domingo, 1 de março de 2020

O Que Meu Coração Ilumina



Woman in Front on the Fireplace - Edouard Vuillard


Domino este mundo,
pequeno mundo de coisas a fazer,
mas não só: reino nas alegrias miúdas
da invisibilidade buscada e, pior, conseguida.
Não conquistarei impérios, sei;
são as condições deste tempo.
Entretanto, da beira das coisas que minhas mãos alcançam,
quem poderá retirar-me da febre alquímica que me toma?
Ainda que meus sonhos não derrubem reis,
cá estou acendendo o que meu coração ilumina.



|Autor: Webston Moura|



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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Araibu e Só Um Transeunte.
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TEMPO FEITO




Sei fazer. Faço
a canção inerente
ao amor emocionado

desfaço a hora
da leitura e nos textos
guardo letras
inerentes ao fogo

           consumido

sei fazer: desfeito
me reapresento
ao tempo

         e o tempo
         existe.


│Do blog do autor: http://pedrodubois.blogspot.com/

sábado, 29 de fevereiro de 2020

SEGREDO



Aguarela e guacho: Seagulls,
por © Donna Carlisle Noice


Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.

FERNANDO PINTO DO AMARAL, in ÀS CEGAS (Relógio d' Água, 1997)

ETERNIDADE



Aguarela: Into The Mystic, de Sarah Yeoman


Sempre vivemos para além
da memória
apesar do lapso apunhalando o tempo

Porque antes fomos
connosco noutra hora, e agora
voltamos quando já nos esquecemos

Onde fica a fissura, a brecha
por onde passámos
a chegarmos de novo ao nosso presente

Infringindo as regras das horas
improváveis
hoje igual a ontem, já inexistente

Partimos e tornamos na nossa
eternidade
assim a repeti-la num infindo repente

Perdidos um do outro sempre
a regressarmos, revertendo
a queda que nos ata e desprende

Onde está o estilete de cravar
no peito, onde está
o incêndio, onde está o veneno?

Tanta imprudência que jamais
revelamos, calando
um ao outro aquilo que queremos

Fugaz a madrugada volta a luzir
no espaço, entre o prazer
aceso e o lento segredo

Efémeros os sentimentos
que depois se refazem
como se dissolvem as paixões ardentes

Apesar das tormentas,
para sempre voamos
século após século no ressalto dos ventos


│MARIA TERESA HORTA, in ESTRANHEZAS (D. Quixote, 2018)

ODE À CONSTIPAÇÃO



Técnica mista ©Andrea Harms


Dr. Bayard vou-me suicidar com Vicks
viver é sobreviver a uma criança constipada
a Aspirina não cura as dores da alma
a literatura inclusa não basta
ingerirei também rebuçados do Dr. Bentes
e pastilhas Valda


│Autora: Adília Lopes

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

MARAVILHA



Cosmos Nº 2 -  Martha Boto



Se meu coração te encontra,
concentra estas águas dispersas
e as faz ordem, lagoa, pouso.

Se meu coração te encontra,
deito ao lado a bagagem
e corro na chuva.

(Você se lembra de quando era livre?)
Autor: Webston Moura│



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O BARCO



Menhir II - Sheila Hicks


Vai um pequeno barco ao mar.
Olho-o, demoradamente, e ele segue.
Volteia, longe, um ponto na névoa da umidade.
Frágil, mas suficiente, não vira, tampouco afunda.
Sabe equilibrar-se lá e cá, como se dançasse.

Acompanho-o até o fim, para perder-me de mim
e ter, novamente, o nascer das coisas.


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O GATO



Cats - Franz Marc


Vem lá o gato e passeia, olha,
come e bebe, depois vai-se, cauteloso,
pata aqui, pata ali, um salto,
muro este, muro aquele,
um telhado, some-se.
É perigosa sua vida:
cães e humanos o observam.
À noite, se preciso, briga com um igual,
bate, apanha e amanhece sisudo, cara de ressaca.
Em geral, faz silêncio.
E seu olhar me examina,
parece me inquirir desta minha vida acostumada.
Bem queria, imagino, convidar-me a sair por aí
e, tarde, olharmos o luar
quando o mesmo desce pelo orvalho
em tons prata e azul.


|Autor: Webston Moura|



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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Araibu e Só Um Transeunte.
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