriz, a palavra,
só a palavra, é bonita.

Precipício, idem.

São palavras,
como topázio, tornozelo,
                    cachecol.

Digo almíscar,
odisseia, milha,
paciência.

Faço nascer sentido,
posso criar caminho
diga blandícia.

Cicatriz, a palavra,
só a palavra, não dói.
É como areia, sal-gema
ou chuva.





|Poema da Série 'Palavra" - Autor: Webston Moura|

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quinta-feira, 4 de julho de 2024

Eu e o Louva-a-deus



Praying Mantis on a branch (1950) - Qi Baishi




Eu e o louva-a-deus.

A areia, como os dois, alma
que está em nós, nos arde
                  - e nós nela.

Brilha tanto o sol,
viver importa!

Vem o vento
- senhor que aqui estava
antes do primeiro orgulho
separar dois donos -
acariciar o áspero
e o expansivo.

As cabras pastam,
as codornas saltitam,
arrasta-se a lesma
no mesmo caminho.

Estronda a onda
aonde os raios da lua cairão,
mais tarde, diante do guaxinim.




|Autor: Webston Moura|



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terça-feira, 2 de julho de 2024

Preocupado



Untitled (1956) - Karl Benjamin



Você está pre-
ocupado,
arrastando um amanhã
           que não existe,
o pé preso
à armadilha,
a voz sem som,
todo músculo
em ácido aflito,
olhos vermelhos
de insônia e café.

Você está à caça
        da insídia,
da maledicência,
do que dizem (ou não)
o vizinho e o distante,
do que se veste aquele,
do que se despe este,
da cor nervosa das distâncias
e da palidez dos apertos de mão.

Você está pre-
ocupado
em controlar
a anarquia da vida,
o brilho nonsense
das coisas fugidias,
a importância cabal
das teorias feitas por (e para) iniciados.

Você está pre-
ocupado,
apesar da cerveja bebida
em todo-fim-de-semana
e da gargalhada em voz alta,
que, no fundo, quer chorar.




|Autor: Webston Moura|

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Introspecção



Introspección (1966) - Luis Carrillo




Tudo o que se cala
na voz e no músculo.

É quando os olhos falam,
           cuidadosamente,
ocultando afoitamentos
          e imprudências.

É a mulher que saiu só
e perdeu quatro horas
em frente ao mar,
pulsando com as ondas,
sem querer voltar.

É, sem palavras,
ouvir a música de Bach,
deixá-la fluir e penetrar
a alma, sem pressa
que a faça desandar.

É quando, sem maior susto,
vemos aos outros, os outros como são,
              tão íntimos, tão estranhos,
irmãos e não.


|Autor: Webston Moura|

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segunda-feira, 1 de julho de 2024

Alguma Coisa



Aught (1968) - Eva Hesse




Alguma coisa,
como alguma palavra,
      ela, e apenas ela,
antes e depois de um silêncio,
necessário silêncio que dê espaço,
                para que algo se abra
- no horizonte.

Alguma coisa,
como um sorriso
ou baixar a guarda,
preparar um chá
e puxar uma cadeira,
uma conversa.

Alguma coisa
que não seja
o avesso que nos consome,
este predador incansável
atrás da já cansada presa.


|Autor: Webston Moura|

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