sexta-feira, 26 de julho de 2024

Gosto de Música, Não de Festa



Grazioso (1933) - John Ferren



Gosto de música, mas nem tanto de festa. E assim foi por toda minha vida. Excetuados alguns momentos, assim foi.

Porém, o que aqui chamo de festa, é mais o que, no comportamento do brasileiro, é festivo, certa tendência a carnavalizar as coisas, escolher por uma postura menos reflexiva, ser mais do barulho que do pensamento. E é isso que não gosto.

Agradar-me-ia se fôssemos um povo para o contrário disso, embora não totalmente. Com o tempo, claro, poderemos nos tornar diferentes. Mas, pensando nisso, imagino que, se tiver que ser, o meu tempo de vida não alcançará, dada a forma - anárquica - com que boa parte da nossa cultura se mostra, o que a impede de mudar.


|Autor: Webston Moura|

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Araibu e Só Um Transeunte.
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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Consciente e Corajosamente



Landscape by Brook (1908) - Bertalan Por



Diz-nos Bernardo Soares* no "Livro do Desassossego": "A liberdade é a possibilidade do isolamento."

Creio que ele se refira ao fato de cada um poder ser quem é, indivíduo bem conseguido de suas (boas) vontades, garimpado de suas próprias entranhas, possível de alguma originalidade e, assim, de contentamento consigo mesmo.

Para tanto, o isolamento como forma de se individuar, encorpar-se a si mesmo contra o regime geral que nos faz massa de manobra. Evitar as ondas de notícias, de acontecimentos, evitar ser refém do que (sempre) vem de fora, os chamados aturdidos que sugerem "pense isso e faça aquilo".

Isolar-se como a semente, que, só, fermenta-se e explode, vagarosamente, criando nova planta, sua originalidade possível, dando ao mundo seu ser mais real.

Isolar-se do que gera alheamento, a tontura de estar imerso no que vem e vai, sem alegria, sem paz.

Não significa, propriamente, estar só de solidão que dói, mas estar em si, consciente e corajosamente.


|Autor: Webston Moura|


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Nota:
Bernardo Soares é um heterônimo do poeta português Fernando Pessoa

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Máquina Diária de Repetir Tarefas




Machine Element (1924) - Fernand Leger




"Às vezes, em sonhos distraídos,
que me surgem das esquinas do pensamento e da emoção,
visiono amores."
- Bernardo Soares*, no "Livro do Desassossego"



É quando me dou conta
de que já tenho o que preciso,
para mover a minha parte no mundo.

É quando meu apreço
pelas coisas gratuitas
se faz presente.

É quando, sem sofrer,
sinto saudade e antevejo
      a chuva (insuspeita)
             por trás do sol.

E, em seguida, tomado sou
pela urgência da rotina,
máquina diária de repetir tarefas
          e domesticar sentimentos.

|Autor: Webston Moura


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Nota:
Bernardo Soares é um heterônimo do poeta português Fernando Pessoa.

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Há Muitas Palavras no Mundo




Landscape with Posters (1912) - Pablo Picasso



Há muitas palavras no mundo, palavras de todo jeito. Como pedras (quase) sem fim na paisagem agreste da realidade.

Falo da demasia desta toda gasta energia com que nos movemos, falando e aumentando a tempestade que não nos traduz nem resolve problemas.

Há muitas palavras no mundo, ainda que disfarçadas de outras coisas. Palavras que parecem jorrar de alguma cachoeira enorme e ensandecida. E para a qual, cachoeira excessiva, não temos função a dar.



|Autor: Webston Moura|

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quarta-feira, 24 de julho de 2024

O Poder da Palavra



Virgin with Child (c.1455) - Jacopo Bellini



Nem só de pão vive o homem
Pois a Palavra conforta
Ressuscita a vida morta
Sossega os que se consomem
Sacia a todos que a comem
Como alimento do Amor
Do Cordeiro Salvador
Para a nossa Redenção
Através da Comunhão
Do Verbo Sustentador.


|Autor: João de Deus de Sousa [Russas, no Vale do Jaguaribe, Ceará, Brasil]
|Website do poeta no Recando das Letras: [LINK]
|A imagem que ilustra o poema foi escolha do editor de Arcanos Grávidos

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segunda-feira, 22 de julho de 2024

Um Gato Preto



Black Cat - Theophile steinlen



Um gato preto.

A noite,
muro a muro estendida,
     é o que lhe convém.

Cochila o vigilante,
entediado da rotina.
Dorme a criança,
inocente de tudo.

Eu leio notícias de ontem,
que, amanhã, serão requentadas.

O gato passa
e não me sabe senão
como uma fala absurda
que ele não decifra.

noite nos envolve
no silêncio e na canção.

E é o que nos convêm.


|Autor: Webston Moura|

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A Ponte



Untitled (1978) - Marcelle Cahn



A ponte me sugere o outro,
aonde se esconde o infinito
                     ou a ilusão.

A ponte é esse caminho entre nós,
o que faremos de nossas vontades.

Observo teus olhos,
a censura, o medo,
a insegurança
e o desejo fechado
       em espinhos
   bem cultivados.

Hesito.

Hoje não é dia de luta,
e eu me sinto cansado.

Num eclipse de incertezas,
a ponte desaparece
enquanto caminhamos
em sentidos opostos.


|Autor: Webston Moura|

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sexta-feira, 19 de julho de 2024

Estamos Sós







Estamos sós, mas já não choramos
o orvalho da solidão
estamos sós
mas ninguém pode roubar-nos o poema
quando fechamos os olhos
e se reflete toda a luz do mundo.

O silêncio que nos costura o corpo
ressoa como uma haste de fogo
acendida pela memória
uma agulha de sangue
um pássaro ferido no restolho
no silêncio da terra a fria colheita
e a serenidade.

Estamos sós
e ninguém se apercebe do perigo
da brancura nas sombras
onde se abrem os nossos braços
ao vazio da espera
os olhares vagos quotidianos
a apodrecida indiferença dos dias sem paixão.

Estamos sós na indigna noite
com o passaporte desgastado
pelo ácido do tempo.
O dia tristemente azul acende-se na melancólica madrugada
a quem oferecemos a tranquila revolta
tanta gente, tanto nada.

Todos os nomes
são água
todas as palavras
falam mar.

*

Fotografia: Cage, de Bita Mohabbati

|CARLOS RAMOS, in ÁGUA SILÊNCIO SEDE (Antologia; Poética Ed., 2021)


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Poema Sexto






Doce é o sacrifício dos frutos, fraterna
a luz dos pássaros. A terra canta, exibe agora
o esplendor dos vulcões, para acender na noite
o imenso candelabro do universo.

Ofereço a mim todas as vidas, todos os segredos
por detrás da aurora. Amo todo o silêncio,
toda a dor redonda de cada um dos dias.

O que vejo, o que sinto, é a respiração
das palavras, hálito doloroso das colinas da tarde,
a curva da fala que se demora na ternura das mãos
e de onde tomba o oiro dos relâmpagos ou
se debruça a luz fria das primeiras horas.

Escreve-me como se ainda me amasses.
E eu guardarei o fogo. Dar-te-ei o sol. Talharei o sílex
para o coração azul do pássaro. E o tecido dos beijos
para vestir a pele das coisas mais agrestes.

Dividirei com a tua boca o feroz vinho da juventude
e cantarei contigo todos os salmos da paixão.
Por fim, esperar-te-ei no rio, junto à margem. Onde
as romanzeiras se despedem do verão.

E onde, agonizante, caminha para o sol
o animal que aos poucos morre de tristeza.

*

Óleo s/ tela ©Alberto Pancorbo

|JOAQUIM PESSOA, in GUARDAR O FOGO (Edições Esgotadas, 2013)


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["Algures na epiderme moram pequeníssimos grãos"], de Lília Tavares







Algures na epiderme moram
pequeníssimos grãos
que guardam instantes.
São poros onde ficaram
ocultos os dias em que deslumbrados
tropeçámos na ternura
e fomos jangada, marés e areias.
Num anoitecer inesperado,
a pele salgada de uma concha
pode vir despertar a limpidez velada
desses momentos redondos, brancos
e lunares. Gratos aos búzios,
às grutas percorridas, o cansaço
há-de conduzir-nos a um mar de mel.
*
Fotografia: Only Two, de Dmitry Laudin

|LÍLIA TAVARES, in NOMES DA NOITE (Modocromia, 2019)


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